A Busca da Felicidade - Capitulo 14

Capitulo 14

Por muito tempo naquela noite Mauro revirou na sua cama pensando em tudo o que acontecera, talvez um pouco menos na briga e um pouco mais na dança que ele tinha compartilhado com Valentim. Fora algo mágico...

O rapaz gemeu colocando o travesseiro em cima da sua cabeça. O que ele tinha que fazer era dormir e parar de ficar fantasiando algo que não ia acontecer nunca.

Ele nem percebeu a hora que adormeceu, mas acabou por acordar cedo quando o sol clareava o céu no horizonte.

A casa estaca silenciosa, afinal era domingo e todo mundo dormia até mais tarde, mas Mauro estava ansioso demais para isso e tomou um banho e desceu para a sala vendo que da cozinha já vinha o barulho de Duda fazendo o café.

A cozinha cheirava a café recém coado e a pão assado fazendo o estômago dele roncar.

— Está ansioso não é? – a moça riu sem se voltar do forno de onde tirava uma assadeira com pequenos pães dourados.

— Estou – ele sentou em uma cadeira olhando para a moça que se votou sorrindo – Eu nunca deixei outras pessoas verem as minhas pinturas porque achava que elas eram umas porcarias.

— Mas Dalton viu alem da sua opinião – ela pegou uma caneca de ágata e colocou café pondo na frente dele.

— Só espero que ele esteja certo e que preste para algo.

— Olha, eu ao entendo nada de arte, mas Dalton entende e ele não é de apostar em cavalo manco em uma corrida.

— Cavalo manco? – ele riu.

— Ora você entendeu – ela pegou uma cesta de pães e colocou com a manteiga na frente dele – Acredite em você um pouco Mauro, o que tem a perder?

— Quando é que você ficou tão sabia?

— Eu sou sábia – disse ela rindo – Afinal eu suporto a Lucia todo esse tempo.

— Já está falando mal de mim menina – a senhora entrou resmungando e lançando olhares assassinos para Duda.

— Claro – ela piscou para Mauro – Meu esporte favorito.

Dona Lucia desfilou uma grande quantidade de palavrões para a moça que apenas revirou os olhos e mandou ela tomar café.

— Vou lá mais tarde – ela olhou para Mauro como se avaliasse uma espécie rara – E vamos ver o quanto você pinta.

— Lucia chega – disse Duda séria para ela – Ele não precisa de você bafejando no cangote dele.

— Eu só sou autentica.

— Autenticamente chata você é!

Mauro não se conteve e começou a rir fazendo a velha senhora olhar de modo que lhe deu arrepios e fez um gesto com o dedo indicador e do meio para os olhos e apontando para ele, mostrando que ela ia observar ele. O rapaz riu ainda mais da banca dela.

Depois de comer ele saiu para o dia que raiva lá fora. O sol despontava por trás das serras que cercavam a fazenda 3M deixando tudo imerso em uma luz dourada. O orvalho brilhava por todo lado nas cores dourado e prata com a incidência do sol. O ar fresco cheirava a mato recém cortado e ele podia ouvir o som de milhares de pássaros, o mugido das vacas e o som de vozes humanas que haviam levantado cedo.

Tudo aquilo acalmava seu espírito conturbado e ele viu ao longe Valentim conduzir um cavalo para a estrebaria. Ele devia ter acordado ainda mais cedo para cavalgar e Mauro se perguntou se um dia Valentim o chamaria para cavalgar com ele.

— Da onde saiu isso? – disse ele batendo na cabeça.

— Falar sozinho é o primeiro sinal de loucura – disse Godofredo passando por ele – Pelo menos foi assim comigo.

Assim que o senhor entrou na cozinha ele pode escutar o som de algo se quebrando e os gritos de Dona Lúcia e ele se perguntou se não enlouqueceria mesmo ali.

Godo passou por ele rindo e com a cara cheia de farinha.

— Graças a Deus a velha tem a pior pontaria do mundo!  

Mauro deu uma risada que flutuou pelos campos.

Valentim estava saindo da estrebaria e parou ao ouvir a risada cristalina de Mauro fazendo com seu coração se enchesse de alegria, mas outra parte do seu corpo despertou mostrando para ele o desejo que corria em suas veias desde ontem à noite.

Deus! Ele tivera Mauro em seus braços e pedira a todos os deuses que aquele momento durasse para sempre, que ele pudesse ter aquele corpo magro, mas com os músculos nos lugares certos, quente, flexível nos braços para sempre.

