Capitulo 2 – Um Pedido
Inesperado
Davi continuou olhando para o
belo garoto diante dele que não fazia movimento nem um de ajoelhar-se como todo
mundo fizera. Ele o encarava com arrogância e um sentimento que brilhava
naqueles olhos e que Davi podia apostar que era desprezo.
“Não se pode negar” pensou Davi
constrangido “Estou diante do rapaz mais bonito que já vi na vida!”
— Ele é um Delano? – perguntou
curioso.
— Sou um Kustas-Delano –
respondeu o rapaz cheio de sarcasmo – Filho das duas casas.
Davi levantou uma sobrancelha
contrariado, bem que ele podia mostrar alguma consideração!
— Tenha mais respeito Crhist –
disse Valhalla contrariada – Ele é o rei!
— Esse estrangeiro não é meu rei!
– com isso ele continuou seu caminho de forma tempestuosa.
— Peço desculpas por meu filho,
alteza – disse Ausna vermelha olhando para o filho que sumia no corredor.
— Tudo bem – ele sorriu para ela
– Deve ser muito estranho ter alguém de outro mundo perto de vocês assim.
— Para nós isso não muda nada –
disse Dator com a sua voz calma – A Tradição diz que existem muitas dimensões
com muitos mundos no universo e nós conhecemos uns poucos, mas o nosso
conhecimento maior vem do nosso mundo irmão, a Terra.
— Vocês conhecem a Terra? O que é
mundo irmão? – a cabeça de Davi já estava cheia de perguntas, mas depois dessa
ele ficou com a cabeça ainda mais cheia delas.
— Uma sombra – disse Valhalla – A
Tradição nos ensina que para cada mundo no universo existe um mundo irmão deste
em outro universo. É mais como um sonho, assim como o seu é para nós.
— Sonho? – Davi não entendera o
que ele quis dizer com isso.
— O que Valhalla quis dizer –
Ismail parou perto de uma janela que de longe se via uma cidade – é que às
vezes os mundos estão tão pertos que podemos ver suas cidades e até suas
guerras. Com vocês acontece do mesmo modo, mas parece que vocês não sabem sobre
os mundos irmãos e por isso Naral acaba por se tornar um mundo de fantasias e
de sonhos.
— Como mundos irmão somos
parecidos de vários modos – disse Ausna – Plantas, animais, um pouco do povo e
mesmo alguma cultura.
— Mas... – ele olhou para Dator –
Se os mundos se aproximam tanto não é possível ir de um mundo ao outro quando
eles estão assim?
— É possível – disse Ismail – Mas
nunca sabemos nem quando ou onde isso vai acontecer. A última vez foi há muito
tempo.
Davi murchou na hora. Será que
ele realmente ia ficar preso ali para sempre?
Aquelas pessoas pareciam achar
que ele podia ser algum tipo de rei, mas como ele podia ser tal coisa se nem
mesmo o ensino médio ele terminara? Ele ainda nem sabia direito matemática e
esse tipo de coisa só acontecia nos filmes americanos.
— Não se preocupe – Dator colocou
a mão em seu ombro – Vamos perguntar à sacerdotisa Drima se ele pode encontrar
a localização do livro.
Ao ouvir isso Davi sentiu-se
imensamente aliviado.
Eles entraram em um grande salão.
Ali as janelas não tinham vitrais deixando que o sol da manhã entrasse por elas
iluminando tudo. O chão era de uma pedra clara e polida, havia poltronas por
todo o lado e grandes lareiras nos quatro cantos da sala. Tapeçarias adornavam o
chão e vários pontos das paredes. Tudo estava muito limpo o que surpreendia
Davi que ficava lembrando-se das histórias da idade média na Terra. No alto de
um estrado havia uma grande cadeira com acento e encosto de veludo vermelho.
Ele estava diante de um trono, do seu trono!
— Eu não vou sentar ai! – ele
retrocedeu como se tivesse diante de uma grande cobra – Me desculpem.
— Tudo bem – disse Ausna naquela
sua voz calma que lembrava Dator – Vamos para o escritório de Ismail.
