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domingo, 28 de outubro de 2012

O Escravo - Capitulo 28 Presos

Capitulo 28 – Presos


— Andrew esses são meus maridos.

QUE???????????????

Não é possível! Eu devia ter entrado em alguma realidade paralela ou coisa parecida. Valdi não podia ter se casado em tão pouco tempo e com dois piratas!

— Valdi... – Tiol segurou as mãos do irmão, mas este se soltou e foi para perto dos piratas.

— Tiol! Basta saber que eu me casei e que Gwidion e Frey estão aqui para ajudar. Eles têm uma grande nave de combate e uma tripulação experiente.

Eu gostava de Valdi e havia algo naquela história que não cheirava bem, mas se eles podiam nos ajudar a livrar o mundo de um imperador maluco eu ia aceitar, mas depois de tudo pronto eu ia mostrar para aquela escória o que achava deles.

Perguntei para Valdi onde Ian estava e fui para o quarto no fim do corredor onde ele estava deitado em uma cama meio empoeirada.

— Ei Ian! – pulei na cama e o rapaz acordou assustado e deu um pequeno grito de contentamento ao se atirar em meus braços – Como você está?

— Andrew!! Que bom que você está bem!

— Acho que sobrevivi a minha primeira queda de avião – eu ri.

— Foi horrível – disse o rapaz olhando para o chão – Ver as pessoas morrendo enquanto tínhamos que correr e depois quando nos perdemos eu fiquei doente – suas mãos fecharam em punho em cima das pernas – Pensei que ia perder o meu filho Andrew.

— Eu sei – eu segurei um dos punhos fechados dele e forcei para que abrisse e assim eu pudesse enroscar os meus dedos nos dele – Aconteceu o mesmo comigo Ian. Meu corpo começou a rejeitar o feto.

— Você não...? – ele empalideceu e eu sorri.

— Não se preocupe, conseguimos um remédio e evitamos isso.

— Graças a Deusa – ele gemeu.

— Você viu Valdi? – mudei de assunto.

— Vi, eles estavam aqui quando chegamos e devo dizer que Yaci não gostou nada de ter seu irmão casado com dois marmanjos e ainda piratas.

— Sabe eu acho que ai tem coisa. Valdi não ia se casar assim, pelo que sei o casamento em Aurifen são coisas sagradas.

— Muito. Quando se casam eles unem seus espíritos, se tornam um só.

— Eu não confio em piratas, mas acho que tenho que esperar até eles nos ajudarem para que eu mostre para eles o que acho de raça maldita que fazem parte.

— Andrew! – Ian me olhou assombrado e eu dei um sorriso.

— Vamos esquecer isso! – eu o puxei pela mão – Vamos para a sala!

Depois disso aconteceu o fim do mundo. Bem, não foi o mundo todo, mas a ilha teve seu fim.

Eu não saberia descrever o que aconteceu com precisão. O que sei é que uma grande explosão sacudiu tudo e a onda de choque me levou de encontro á parede que havia desmoronado me jogando por ela. Pedras caiam à minha volta e outro forte vento provocado por uma bomba me empurrou ladeira abaixo, eu mais parecia uma folha em um tornado. Quando bati no chão e pedras choveram sobre mim eu perdi os sentidos.

Não sei quando tempo eu fiquei desacordado, mas quando eu voltei a sentir o meu corpo desejei ter ficado desmaiado. Tudo em mim doía, minhas pernas, as minhas costelas e a minha cabeça onde escorria algo morno com cheiro de sangue.

Estava debaixo de um monte de escombros como galhos e pedras.

“O que havia acontecido?” meu cérebro ainda estava lento depois de tudo que acontecera.

Gemendo sai do entulho olhando em volta e percebendo que a ilha era um caos.

Havia sido jogado baixo, quase perto da praia. A casa estava em ruínas e pegava fogo, acima dela naves do imperador circulavam.

— Como eles nos acharam? – perguntei com a voz rouca e tentei ver se via alguém, mas tudo era de um estranho silencio apenas quebrado pelo crepitar do fogo cem metros acima de mim.