Ele voltou para dentro do galpão e começou a bater a testa na parede de madeira.

De onde haviam vindo todos aqueles pensamentos? O que acontecera com ele desde que vira Mauro dançando com Dayno de forma tão intima?

Naquele momento ele vira vermelho e tivera que se conter para não pegar o outro e o arrastar para longe de Mauro, como se o outro fosse algo seu.

Mauro não era nada seu.

Eles apenas brigaram desde que ele chegara à fazenda e Valentim acabara por fazer coisas imbecis que o levaram a ficar ferido. Deveria ter apenas raiva entre eles, mas com o passar dos dias a raiva se fora e algo mais estava ali, algo que o fazia acordar a noite duro e cheio de tesão por ter sonhado com os lábios carnudos de Mauro em torno do seu pênis.

Ele bateu a cabeça ainda mais forte contra a parede.

— Bater a cabeça também é sinal de loucura – disse Godo passando por ele e limpando a farinha do rosto e dos cabelos – Os problemas não somem assim, você só fica com dor de cabeça.

— Tio o senhor já gostou de alguém? – Valentim se afastou da parede com a testa doendo.

— Claro, eu não sei as contas, mas foram de muitas.

— Eu falo de verdade.

— Valentim todas as moças que namorei eu gostei de verdade. Assim eu vejo o amor, mas algumas pessoas têm apenas um grande amor como você.

— Eu? – Valentim ficou vermelho – Eu não gosto de ninguém!

— Eu já vivi muito caro sobrinho e uma coisa eu aprendi: a vida passa. Não desperdice seu tempo. Vá lá e pegue o rapaz antes que outro o faça.

Com essa Godo acenou e foi em direção aos fundos da estrebaria falando com os cavalos.

~~***~~

Mauro e Dalton carregaram a caminhonete com os trabalhos de ambos colocando uma lona por cima. Iam começar a montar a exposição mais cedo, pois as pessoas da cidade de Mendes iam cedo à missa e era uma ótima hora de ver as obras deles.

— Pronto? – Dalton perguntou para o outro que sorriu tremulo para ele.  

— Não, mas não vou recuar. Avante!

— É isso ai!

Ambos entraram no veiculo e rumaram para a cidade. Resolveram não aceitar a ajuda da família para que os trabalhos também fosse uma surpresa para eles.

A cidade despertava quando eles chegaram a Praça Principal. Era uma praça larga que ocupava duas quadras com a igreja católica ocupando uma das pontas. Figueiras imensas e velhas foram plantadas no centro enquanto duas enormes araucárias ficavam nas pontas da praça. Haviam canteiros de rosas, narcisos, Maria sem vergonha e um caramanchão de madressilvas que perfumavam o ar com suas flores brancas e amarelas.

— Hora de trabalhar – disse Dalton parando a caminhoneta.

Ambos desceram e começaram a monta a exposição que seria debaixo do grande caramanchão de madressilvas. Eles montaram as coisas de tal forma que as esculturas e as pinturas ficavam umas entre as outras.

— Bom dia meninos! – seu Alonzo chegou com os sobrinhos Dante e Dayno que sorriam para eles – Olhe só isso!

Seu Alonzo era um homem que gostava de arte, mas de uma arte que ele entendesse e por isso ele não era fã de tendências como o surrealismo ou o cubismo.

Ele olhou com avidez para as esculturas que retratavam o homem cm a sua lida no campo: o boiadeiro montando em seu cavalo soprando seu berrante, a moça com uma cesta na cabeça, o vestido dançando entre suas pernas, uma manada de cavalos trotando, dentre outros. Ele passou muito tempo olhando as pinturas em preto e branco de Mauro mostrando um touro saltitando em um rodeio com o peão tentando se segurar, os campos, matas de araucárias subindo as serras, pessoas concertando cercas e muitas outras.

— São lindas – disse Dante para Dalton e Mauro – Eu não entendo de arte meninos, mas há muita sensibilidade aqui e posso ver que quiseram mostrar a vida no campo em todas as suas nuances.

— Adorei! – os olhos de Alonzo brilharam – Posse reservar?

— Já tio? – Dante riu.

— Claro. Eu fui o primeiro e me dou o direito de escolher as melhores.

— Claro seu Alonzo – disse Dalton e foi com Alonzo e Dante ver as peças que ele queria.