O escritório não ficava muito
longe do Salão de Bailes, que era o nome do grande salão com o trono. Era um
cômodo pequeno em comparação com aquele que tinham saído, mas parecia mais
aconchegante. Havia uma grande escrivaninha coberta de papéis e mapas, um armário
de madeira vermelha, uma estante com muitos livros de capas de couro e
poltronas também de couro. Nas paredes havia muitos quadros de cavalos correndo
por morros e vales. Em cima de uma pequena mesa de canto havia um vaso com
flores vermelhas que lembravam brincos-de-princesa cujas pétalas ainda estavam
úmidas de orvalho como se alguém tivesse acabado de colhê-las.
Ismail o conduziu até a poltrona
do outro lado da mesa e Davi sentou olhando para o tampo da escrivaninha com os
seus apetrechos: penas, tinteiros, papel grosso e escuro como papel reciclado,
um livro encadernado com couro onde havia colunas de números, castiçais com
velas e o que parecia a ele um lampião.
Ao levantar os olhos percebeu que
todos olhavam para ele e Davi acabou ficando vermelho e embaraçado.
— Eu... hã... – coçou atrás do
pescoço – Não sei o que esperam de mim.
— Majestade – Ausna tomou a
palavra – Sou a regente há muito tempo e sei que governar não é fácil. Não quero
ti assustar, mas muitas vezes você terá que tomar decisões que irem contra você
mesmo em prol do povo, todavia não existe nada mais maravilhoso que é saber
que, de algum modo, você pode contribuir para a sua nação, para o seu povo, que
é saber que eles estão bem e em segurança. Saber que você pode mudar as
injustiças e fazer prosperar a grande nação de Eyri, simplesmente não há nada
mais incrível. Eu apenas posso imaginar o quanto deve ser difícil para você ser
arrancado do seu mundo e de sua família para ser jogado em meio a tudo isso,
mas saiba que cada um de nós está aqui pelo senhor, que cada um de nós esperou
com toda a sua devoção pelo nosso rei. Dê uma chance para conhecer o nosso
mundo e juro que procuraremos um modo do senhor contatar o seu mundo.
Os olhos dourados dela brilhavam
sinceros e Davi que podia confiar na palavra de Ausna o que trazia alguma paz
em sua mente conturbada.
— Certo – ele acenou com a cabeça
e sorriu para todos os presentes.
~~***~~
— Política é uma coisa complicada
– disse Davi para Dator depois de horas de conversa com Ausna e Ismail.
Eles estavam no alto de uma das
torres olhando para a cidade de Inay. Dali ele podia ver que era uma imensa
cidade murada cujo centro era o Castelo Branco.
As ruas eram ladrilhadas pela
mesma pedra branca do castelo e havia praças por todo lado com jardins e
pequenos bosques. As casas eram coloridas e na sua maioria de dois a três
andares com quintais adjacentes onde se viam roupas balançando na brisa. Dali ele
podia ver que dois córregos cortavam a cidade e suas margens eram bem afastadas
das casas com muitas árvores os acompanhando em todo o seu caminho. Em algumas
ruas havia um aglomerado de barracas coloridas brilhando no sol do meio dia. Quanto
ele mais olhava parecia que estava vendo uma vila européia, mas muito
organizada.
— O mercado – Dator apontou para
as barracas coloridas – A prefeitura – um prédio alto de três andares pintado
de branco.
Ao longe ele podia ver montanhas,
mas montanhas de verdade com seus altos picos nevados como ele nunca vira na
vida.
Um vento mais forte soprou e ele
sentiu como tudo tinha um cheiro diferente, era como se ele pudesse sentir o
cheiro de flores e mel por toda parte e como se o ar fosse mais leve e seus
pulmões estivessem ávidos por ele.
E as cores? Era como se o sol ali
fosse mais brilhante e de algum modo tudo era mais colorido.
Olhar tudo a sua volta e respirar
era um estranho prazer. Seu país era lindo! Seu país?! De onde ele havia tirado
aquilo?
— Dator – olhou para o rapaz que
o mirou com aqueles olhos tão bondosos.
— Sim Vossa Alteza!
— Será que pode me fazer um
favor? Pode me chamar de Davi? Esse negócio da Alteza, Majestade, parece que
estão falando com outra pessoa, mas... – deu um sorriso perverso – Queria que
os meus irmãos mais velhos me vissem agora. Quem sabe eles me deixassem um
pouco em paz – outra rajada de vento e ele inalou com mais avidez o cheiro – O ar
daqui cheira tão bem.