Eu podia sentir o meu filho vivo e isso me acalmou um pouco.

— Eles têm que ter sobrevivido – resmunguei mancando até a linha das árvores.

Precisava me esconder na mata e tentar chegar perto da casa para achar alguém e eu não ia pensar na possibilidade deles terem morrido.

Ouvi as naves cada vez mais baixas e estremeci de medo. Pela primeira vez eu estava sozinho em um lugar desconhecido.

O calor do incêndio chegou até mim, mas eu não pude chegar até a casa já que ouvi ordens dos soldados ao longe.

Deitei atrás de um tronco caído ouvindo.

— Ninguém sobreviveu – resmungava um soldado – Não sei pra que temos que descer aqui.

— Cale a boca! – resmungou um oficial.

Não! Em hipótese nem uma eu ia aceitar que eles estejam mortos!

Tentei dar a volta para olhar melhor a casa quando tropecei em algo e fui ao chão. Xinguei alguns palavrões, estava todo dolorido e mais isso, mas as minhas dores desapareceram ao perceber que eu tropeçara em um corpo.

— Tiol!

Ele estava caído de bruços com a roupa meio queimada. Tremendo do que ia achar eu virei o seu corpo. Ele tinha queimaduras no rosto e um corte perto da têmpora esquerda que sangrava muito, mas o que mais me preocupava eram as queimaduras em seus olhos.

Ele gemeu e tentou abrir os olhos.

— Deus! – ele levou as mãos para a região queimada, mas eu a segurei.

— São queimaduras Tiol. Não esfregue.

— Andrew?! Já é noite? Está tão escuro.

“Merda! Merda! Merda! Merda! Tiol não podia estar cego!”

— Você viu os outros? Eu não sei nada alem da explosão.

— Seu pai nos achou e bombardeou a casa. A onda de choque me jogou longe.

— A mim também. Andrew precisamos de luz para procurar os outros.

“E agora?”

 — Hum, Tiol. Ainda é dia.

— Como? – ele tentou levar a mão às queimaduras, mas continuei segurando elas.

— Seus olhos sofreram queimaduras, deve ser momentâneo...

Eu não pude completar a frase ao ver as lagrimas escorrerem dos seus olhos.

— Você viu mais alguém?

— Lamento, mas a casa esta queimando e há guardas por ai.

Tiol sentou tocando as folhas não chão com as mãos.

— Andrew você precisa ir. Vá para o barco e se afaste o mais que puder e tente encontrar uma célula dos revolucionários e...

— O que diabos você ta falando? Eu não vou sozinho!

— Eu só vou ti atrasar e você sabe disso. Estou cego e ferido e tem de pensar no nosso filho, apenas me aponte o local dos guardas para que possa distrair a sua fuga.

Com raiva desferi um tapa no rosto dele que, em vista das queimaduras deve ter doido um pocado.

— Cale a boca! Eu não vou só! Não vou perder mais ninguém que eu amo nem que eu tenha que ti carregar! Me ouviu?

— Eu e toda guarda nacional – resmungou o príncipe tocando no rosto dolorido – Me ajude a levantar seu teimoso idiota. Temos que chegar ao barco logo.

Foi uma jornada lenta e cheia de tropeços, mas conseguimos descer o morro e ir até a praia.

— Posso ver o barco – disse para Tiol que tinha um braço sobre os meus ombros.

Ele estava pálido e podia desmaiar a qualquer momento. Ferido e com queimaduras por todo o lado eu nem podia imaginar a dor que ele estava passando.

— Fico feliz que esteja vivo filho – parei tremulo ao ouvir aquela voz fria e Tiol soltou um rosnado de raiva.

Virei para a direita e dei com o imperador que sorria debochado.

— Desgraçado! – Tiol disse se afastando de mim – Você nos bombardeou sem nem mesmo pensar! Eu não acredito que sou filho de você!

— Eu que não acredito que seja meu filho Tiol. Não sabia que tinha a cabeça tão fraca a ponto de seguir as ideias loucas de Abrahan e de Yaci, eu pensava que tinha bom senso. Você e seus irmãos iniciaram uma guerra e nem estão nem ai para o povo e Aurifen.