— Você está bem? – perguntou Mauro vendo a cara desanimada de Dayno.

— Não tive uma boa noite depois daquilo. Acho que sou um idiota mesmo, não é?

— Por quê? Por ter medo dos seus fantasmas? Acha que todos nós não temos? Eu acho que cada um de nós tem um monstro no armário que olha de vez em quando para lembrar que mesmo que ele esteja lá, estamos vivos e indo em frente.

— Monstro no armário? – riu Dayno.

— A dá um tempo! – Mauro riu – Eu tive o meu monstro no meu guarda-roupa sabia?

— Obrigado – Dayno o abraçou beijando ele no rosto – Obrigado por ser meu amigo.

Nesse momento a família de Mauro e Dalton chegavam e se o olhar matasse Dayno tinha certeza que Valentim o mataria naquele momento.

Os Contos de Naral - Capitulo 06 A Floresta Velha

Capitulo 06 – A Floresta Velha

O acampamento da noite foi montado em um bosque onde arbustos de dois metros de altura produziam um fruto em redondo e totalmente preto. Crhist mostrou para ele que a sua polpa era branca, de sabor doce, levemente ácido e de nome izu.

Davi, depois de descer do cavalo, arrastou-se para o colchão de campanha onde caiu de bruços e ficou ali. Achava que não tinha forças nem para lamentar o seu destino no lombo de um cavalo.

— Prefiro morrer a subir naquele cavalo de novo – disse ele com o rosto afundado no colchão.

Davi sentiu uma mão gelada em seu pescoço e deu um pulo.

— Fica quieto – disse Crhist – Eu só vou ti ajudar.

De repente a mão do outro começou a esquentar e esse calor entrou no corpo de Davi, esquentando seus membros e espantando toda dor e cansaço. Quando Crhist retirou e mão ele sentou e olhou pasmo para o outro.

— Uau! O que você fez?

— Meu avô disse que é toque dos estrons. O povo do meu pai eram grandes curandeiros e acho que tenho um pouco disso, não serve para grandes ferimentos, mas ajuda nesses momentos. Esse poder é um pouco diferente de alguns poderes de cura eyrianos.

— Seja lá o que for deu resultado. Parece que tomei algum energético!

Agora disposto ele andou pelo acampamento acompanhando Dator já que Crhist ficara deitado no colchão perto do seu olhando o céu colorido do por do sol.

— É raro vê-lo assim, calmo – comentou Dator olhando o irmão de longe.

— Você gosta dele, não é?

— É meu irmão caçula, eu o amo.

— Mas ele é tão desagradável com você!

— Ele tem seus motivos.

— Irmão não devem se tratar assim por motivo algum! Os meus irmãos implicam comigo, mas não da forma como Crhist faz com você.

— Nosso desentendimento foi há muito tempo, quando saí de casa para viver com os legionários.

— Legionários?

— Eram um grupo de reconhecimento e assalto que ficava na fronteira de Otop. Os conflitos ente os eyrianos e os otopianos eram constantes e por vezes irrompiam em lutas sangrentas. Ali era ao nosso posto mais perigoso.

— Você gostava do perigo então?

— Ainda gosto, mas essa minha sede de aventura me levou a brigar com Ismail e com Crhist.

— Mas você está de volta, Crhist e Ismail podiam esquecer o passado e ti tratar melhor.

— Às vezes o passado não pode ser esquecido.

~~***~~

Eles partiram ao nascer do sol e quando se aproximava das oito da manhã chegaram às cercanias da floresta.

Davi ergueu os olhos para a floresta imensa. Mesmo ao longe ele podia ver que as árvores eram imensas, deviam passar dos cem metros e altura. Sua casca era avermelhada e rugosa e lembravam as grandes sequóias dos Estados Unidos. Era uma floresta de gigantes e quanto mais se aproximavam pela estrada mais ficava evidente isso.

Algumas eram cobertas de trepadeiras com flores de mais de trinta centímetros que lembravam a flor do maracujá e eram coloridas, algumas lembravam pequenos arco-íris. Seu perfume era muito parecido com das rosas.

Ao nível do chão, arbustos de folhas largas cresciam entre as árvores cercando seu tronco de trinta metros de circunferência.  

Assim que entraram na floresta Davi percebeu que o sol era escondido quase que completamente pela massa de galhos e folhas e cem metros de altura e que a estrada sumia em meio a uma grossa camada de folhas secas. Era possível ainda ver o contorno da estrada, mas isso era tudo.