— Cheira?! – Dator colocou o
rosto contra o vento – Nunca percebi o seu cheiro.
— Acho que é porque seu mundo é
limpo, se um dia for para o meu vai entender por que. Lá tudo cheira a fumaça e
poeira e o céu é sempre cinzento – olhou para o céu de um profundo tom azul –
Aqui o céu é tão azul que até parece mentira e olhe essas matas – ele apontou
para o horizonte onde se viam florestas sem fim – A gente já destruiu quase
tudo lá em casa.
— Naral é parte de nós... Davi. Se
começarmos a destruir o nosso mundo seria o mesmo que estarmos praticando um
crime contra nós e contra tudo que é vivo no mundo.
— Entendo... E vocês querem que
eu cuide desse mundo com o mesmo zelo que vocês? Olhe do mundo aonde vim!
— O que você sente quando olha
para o nosso mundo Davi?
— O que sinto? Acho que o que
penso é que gostaria que ele não ficasse como o meu, em ruínas.
— Então acho que escolhemos um
ótimo rei.
— De boas intenções o inferno
está cheio, sabe?
— Como? – Dator inclinou a cabeça
– Sempre pensei que o inferno fosse o purgatório das almas más, não é assim no
seu mundo?
— É um ditado! O que quis dizer é
que ter boa intenção para fazer as coisas não basta.
— Mas é um começo. Aqui dizemos
que uma longa estrada começamos com o primeiro passo.
— Acha que estou dando esse
passo? – ele sorriu para Dator.
— Eu tenho certeza.
No pátio abaixo havia uma grande
movimentação.
— Tudo isso por causa daquele
jantar que Sipria falou?
— Alguns lords que estavam na
cidade foram convidados para conhecê-lo assim como grandes nomes da economia e política
local. Futuramente os lords de outras regiões de Eyri viram para sua festa da
devoção onde eles juraram devoção ao reino e ao novo rei.
— Isso de novo – resmungou Davi –
Dator você é um lord? Afinal é filho da senhora Ausna e chamam seu irmão Ismail
de lord.
— Ismail é o chefe da família Kustas,
o lord Kustas, e como mais velho chefe da nossa família mesmo que a nossa mãe
seja a regente. Somos filhos de pais diferentes, o meu pai era um militar assim
como eu sou – seu olhar se perdeu no horizonte.
— Então aquele menino Crhist...?
— Crhist é filho de Cinrei, filho
adotivo do Lord Delano. Cinrei era do povo estron e foi adotado pelo Lord
quando a mãe o deixou na porta do castelo Delano e sumiu não sendo vista nunca
mais. Cinrei era uma pessoa cheia de vida que encantava a todos. Minha mãe já
estava viúva do meu pai há muito tempo quando se conheceram – ele riu – Acho que
foi algo que podemos chamar de amor à primeira vista – logo seu rosto entristeceu
– Mas dois anos após o nascimento de Crhist houve a Guerra dos Cento e Seis
Dias contra Otop e ele faleceu no campo de batalha... depois disso minha mãe
nunca mais se casou.
Guerras... Naquele mundo elas não
estavam distantes dele como na Terra onde guerra era algo para se estudar nos
livros de história e se ver nos noticiários dos países distantes.
— Você acha que pode haver uma guerra
entre as famílias como aconteceu há novecentos anos?
— Não majestade. Nós tivemos
muito tempo para por a cabeça no lugar e duvido muito que alguém se oponha a um
protegido do Livro das Trevas.
— Quer dizer que muitos vão me
obedecer por medo... – isso deixava Davi mau.
— Muitos, tanto em Eyri quanto em
toda a Naral.
— Mas eu não quero isso! – olhou os
olhos azuis de Dator – Se vão me obedecer que seja pelo menos por respeito e
não por medo!
— Então esse é o primeiro
trabalho do rei. Mostre que você é um grande rei, grande o suficiente para mudar
o mundo Davi.
~~***~~
Aquele mundo era mesmo estranho. Os
banhos eram coletivos em grandes piscinas de águas termais que vinham das
montanhas e ficavam nos subsolo do castelo. Todavia foi reservado uma sala de
banhos apenas para ele.