— Cale a boca! Não venha posar de bom governante comigo! Eu sei o tipo de escória que você é e no que estava me transformando. Você não passa de um covarde que se esconde atrás de suas tropas!

— Quer que eu ti mate aqui Tiol? – Adamas riu – Não, é fácil demais. Eu vou dar a você um pouco do seu veneno, mas para seu amigo eu vou cuidar bem – ele olhou para mim e mostrei o dedo do meio para ele – Afinal com ele eu posso mostrar como salvar a nossa raça de extinção.

— Deixe Andrew fora disso.

— Aqui querido filho, você não tem vez. Levem eles! – Adamas gritou para os soldados.

Eles me empurraram para frente e seguraram nos braços de Tiol o arrastando. Havia uma pequena nave pousada atrás de uma rocha e fora isso que me impedira da vê-la.

Fomos jogados dentro de uma cabina da nave. Tiol havia desmaiado e fui até ele preocupado, mas sem muito que pudesse fazer.  

O que o imperador ia fazer conosco?

Durante todo esse tempo eu nunca havia cogitado a possibilidade dele nos pegar e muito menos que os outros morressem.

— Eles não estão mortos! Eles não estão mortos! – durante muito tempo eu repeti isso como uma oração, como de se, de repente, Deus pudesse ouvir as minhas preces.

A nave chegou uma hora depois ao castelo do imperador e ali fomos separados apesar dos meus gritos e ter esperneado. Sei que foi infantil, mas tentem estar na situação que eu estava e ficar de cabeça fria?

Fui parar em um quarto no alto da torre com janelas trancadas e de vidro blindado. O quarto tinha uma cama de casal, um armário e um banheiro.

Cansado e com medo eu sentei na cama e olhei pelo vidro da janela tentando não imaginar o que eles podiam estar fazendo a Tiol ou se eu ia vê-lo novamente.

Algumas horas depois eu soube que eles não iam matar Tiol pelo simples fato que o meu filho precisava do pai para se sentir bem, mas quando Tiol foi jogado dentro do quarto eu percebi que ele precisava apenas estar vivo e não precisamente bem...

~~***~~

Tiol acordou ao perceber que estava sendo amarrado a um tronco. Gemeu de dor ao raspar as queimaduras na madeira áspera.

— Como está filho? – seu pai coloco a mão em seu ombro e Tiol gritou com ele.

— Tire suas mãos de mim! Eu tenho nojo de você!

— Quanta empáfia! – o imperador riu – Mas eu não vou ti tocar Tiol, vou apenas apreciar o show.

Tiol não entendeu o que ele queria dizer até que suas roupas começaram a ser costadas e ele percebeu que estava amarrado ao tronco da sala de jogos. Apenas naquele momento ele ouviu os murmúrios e risadas à sua volta.

Permaneceu rígido enquanto suas roupas eram retiradas sabendo que gritar só ia dar mais satisfação ao seu pai.

— Mestre dos jogos ele precisa de um estímulo! – seu pai riu de um ponto ali perto e Tiol imaginou que Adamas estaria no sofá que ele costumava ficar para observar as torturas.

O rapaz tentou permanecer quieto e rígido enquanto o cateter era introduzido em seu ânus cada vez mais fundo e sem dó pelo mestre dos jogos. Depois um liquido frio foi jogado dentro dele escorrendo um pouco pelo seu buraco.

— Mestre deixe sentir algo. Vamos jogas!

À sua volta ele ouviu gemidos de prazer e gritos dos escravos, alguns choravam. Aquilo não era como os jogos que ele fazia, não é? Não podia ser!

Em minutos o afrodisíaco começou a fazer efeito e fogo começou a correr por suas veias indo até seu pênis que ficou ereto, tão duro que podia quebrar. Tiol mordeu os lábios a ponto de arrancar sangue para não gemer, mas logo ele gemia de desespero tentando se libertar daquela sensação desesperadora.

O mestre dos jogos foi até ele e sentiu que seu pênis era seguro pelas mãos deste e isso foi o suficiente para ele gozar com um grito.