— Essas árvores são imensas! – Davi não se cansava de olhar para cima.

— Alteza – Valhalla apontou em volta – Bem vindo ao lar ancestral dos Féten, A Floresta Velha!

Foram tomadas pelos cheiros da floresta: terra molhada, mato, folhas e flores e sons como o de milhares de pássaros que viviam nas copas das árvores. O chão fofo abafava o som das patas dos cavalos e eles passaram a avançar com cautela, era fácil alguém pular de detrás de uma dessas árvores em um ataque surpresa.

— Não saiam da formação – advertiu Dator – Perder-se aqui é fácil.

Davi prestava atenção ao som sussurrante do vento batendo nas copas das árvores e parecia mesmo que as árvores murmuravam.

O rei sentiu Crhist estremecer.

“Cuidado!”

— Hã? – Davi olhou em volta.

— Você ouviu? – murmurou Crhist para Davi.

— Escutei, mas porque parece que só nós ouvimos isso?

“Cuidado filho da terra!”

O cavalo ficou inquieto, mas Crhist o controlava bem.

— O que é isso Crhist?

“A sua direita!”

De repente Crhist deu uma guinada para a esquerda assustando o cavalo.

— Crhist! – Dator correu até eles – O que está acontecendo?

— Eu não sei! – agora o cavalo parecia cada vez mais assustado e começou a pular fazendo Davi ter que se segurar mais forte na cintura do outro.

— Pulam! – gritou Dator.

Mas não houve tempo, o cavalo começou uma corrida louca sumindo por entre as árvores.

Dator estava pronto para correr atrás deles quando algo passou zunindo perto de sua orelha esquerda e ele sentiu seu ombro queimar. Pego de surpresa acabou caindo do cavalo.

— Dator! – Valhalla pulou do cavalo e foi até ele.

Dator segurava o ombro de onde o sangue corria.

— Estou bem! – gritou ele para os cavaleiros da guarda – Correm atrás do rei! Já!

A moça o ajudou a levantar e olhando para a árvore atrás deles viu uma longa flecha de penas vermelhas presa na grossa casca da árvore.

— Mas que merda é essa? – ela olhou em volte procurando o culpado e sacou a espada.

— Valhalla você percebeu onde a flecha foi disparada? – Dator levantou segurando o ombro.

— Sim – havia frieza em sua voz – A flecha era destinada ao Grande Rei!

~~***~~

Depois de alguns minutos a corrida louca do cavalo não pareceu dar sinais de que ia parar. Eles cortavam a mata, costurando por entre as grandes árvores rumo a um destino desconhecido.

— Vamos ter que pular! – gritou Crhist para Davi em meio ao barulho do vento.

— Você está louco? Vamos quebrar o pescoço!

— Só segure em mim forte!

Sem ter outra opção ele segurou forte na cintura do outro e fechou os olhos não querendo ver o chão chegando até ele.

Sentiu quando Crhist pulou e o impacto no chão que não foi tão forte quanto ele previra. Eles rolaram pelo chão coberto de folhas.

Abriu os olhos verificando se tinha algum ferimento e tirando folhas do cabelo e das roupas, felizmente estava tudo em ordem. Olhou em volta procurando Crhist e o viu ali perto sentando e tirando folhas dos longos cabelos prateados.

— Você está bem? – perguntou Davi.

— Um pouco arranhado – disse ele olhando o entorno – Sinto algo neste lugar, uma força estranha que nunca senti antes.

Davi também estava sentindo, era como se algo estivesse arranhando o seu cérebro, como se algo quisesse entrar ali.

As árvores em volta deles estalaram e começaram a se mover como se um vento forte as açoitasse, mas não havia a mais leve brisa. O ar encheu com um zumbido como a maior colméia do mundo.

— O que está acontecendo? – Davi apertou as mãos nos ouvidos.

“Filho da terra” uma voz sussurrou para eles. Era como se ela falasse dentro de suas cabeças “A traição espreita a sua volta. A Alma do Mundo está com medo, medo do futuro, medo da guerra. Somos parte de um mesmo todo e o que acontece aos povos de Naral acontece ao mundo. Filho da luz cuide de seu rei para que o que ocorreu no passado não volte a acontecer”.

De repente tudo ficou quieto, era possível ouvir as folhas caindo das árvores agora silenciosas. Davi e Crhist se viram caídos no chão cobertos de suor e ofegantes como se tivessem corrido uma maratona.