Davi nunca havia tomado banho em
águas termais ou visto uma piscina daquele tamanho feita de uma pedra polida
toda rosa. As paredes eram da mesma pedra com lampiões por toda a parte
brilhando em meio à névoa do vapor. A água tinha um cheiro estranho, mas era
uma delícia ficar ali flutuando sozinho, afinal Dator parecia sua sombra, agora
mesmo ele estava do outro lado da porta montando guarda.
Ao sair do banho olhou curioso
para as roupas que haviam deixado para ele.
Havia uma camisa branca com as
mangas bufantes, um colete preto de um tecido mais grosso, uma calça de algo
que lembrava a veludo, meias, uma bota de couro que ia até os seus joelhos e
uma capa verde que ele não soube como prender. Ele devia estar realmente engraçado
vestido daquele modo. Era uma sorte que nem um dos seus irmãos pudesse vê-lo
agora. Lavando a capa nos braços saiu para o corredor onde Dator esperava
recostado na parede de olhos fechados, mas devia estar bem alerta, pois assim
que Davi saiu da sala de banho ele abriu os olhos sorrindo.
— O senhor ficou bel Alteza.
— Eu não tenho a mínima ideia de
como colocar isso – Davi mostrou a capa.
— Deixe-me ajudá-lo – Dator passou
a capa por seus ombros e prendeu com uma presilha vermelha no formato de um
dragão por cima de seu ombro direito – Pronto.
— Pareço um rei? – ele abriu os
braços e deu uma volta para que o outro o visse.
— Com certeza Davi.
Eles andaram pelos corredores
iluminados por candeeiros onde uma chama branco amarelada brilhava sem fumaça.
— O que tem nas lamparinas? –
perguntou curioso.
— É a resina de uma árvore
chamada iluminaria que nasce em abundancia nas Serras do Mar, o condado de
Orietna exporta para praticamente toda Naral.
— Bem deixa ver se me recordo... –
Davi coçou a cabeça – Eyri foi dividida em sete condados governados cada um por
um lord de uma família poderosa.
— Muito bem, o senhor lembrou o
que Valhalla disse. Os sete condados são governados pelas primeiras famílias
que ali se fixaram há muito tempo. Os Orietna ficaram nas serras perto do
litoral, os Feten na Floresta Velha, os Asem em boa parte do litoral, os Vramen
ficaram no centro do país em uma região de vales e rios e os Delano e Kustas os
Vales onde estamos.
— Então dias famílias ficaram no
mesmo lugar? Foi isso que gerou a briga entre elas?
— Foi. A região dos Vales é muito
rica e grande, alem de ser um ponto estratégico. Quem controlasse esse ponto
podia controlar toda Eyri. Não eram só os Kustas e Delanos que queriam o poder,
mas eles nunca conseguiam unificar todas os condados. As famílias sempre
ficavam divididas em sua lealdade. A unificação veio apenas depois da grande
guerra.
Ao longe já se podia ouvir o som
de música e das vozes de dezenas de pessoas que vinha do salão de bailes.
— Ficar no meio de tanta gente
estranha me dá medo – Davi estremeceu.
— Tudo bem – Dator bateu em seu
ombro – As pessoas que estão no salão ti esperando são seus vassalos, rei Davi.
São pessoas que há muito esperam seu rei.
— Eles vão ficar decepcionadas
isso sim.
— Não fali assim – Dator ajoelhou-se
diante dele – Nesse mundo cada coisa é especial, cada minúscula criatura até a
maior delas. Cada ser é um universo em si que deve ser respeitado. Você pode
ter vindo de um mundo diferente, mas a energia que está em seu coração – ele tocou
em seu peito com os dedos – é parte de Naral e parte de cada um de nós.
— Obrigado – o nó em seu estômago
havia afrouxado um pouco e ele respirou fundo – Bem, vamos.
Eles chegaram até as portas
duplas do Salão de Bailes onde dois guardas vestidos de verde montavam guarda e
assim que viram o rei bateram a mão direito do lado esquerdo do peito em continência
a abriram as portas do salão que ficou em silêncio.
Ausna foi até ele e com a mão em
seu ombro o conduziu para o estrado e anunciou.
— Saldem o Grande Rei de Eyri,
rei Davi!
— Ao rei! – gritaram as pessoas
ali reunidas.