— Você não tem permissão para gozar! – resmungou o mestre – Deve ser punido.

— Punição! Punição! Punição! – gritavam á sua volta.

Seu pênis foi amarrado com correias de couro assim como as suas bolas de forma tão apertado que ele gritou de dor. Era impossível gozar agora e ele nunca havia sentido nada mais terrível em sua vida!

De repente algo cortou o ar com um silvo e sentou nas suas costas as lambadas do chicote de couro.

Gritando de dor arqueou as costas, mas o mestre continuou a flagelá-lo sem piedade. Suas costas ardiam e queimavam a cada chibatada e depois da vigésima ele achou que ia desmaiar, mas o mestre parou deixando ele pendurado nas algemas, todavia sua tortura não havia acabado. Com a palmatória começou o espancamento de suas nádegas. Lagrimas começaram a escorrer de seus olhos machucados e ele implorou para que aquilo acabasse infelizmente ele sabia que não ia ser tão fácil assim.

Assim que acabou o espancamento ele foi retirado do tronco e arrastado para o cavalo, uma estrutura de ferro comprida e em formato piramidal para que o escravo fosse amarrado ali pelas penas, braços e com o pênis também amarrado. O desconforto era imenso tendo as penas exageradamente abertas e o topo do cavalo apertando suas bolas.

— Senhores – seu pai disse – Sirvam-se.

Risadas foram ouvidas acima dos gemidos dos escravos e logo Tiol tinha alguém perto dele.

— Vamos ver o quanto você é gostoso príncipe!

Um dedo rude foi pressionado em seu buraco e logo eram dois, três e por fim o homem forçava a mão inteira dentro dele. Seus gritos encheram o ambiente cavernoso.

— Agora me satisfaça! – o homem enfiou o seu pau em uma só estocada e começou a se movimentar bruscamente.

Esse foi o primeiro de tantos que Tiol deixou de contar nos trinta. Seu corpo estava anestesiado e as horas foram passando com os homens o fodendo enquanto ainda podia ouvir os gemidos dos escravos.

Depois de muitas horas, ou dias, ele não sabia dizer ele foi arrancado do cavalo e jogado ao chão.

— Mestre dos jogos cuide dele – seu pai ria enquanto chutava suas costelas – Afinal o nosso brinquedo deve permanecer vivo.

Tiol queria morrer naquele momento, não pela dor, mas pela vergonha. No final das contas ele era um monstro como o seu pai. Agora ele sabia o que fizera e nunca em sua vida sentiu mais vergonha dos seus atos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Os Contos de Naral - Contos do Rei - parte 1

Mais uma história para vocês!
Pessoas Os Contos de Naral tem doze contos que já estão escritos e vou estar postando o primeiro conto que é Os Contos do Rei.
Espero que gostem de Naral e dos seus personagens!
Beijos!



Parte Primeira

Da Terra a Naral


O Castelo Branco brilhava na luz da manhã. Erguido há três milênios, ele se destacava ficando acima da cidade em um morro cercado por matas e jardins. Era feito de uma pedra branca encontrado em uma pedreira perto da Floresta Velha e cem quilômetros dali.

Abaixo dele a cidade de Inay despertava. Era uma grande cidade cercada por uma muralha de dez metros da altura. As ruas eram calçadas com pedras escuras e havia redes de esgoto e para escoar água da chuva. As casas eram coloridas e com jardineiras nas janelas.

Aquela era uma época de paz, mas há novecentos anos a Segunda Grande Guerra assolava o reino.

As duas maiores famílias do reino de Eyri estavam em guerra pelo poder de comandar o reino e pelas terras centrais do país.

Naquela época o Grande Rei (título dado ao governante de Eyri) era da família Delano e este procurou de todas as formas acabar com as brigas entre eles e a família Kustas, mas havia política demais entre eles e no final para salvar a vida de seu filho ele decidiu partir.

O Grande Rei rumou para o mundo do exílio.

Pouco depois as coisas se acalmaram e eles puderam ver o que tinham feito. Milhares de mortos e sua linda terra virando um pântano de sangue.