— Quem é que disse que as árvores não falam? – resmungou Davi olhando para a luz que se infiltrava por entre as copas – Para mim elas foram bem eloquentes. 

— Filho da luz – Crhist murmurava – Há quanto tempo eu não ouvia essa expressão.

— Filho da terra, filho da luz... O que tudo isso quer dizer?

— No passado os eyrianos eram chamados de filhos da terra por causa da sua ligação com a alma do mundo e os estrons eram os filhos da luz, é o que estron quer dizer na língua antiga.

— Então a árvore falava de mim e de você, ela estava falando para você cuidar de mim – Davi balançou a cabeça fazendo caretas – Até as árvores acham que não tenho capacidade de cuidar de mim.

— Davi! – Crhist sentou olhando para ele com aqueles belos olhos prateados – Você não seu deu conta da gravidade do que a árvore nos alertou? Ela falava de traição e mesmo que não queira acreditar nisso não podemos descartar essa possibilidade. Dentro do meu coração eu não quero acreditar que algum eyriano possa sequer pensar nisso depois de tanto tempo esperando seu rei.

— Bem devem ter pessoas que são contra o meu reinado por ai, não acha?

— Eu não quero ouvir isso – resmungou Crhist levantando e tocando no grosso tronco de uma árvore – Esperamos você tanto tempo para nos unir...

— Eu também não me sinto confortável com essa ideia, mas acho que as pessoas têm o direito de pensar o que quiserem de nós, assim como podemos pensar o que queremos delas.

— Onde é que a gente foi parar? – Crhist olhou em volta, mas a única coisa que se via eram árvores e mais árvores – Não dá para ver nada daqui.

— Bem que vocês podiam apontar o caminho agora! – gritou Davi para as árvores – Não, estão mudas e surdas agora.

— Acho que daí não vai vir ajuda. Temos que subir nas árvores para dar uma olhada.

— Subir nas árvores? Caso não tenha notado os primeiros galhos começam a mais de vinte metros do solo!

— Larga de ser inútil Davi – resmungou Crhist retirando as botas, meias e o casaco – Vou dar uma olhada e você fique alerta com a espada em punho.

Com uma facilidade de causar inveja, Crhist começou a subir usando as reentrâncias dos troncos como apoio até chegar aos primeiros galhos, logo ele desapareceu em meio às folhas e galhos deixando Davi sozinho.

Olhando em volta ele retirou a espada da bainha e estremecia a cada som que vinha da floresta.

Deu um pulo quando Crhist pulou da árvore perto dele.

— Não me assuste assim!

— A estrada fica no leste.

— Então é melhor irmos, Dator deve estar preocupado conosco.

— Olha o que as árvores me trouxeram – disse uma voz perto deles em um estranho tom anasalado.

Crhist puxou a espada com velocidade impressionante se colocando na frente de Davi.

Ali perto deles, nos galhos baixos de uma arvores jovem, viram uma pequena figura que não devia passar de um metro de altura, cabelos verdes e selvagens olhos negros. Vestia-se com trapos misturados a mato seco tecido e duas asas em formato de folha de videira projetam de suas costas.

— Uma fada – Crhist levantou a espada – Fique alerta.

— Uma fada? Vocês têm fadas?

— Seu rei? – o ser estranho deslizou para o chão se movendo como um gato – Ele é tão engraçadinho – elas inspirou fundo com deleite – e o cheiro de sua energia é tão bom.

— Saia daqui! – Crhist cortou o ar com a espada, mas a fada segurou a lâmina no ar com facilidade, sem se cortar.

— Não gosto da sua energia estron, ela fede.

A estranha criatura empurrou Crhist para longe com um único movimento.

— Bom rei – a fada o olhou com aqueles profundos olhos negros – Dê-me um pouco de sua energia.

Davi estava paralisado, mergulhado naqueles olhos, naquele lago profundo e escuro.

Uma estranha luz azul iluminou a penumbra da floresta. Era um Crhist totalmente envolto em chamas, a espada soltava relâmpagos de luz.

— Não me menospreze – disse ele com a voz cheia de desprezo.

— Está tão excitado para lutar comigo estron – cada vez que ela falava a palavra estron ele parecia destilar veneno, puxou um punhal enferrujado olhando com ódio para ele – Vou contá-lo em pedaços e me deliciar com seus gritos.