Davi olhou pasmo para o salão que
fora enfeitado com tecidos brancos e dourados e flores vermelhas. As roupas das
pessoas coloridas deixavam tudo parecendo um grande caleidoscópio.
Ausna estava vestida com um
vestido longo branco e dourado deixando ela ainda mais bonita. Ismail também
vestia branco e dourado, todavia parecia mais uma farda militar. Valhalla vestia
um vestido verde e preto e parecia incomodada ao andar, sempre erguendo a barra
do vestido.
Ausna, Valhalla, Ismail e Dator
ficaram atrás de Davi quando este desceu para o salão. Todos se inclinaram em
respeito.
A música voltou a tocar e Ausna
passou a apresentar Davi para as pessoas ali presentes.
Ele conheceu dois lords: Lord Nárion
Feten e Lord Ymai Vramen.
— É uma honra em conhecê-lo meu
rei – disse Ymai inclinando-se.
Era um homem alto e careca,
vestido de azul, vermelho e amarelo. Suas roupas e modos rebuscados, seu
pescoço, braços e dedos cheios de jóias trouxe má impressão a Davi. Mas não era
só a ostentação gratuita, havia algo nos olhos castanhos do lord Vramen que
causou mal estar nele.
Já Nárion Feten era um homem
jovem de cabelos pretos encaracolados e pele muito branca. Seus olhos eram de
um azul calmo, quase melancólicos e ele se vestia de forma sóbria de preto e
verde e não se via nem uma jóia.
— Fico feliz em estar vivo nesse
dia para conhecê-lo meu rei – disse Nárion em uma voz calma e doce.
— Para mim também é um prazer
conhecê-los – disse Davi sorrindo para Nárion.
— Alteza – disse Ausna chegando
com um imponente homem de cabelos grisalhos – Este é Sames Delano, atual lord
da casa Delano.
— Meu senhor – o homem ajoelhou-se
diante de Davi deixando ele constrangido.
— Por favor, não precisam se
ajoelhar.
Delano levantou sorrindo. Seu rosto
não era exatamente velho, havia algo de atemporal nele. Os olhos de um profundo
azul eram misteriosos, mas o sorriso era caloroso e inspirava calma. Ele vestia
um uniforme militar branco e vermelho.
— Minha casa tem esperado
novecentos anos que o herdeiro retorna-se. Para nós este é um dia de grande
felicidade ao ter a honra de conhecê-lo.
— É... obrigado... – Davi estava
cada vez mais perdido no meio daquele gente de fala tão formal, ele tinha medo
de cometer alguma gafe.
— Avô – Crhist havia se
aproximado e inclinado para Sames Delano.
— Majestade já conheceu o meu
neto? – o senhor apontou para o belo rapaz que encarava Davi com desagrado.
Crhist vestia uma túnica branco e
dourada, calças e botas pretas e tinha uma faixa de ceda vermelha em volta da
cintura. Seu cinto bordado carregava uma espada. Se fosse possível, Davi diria
que ele estava ainda mais belo e cheio de arrogância.
— Já nos encontramos – Davi levantou
uma sobrancelha como se desafiasse a ser mal educado na frente da mãe e do avô.
Crhist ficou vermelho e lançou um
olhar assassino para ele.
— Com licença – ele se afastou
com as costas rígidas deixando Davi com vontade de dar uma gargalhada.
— Mas o que tem esse menino? –
resmungou Sames muito contrariado.
Ausna deu um leve sorriso como se
achasse engraçado o arrogante filho ser desafiado.
O que eles não perceberam é que a
maioria dos nobres havia visto a troca de olhares de Davi e Crhist e as fofocas
já corriam soltas.
~~***~~
Três horas depois um exausto Davi
sentou em uma cadeira perto das mesas do bufê onde estava relativamente
escondido, só Dator o acompanhava com seus olhos de águia.
Nunca havia conversado com tanta
gente, mas se ele quisesse ser sincero estava gostando de ser o centro das
atenções, de ser respeitado. Em casa ele era o alvo preferido das gracinhas dos
irmãos mais velhos, de sua mãe chamando a sua atenção. Ele sorriu ao pensar no
pai que era uma pessoa calma e não criticava os filhos.
Olhou as comidas e percebeu como
estava com fome e pegou um prato se servindo de carnes gratinadas, pequenas
tortinhas, legumes e frutas, nada exótico como ele termia.