Os últimos lideras das casas Delano e Kustas, jovens cheios de ideais que haviam assumido o comando com a morte dos antigos lideres decidiram que iam por um fim nos conflitos.

Um pacto foi assinado não só pelas duas casas, mas também pelas outras cinco famílias de Eyri. Nesse pacto o país ficava entregue a um regente eleito pelas famílias até que o herdeiro voltasse do exílio.

O Livro das Trevas, um objeto mágico de grande poder, foi enviado ao mundo do exílio para que procurasse o herdeiro Delano.

Na época que a nossa história começa alguém dentro do Castelo Branco reclamava da demora desse herdeiro aparecer.

— Quanto tempo isso vai demorar? – Crhist perguntou em tom petulante.

Crhist Kustas-Delano era ainda um adolescente que havia galgado o posto de cavaleiro por mérito. Ele tinha consciência do seu poder e isso o tornava arrogante e de expressão altiva e fechada. Sua aparência chamava a atenção de homens e mulheres onde quer que ele fosse. Descendente de estrons do norte seu cabelo era branco e liso e descia por suas costas indo até a cintura, o rosto de maçãs salientes era levemente moreno como se passasse muitas horas ao ar livre e seus olhos amendoados eram azuis muito claros, quase prateados. Seu corpo era magro e esguio não mostrando a força que tinha.

— O tempo necessário – respondeu o outro ocupante da sala.

Ismail Kustas era irmão mais velho de Crhist. Eles tinham a mesma mãe, mas pais diferentes. Ele era alto e imponente com olhos dourados frios e faziam tremer amigos e inimigos. Os cabelos castanhos caiam pela testa, mas ao contrario do irmão os dele eram curtos chegando à gola da roupa que lembrava uma farda militar. Como chefe de defesa do reino seu bom senso havia salvado Eyri mais de uma vez.

— Os dois sem discussão – disse uma terceira voz de modo suave, quase cantado, mas fora o suficiente para fazer o forte Ismail estremecer e o belo Crhist ficar vermelho.

Ausna Kustas era a regente daquela terra. Era uma mulher de grande beleza, com cabelos negros que formavam belos cachos que iam até o meio das cochas, os olhos dourados eram iluminados como se ela tivesse uma luz interior, seu corpo bem feito era mostrado no uniforme militar que usava com desenvoltura e arrogância.

— Mãe não estamos brigando – apressou-se em dizer Ismail.

— Não? – ela levantou uma sobrancelha bem desenhada fazendo o filho mais velho encolher-se e depois se voltou para o caçula que quase deu um pulo – Crhist Tranfos Kustas-Delano...

— Mãe! – Crhist ficou visivelmente contrariado – Não use o meu nome inteiro.

— Por quê? Seu nome é muito bonito.

— Tranfos é um nome tão comum ao lado do grandioso nome Delano – resmungou ele sentando no sofá e cruzando as pernas.

— Sempre tão orgulhoso – ela disse com carinho virando-se para a sala onde estavam.

Era um escritório pequeno com sofás, uma escrivaninha, um armário onde Ismail guardava seus documentos. Nas paredes havia alguns quadros mostrando paisagens onde cavalos selvagens trotavam pelos campos. A única coisa que quebrava a decoração espartana era um vaso em cima de uma pequena mesa de conto contendo flores vermelhas que Crhist dava ao irmão todos os dias de manhã. Em Eyri davam-se flores aos amigos e parentes como forma de amor, respeito e devoção.

— Você é tão pratico Ismail e seu irmão ainda lhe dá flores – ela olhou os filhos com carinho – Tenho orgulho de vocês.

— Tudo bem mãe? – Crhist perguntou preocupado – Você não costuma nos elogiar...

— É mesmo! – ela voltou a rir agora uma risada sem alegria – Eu, Ausna Kustas, deveria prestar mais atenção à minha família.

— O que houve mãe? – Ismail parecia alarmado com o modo que ela estava agindo.

— Drima me contou que o Livro das Trevas desapareceu indo rumo ao mundo do exílio.

— Acha que... – Ismail não completou a frase.

— Se ele achar o herdeiro Delano muito de nossa vida vai mudar.