A fada pulou em cima de Crhist que parou o seu golpe com dificuldade, era incrível a força que aquela criaturinha tinha.

Davi conseguiu sair do estranho torpor e pegar a espada. Não ia deixar Crhist lutar por ele a vida toda. Avançou para os dois.

A fada havia conseguido tirar a espada de Crhist e agora o tentava estrangular com uma expressão enlouquecida no rosto.

— Vocês estrons são uma praga nojenta – a fada destilava ódio em cada palavra – Queria poder matar cada um de vocês e jogar seu sangue na floresta como adubo!  

— Deixe ele em paz! – Davi tentou golpeá-la, mas a fada segurou a sua espada.

— Você não eyriano. Eu quero voc...

Algo aconteceu nesse momento. A espada que Crhist emprestara a Davi começou a brilhar e a vibrar nas mãos do rei. Um liquido azul começou a escorrer da mão da fada que segurava a espada e ela largou esta e Crhist voando para longe, gritando em agonia.

— Monstro! – gritou ela segurando a mão ferida – Como ousa usar essa maldita espada em mim? Monstro! – com essa ela voou para longe.

Davi correu para Crhist que estava sentado no chão massageando o pescoço e respirando com dificuldades.

— Que tipo de lugar é esse? – perguntou Davi tentando olhar o pescoço de Crhist – Aqui as fadas nos atacam. Deixa dar uma olhada!

— Estou bem – resmungou o outro com a voz rouca, mas Davi afastou sua mão vendo como seu pescoço ficou arroxeado e com a marca dos dedos da fada.

— Pensei que a gente já era – disse o rei tocando com cuidado nas marcas fazendo Crhist desviar os olhos ele e olhar a espada suja de sangue azul – Sua espada foi de grande ajuda – ele segurou a espada – Se bem que não tenho ideia do que ela faz.

— Essa espada era do meu pai, é a única herança que ele me deixou. Ele morreu na guerra. Não me lembro dele, era muito pequeno quando ele e foi. Quando fiz quinze anos e entrei para a cavalaria minha mãe me entregou dizendo que era um presente do meu pai para mim.

— Deve ser algo muito especial para você – comento Davi pasmo que Crhist lhe emprestou algo assim.

— Esquece isso, mas acho que o ferro estron deve ter algum efeito com as fadas. Elas são terríveis!

— Aquilo é realmente uma fada? Porque no folclore do meu mundo elas são descritas como seres de luz, protetores das matas.

— De onde você tirou isso? Fadas são criaturas que só buscam o prazer e protegem as matas apenas porque morreriam sem elas. Elas não vivem em grupos ou matariam uma as outras. Usam a energia da vida das pessoas para se alimentar. Adoram campos de batalha onde podem sugar os restos da vida das pessoas moribundas.

— Era isso que ela queria de mim?

— Era. A energia da alma do mundo que correm em suas veias.

— Credo! Parece que o meu sonho de paisagens bucólicas estão cada vez mais longe.

Ouviram o patear de cavalos não muito longe e logo os gritos chegaram até eles.

— Majestade! Crhist!

— Aqui! – gritou Davi.

Logo Dator, Valhalla e os soldados apareciam por entre as árvores.

— Majestade, Crhist, graças à alma do mundo – comentou Dator aliviado.

Davi olhou para a roupa manchada de sangue de Crhist e se assustou.

— Dator você está ferido?

— Foi só um pequeno acidente, nada demais. Vocês dois estão bem? – ele pulou do cavalo – Vimos uma luz azul vinda daqui.

— Foi Crhist apesar de eu não saber o que ele fez.

— Foi só o meu poder da terra – resmungou Crhist puxando a gola da camisa para esconder as marcas no pescoço.

— Fomos atacados por uma fada e ela não tinha nada das fadas do meu mundo.

— Fada! – Dator olhou horrorizado para Crhist – Espero que não tenha tentado entrar em um combate corpo a corpo com ela.

— E eu devia deixar ela nos matar e ficar só olhando? – retrucou Crhist com maus modos.

— Se há fadas aqui é melhor irmos embora – disse Valhalla olhando em volta de novo e depois estendendo a mão para Davi – Majestade?

— Mas você monta sem cela!

Todavia a moça era mais forte do que aparentava e puxou ele para cima do cavalo com facilidade.

Dator segurou o braço de Crhist e, sem esperar o consentimento dele, o puxou para a cela.