— Não sei o que esperava – disse ele
olhando para o pão no prato.
Ele bebia um suco verde com gosto
de uva, mas a maioria bebia um vinho dourado em copos de cristal. Ele já era um
desastre por natureza e se começasse a beber seria parecido com um elefante em
uma loja de cristais.
— Acho que cansamos você – disse Valhalla
sentando perto dele e retirando os sapatos sem o mínimo pudor – Odeio essas
reuniões onde sou obrigada a usar esses sapatos apertados.
— Eu me cansei um pouco, mas
essas pessoas são tão interessantes que nem vi o tempo passar – olhou a moça –
Valhalla o lord Feten é seu parente?
— Ele é meu tio. Sou filha do seu
irmão caçula.
— Tio?! – Davi estava cada vez
mais confuso – Sei que é falta de educação perguntar a idade das pessoas...
— Você está confuso com a nossa aparência,
não é?
— É.
— Isso é compreensível – ela
fitou a multidão – Nós eyrianos vivemos mais que os outros seres humanos de
Naral por causa dos nossos poderes. Fora os estrons do norte somos os seres que
em a maior expectativa de vida – ela riu para ele – Eu tenho cento e vinte
anos.
Davi engasgou com o seu suco. Cento
e vinte? Não! Sim?!
— Nossa vida se prolonga pelas
eras, rei Davi. Desde que queiramos viver o tempo não é nada – ela olhou em
volta novamente – Ausna tem trezentos e vinte e seis anos, Ismail cento e cinqüenta,
Dator cento e quarenta, Crhist é o mais jovem de todos com apenas trinta anos.
— Então e o lord Delano?
— Ele tem mais de novecentos
anos. Ele era primo dos seus ancestrais e tomou conta da casa Delano todo esse
tempo.
— Isso soa tão estranho... Vocês
vivem tanto!
— É a nossa natureza. Nascemos poucos,
demoramos para crescer e a morte não chega fácil.
Era o sonho da raça humana na
terra, viver para sempre. Ali as pessoas nunca pareciam velhas.
— É a hora dos votos de devoção –
disse Valhalla recolocando os sapatos – Vamos majestade. Os nobres farão um
ultimo brinde ao senhor.
— Será que depois eu posso
dormir? – ele escondeu um bocejo.
— Com certeza.
Os dois foram até Ausna que
estava indo para o estrado onde ficava o trono junto com os filhos e o lord
Delano. Ela fez Davi sentar no trono e se dirigiu aos nobres.
— Há duzentos anos vocês juraram
devoção a mim! Agora eu os convoco a jurarem perante o Grande Rei que retornou do exílio par Eyri.
Todos se ajoelharam perante Davi
que percebeu pelo canto dos olhos que Crhist se recusava a fazer isso.
— Majestade – disse Ausna – Nós,
que representamos o povo de Eyri, juramos pela nossa alma imortal que daremos a
nossa devoção e você e ao seu reinado.
— Pela nossa devoção! – gritou a
multidão em uma só voz.
Depois todos se levantaram e
começaram a brindarem entre si.
— Um ultimo brinde Alteza – disse
Dator oferecendo um copo do suco verde para ele.
Os dois brindaram e os outros se
aproximaram para fazer o mesmo e ele ouviu a bronca de Sames Delano em Crhist.
— Você não acha que já fez
grosseria demais? Vá lá brindar com sua majestade ou vou ficar muito
decepcionado com meu neto!
Davi sabia que estava brincando
com fogo, mas não resistiu e virou para o garoto que segurava o copo de modo
rígido.
— Vamos brindar Crhist? – Davi perguntou
com a voz inocente.
O outro respirou fundo e foi até.
Tudo aconteceu muito rápido. Quando
os dois copos se tocaram espatifaram em mil pedaços espirrando vinho e suco por
todo o lado.
— Merda! – esbravejou Crhist com
a mão sangrando.
— Você se feriu? – perguntou Davi
segurando a mão ferida do outro sem ver que ele mesmo tinha se cortado.
— Não! – gritou Valhalla, mas era
tarde demais, Davi já segurava a mão de Crhist.
— Eles juntaram os sangues! – uma
moça disse com a voz esganiçada – Não é a coisa mais romântica que vocês já
viram? O rei o pediu em casamento!
— O QUE???!!!!!!!