— Bem você vai deixar de ser regente para ser a nossa mãe – disse Crhist que sempre tivera uma mãe muito ausente na sua vida.

— Não é só isso Crhist – Ismail parecia entender a dimensão do problema – Com um novo rei novas ordens que podem mudar todo o nosso país e a nós. Você é cavaleiro do reino e eu como chefe de segurança teremos que obedecer a ele.

Ouviram uma pequena batida na porta e esta se abriu mostrando a entrada de três pessoas.

— Tomei a liberdade de chamar aqueles quem eu mais confio para falarmos sobre o desaparecimento do livro – disse Ausna.

Valhalla Feten era uma jovem mulher do povo da Floresta Velha. Alta, seus cabelos negros e lisos iam até a cintura e seus olhos castanhos eram frios. Secretaria de Ausna ela jurara devotar a vida a regente depois que está salvou a vida de Valhalla uma vez. Era uma esgrimista de grande talento e uma lutadora sagaz.

Sipria O’Nara era a governanta do Castelo Branco e cuidava de todos que viviam ali, da regente ao cavalariço. Deveria ter a idade de Ausna, mas como todo eyriano não mostrava a idade que tinha. Seu cabelo castanho encaracolado era curto e ela só vestia vestidos simples e brancos. Descendente dos O’Nara das montanhas ela fora uma lutadora feroz que encontrara paz junto a Ausna.

O ultimo era Dator Landro, filho do meio de Ausna. Era um militar quieto, de cabelos castanhos claros, olhos azuis escuros. Na aparência ele lembrava Ausna, mas tinha um sorriso fácil. Era justo e bem humorado e isso havia lavado-o a ter muitos seguidores nas tropas.

Dator tivera uma grave briga com a família, mas quando a sua mãe sofrera um atentado ele voltara para ser guarda-costas dela.

Ismail o encarava com o rosto livre de expressão, mas Crhist não escondia que desprezava o irmão do meio.

Dator foi para o fundo da sala e ficou em pé, recostado na parede numa postura relaxada e de olhos fechados como se estivesse alheio a tudo em volta, mas quem o conhecesse sabia que ele estava bem alerta.

— Eu não vou admitir isso! – Valhalla bateu a mão na escrivaninha coberta de papéis de Ismail.

— Valhalla! – disse Ausna com a sua perigosa voz calma – Fique calma e sente-se!

— Uma Feten da Floresta Velha não vai servir um estrangeiro! – ela era a única que não baixava a cabeça para Ausna.

— Até mesmo os Feten juraram pela sua honra defender o herdeiro – disse Dator sem mudar sua postura.

Valhalla bufou para ele, mas Ismail perdeu a paciência.

— Chega! – nesse momento ele parecia tanto com Ausna que a Valhalla sentou amuada e a regente começou a rir.

— Ismail ficou autoritário – disse Crhist em tom de gozação.

— Vocês... – Ismail despenteou os cabelos de frustração – Quando o livro trouxer ele as sete famílias serão chamadas para legitimar o herdeiro, mas isso vai ser apenas praxe, pois a palavra definitiva sempre é do Livro das Trevas e não vai ser os resmungos de uma Feten que vai mudar isso! Não adianta ficarmos aqui discutindo isso. Minha casa jurou a novecentos anos que ia apoiar o herdeiro quando ele aparecesse e é isso que vou fazer.

— Acho que essa é a ultima palavra e a palavra certa – Ausna colocou a mão no ombro do filho mais velho sentado atrás da mesa.

— Meu juramento não será mudado – disse Sipria em tom calmo.

— Sou cavaleiro – Crhist olhou pela janela – Jurei pelo reino e é pelo reino que vou lutar.

Valhalla ergueu o queixo em sua teimosia. Ausna foi até a sua amiga e seu braço com carinho.

— Você não precisa jurar devoção a ele, mas nos ajude com os tempos difíceis que viram.

A expressão carrancuda da moça da floresta se desfez e ela segurou a mão da regente com carinho.

— Minha devoção é apenas a você, Regente Ausna.

— Bem – Sipria pigarreou – Se já entramos em um acordo vou ver como anda o jantar.