— Eu não quero ir com você! – retrucou o garoto rígido na frente de Dator.

— Eu sou seu comandante Crhist – disse Dator de modo anormalmente sério – e você vai fazer o que eu mandar. Assim que chegarmos à cidade um médico vai olhar esses machucados que você tem no pescoço.

O rapaz retorceu o rosto com raiva de Dator e de si mesmo por não ter escondido melhor as marcas.

Com Valhalla na frente eles correram por entre as árvores até estarem novamente de volta à estrada.

— Finalmente – disse Valhalla – Está é a estrada que vai dar na capital, a cidade de Nurei.

Eles avançaram mais lentamente a ao longe viram um grupo de cavaleiros vindo em direção a eles. Vestidos de preto e verde, eram soldados de condado Féten e o próprio Nárion Féten vinha na frente, junto á uma bandeira também preta e verde que ostentava a figura de uma árvore. O conde foi em direção a eles com seu sorriso calmo.

— Meu rei – assim que estavam próximos Nárion desceu do cavalo e se ajoelhou, assim como toda a sua comitiva – É um grande prazer tê-lo em nosso condado.

— É um prazer revê-lo lord Féten – disse Davi – A sua floresta é incrível!

— Meu tio – Valhalla inclinou a cabeça – É uma honra voltar ao condado.

— Bem vinda de volta Valhalla – ele voltou os olhos para Dator olhando o sangue em sua farda – Vocês se atrasaram e ficamos preocupados.

— Tivemos alguns incidentes de pequena monta – respondeu o comandante, mas seus olhos disseram algo mais para Nárion, que fez um gesto quase imperceptível com a cabeça.

— Que tal irmos para a cidade? – Nárion voltou a sorrir para Davi – Vocês devem estar cansados.

— Você não imagina o quanto – disse Davi sorrindo para o Conde.

A comitiva partiu pela estrada que cortava a floresta.

A paisagem começou a mudar com estradas secundárias aparecendo o tempo, assim como havia um transito maior de pessoas, cavalos e carroças cheias de produtos como legumes e verduras. Assim que viam a comitiva paravam e desciam dos seus meios de transporte ajoelhando no chão murmurando;

— Por minha devoção.

Davi os cumprimentava sorrindo e acenado, mas ainda não gostava de ter as pessoas se ajoelhando diante dele.

— Eles estão demonstrando o seu respeito e amor pelo seu rei – disse Dator que notara o desconforto de Davi.

— Acho que nunca vou me acostumar com isso Dator, pra mim acho que vai sempre estranho.

Agora as árvores gigantes começaram a encolher na sua altura e ter um formato diferente de pinheiro, mas ficando mais largas e com galhos mais robustos. O terreno também era diferente, cheio de pequenos morros cobertos de grama e cada um deles tinha uma árvore solitária no alto como uma sentinela imensa.

A estrada começou a descer e de repente ele percebeu que estavam na encosta de uma montanha por onde descia uma cascata que formava um lago mais abaixo e por fim um pequeno rio que descia para um vale.

A cidade de Nurei apareceu para eles e Davi não podia acreditar em seus olhos!

— Meu Deus!

— Majestade – disse Nárion em tom solene – Bem vindo à cidade de Nurei, capital do condado Féten.

Uma cidade imensa se elevava dezenas de metros acima do solo, a cidade ficava nas árvores. As casas haviam sido construídas subindo por seus troncos e nos galhos mais altos, até parecia que as árvores haviam crescido para isso. Passarelas suspensas ligavam as casas e estavam repletas de pessoas que jogavam pétalas brancas e duradas para os recém chegados e as pessoas no chão se ajoelhavam fazendo juramentos. Gritos de bem vindo e grande rei vinham de todos os lados.

Vermelho Davi acenou para todos olhando maravilhado as pessoas à sua volta o saldando.

O castelo Féten ficava no centro da cidade e era a coisa mais incrível que Davi já vira em sua vida.

Ele se iniciava rodeando o tronco de uma robusta árvore subindo por ele e se espelhando por mais duas árvores, parecia mais parte de árvores que uma construção, era como se tivesse nascido e crescido com as árvores. Seus pátios eram vistos por todo o lado e bandeiras verdes e douradas foram desfraldadas ao vento.

— Nunca vi nada assim – Davi não conseguia parar de olhar para o castelo – Conde isso é maravilhoso!

— Minha casa e minha família o saúda Grande Rei!