— Não! – Crhist olhava Dator – Ele não disse de que lado vai ficar!

— Pelo amor dos deuses Crhist! – Ismail parecia contrariado – Dator é oficial do exercito...

— Eu não quebro juramentos Crhist – respondeu Dator ficando reto e lançando um olhar frio para o garoto.

— Você só esquece que tem família, não é?

— Chega disso! – Ausna levantou a voz e isso fez com que todos se encolhessem – Não quero mais nem uma palavra sobre isso Crhist! Ouviu?

— Sim minha mãe.



Davi olhou as pilhas de livros que haviam se acumulado na biblioteca. Seu pai era fanático leitor, mas quanto à organização era de dar medo. Sua mãe sempre dizia que era melhor não mexer muito na bagunça do seu pai ou ele nunca mais ia achar nada, mas Davi havia se prontificado a ajudar a arrumar e catalogar os livros. Infelizmente ele não tinha ideia nem mesmo de como ia se movimentar dentro da biblioteca, quanto mais chegar até suas prateleiras para arrumar.

Era um cômodo retangular que antigamente era uma sala na parte superior da casa. Seu pai mandara colocar prateleiras nas paredes, mas como o passar do tempo sua coleção crescera tanto que ele tivera que mandar construir outras prateleiras. Haviam três poltronas perto de duas grandes janelas que exibiam vitrais coloridos, uma grande mesa de madeira escura com cadeiras estofadas. Tudo poderia parecer até aconchegante se não fosse pelas imensas pilhas de livros que haviam no chão.

— Boa sorte – disse Paulo, seu irmão mais velho, passado pela porta da biblioteca e o vendo parado ali estático.

— Você vai precisar – disse Rafael, seu irmão do meio, ao passar pela porta.

— Vocês estão se divertindo, não é? – gritou ele raivoso para os dois que desciam as escadas rindo – Saco!

— Eu ouvi isso Davi Roberto Carlos! – sua mãe gritou do alto da escada e entrou na biblioteca com as mãos na cintura – Xingar é vulgar e eu não quero isso na boca dos meus filhos!

Isabel Maria era uma mulher de corpo magro e baixa estatura, mas quando ficava brava seus filhos diziam que ela podia ficar do tamanho de uma montanha. Os olhos negros brilhavam como se apenas estar viva fosse algo para se comemorar e os cabelos castanhos costumavam ficarem presos em um coque. Apesar de seus trinta e oito anos a idade não aparecia em seu rosto de adolescente e ninguém podia dizer que ela tinha três filhos, sendo que dois deles já na faculdade.

— Pelo amor de Deus mãe! – Davi ficou vermelho – Meu nome é Davi! Esqueça esse Roberto Carlos!

— Por quê? Roberto Carlos é o meu cantor favorito e eu sempre quis que você se tornasse um.

— Eu?! – esse sonho não podia estar mais distante de Davi, pois ele cantando era pior que gato no cio.

— Ai! – ela olhou para a biblioteca inclinando a cabeça – Seu pai é tão organizado no trabalho, mas aqui em casa... – ela lançou um olhar incisivo para o filho como se dissesse que ele também não era um exemplo de arrumação.

Davi tinha quinze anos e era de estatura mediana, enquanto seus irmãos na sua idade eram bem mais altos. Seus cabelos eram de um louro dourado levemente encaracolado com uma franja que caia pela testa. Os olhos eram verdes, mas de um verde escuro da cor dos olhos do pai. Era o único que havia puxado a ele tanto nos olhos quanto na cor de cabelo.

Apaixonado por futebol ele participava de um time misto em um clube e havia simplesmente coberto todas as paredes do seu quarto com pôsteres de jogadores de vários times.

— Bem – Isabel se virou para a porta da biblioteca – Boa sorte!

— Você também mãe?!

Davi fechou a porta em uma tentativa de se afastar das gozações da sua família e passou às três horas seguintes retirando livros das prateleiras e formando pilhas imensas no chão, nas mesas e nas poltronas.  

— Almoço! – disse a sua mãe abrindo a porta, mas ela parou de chofre ao se deparar com pilhas de livros quase da sua altura – Davi, você não ia arrumar?

— Primeiro eu preciso limpar – disse o menino saindo de detrás de uma pilha coberto de poeira.

Isabel Maria não se conteve e começou a rir.

— Você é um cabeça dura – ela desarrumou os seus cabelos já em total desalinho – Se precisava de ajuda era só falar.

— Vou pedir ajuda para aqueles dois?! – ele bateu a poeira da roupa – Nem em outro mundo.

— E ai? – seu pai havia parado na porta da biblioteca sorrindo – Como estamos?

Seu pai já passara dos cinqüenta anos, mas era impossível dar essa idade a ele. Era alto como os seus irmãos, os cabelos loiros eram parecidos com os do filho caçula assim como os olhos verdes que olhavam o mundo com certa melancolia como se tivesse perdido algo.

— Sujo – resmungou Davi saindo da biblioteca – Vou me lavar.

— Eu tenho tantos livros assim? – Lucas olhou admirado as pilhas de livros.

— Você gosta de viajar, não é? – Isabel olhou com carinho para o marido que, de repente ficou serio como se pensasse em algo há muito esquecido, mas logo mudou para uma expressão alegre.

— E ai o que temos para o almoço?

— Você vai adorar meu bem. Fiz bacalhau.

— Você sabe do que eu gosto, não é querida?

O almoço de sábado na casa dos Delácio era um acontecimento festivo. Como cada um tinha seus compromissos nos dias de semana eles pouco se viam, assim usavam o sábado para colocar os assuntos da semana em dia.

— Como vai indo a faculdade? – perguntou Lucas para os dois filhos mais velhos.

— Já estou de férias – disse Paulo de modo arrogante.

Paulo tinha vinte anos e estava no ultimo ano de direito. Era um rapaz bonito e inteligente que trabalhava em uma grande firma há dois anos.

— Claro, o supergênio – resmungou Rafael, o filho do meio.

Rafael tinha dois metros da altura e jogava no time de basquete da cidade. Não sendo muito fã de estudos, fora com muita dificuldade que entrara na faculdade de educação física, mas estava indo bem.

Davi estava pensado nas montanhas de livros que ainda tinha para arrumar até perceber que estavam falando com ele.

— Presta atenção “rapa do tacho” – Rafael deu-lhe um cutucão doloroso nas costelas.

— Ai! Isso dói Rafael!

— Sem brigas na mesa – repreendeu Isabel servindo o peixe para todo mundo – Seu pai estava perguntando como andam as suas notas Davi.

— Razoáveis – resmungou ele colocando uma garfada de batatas na boca. Porque aquele negócio de notas tinha que ser discutido?

— Como sempre, não é “pequinês”?

— Você é um chato Paulo! – Davi tinha outro nome na cabeça, mas preferia ser comido vivo por algo bem asqueroso a dizer em voz alta a falar na frente da sua mãe.

— Não implique com a altura do seu irmão – disse Isabel olhando risonha para o filho mais novo que sumia entre os irmãos mais velhos – Ele ainda tem muito que crescer.

— Ora – Rafael lançou um olhar gaiato para Davi que teve vontade de chutá-lo por baixo da mesa – Acho que ele puxou à senhora, não é mãe? – com isso ele despenteou os cabelos do outro que lançou um olhar assassino.

— Mas seu pai sempre diz que as baixinhas são as melhores, não é querido?

— Você tem toda a razão querida.

Os três irmãos ficaram constrangidos com a troca de olhares apaixonados do casal. Eles não conheciam casal mais apaixonado, mesmo depois de tantos anos de casamento.

— Mas acho que Davi acabou puxando a mim – olhou com carinho para o caçula que se parecia tanto com ele fora à altura.

— Tenho serviço para acabar – disse Davi fugindo da mesa.

— Covarde – disse Rafael rindo.

— Davi você não terminou o seu almoça! – gritou a sua mãe enquanto ele subia as escadas correndo.

— Boa sorte – ele pode ouvir o seu pai dizendo lá da cozinha antes de fechar a porta da biblioteca e dar um suspiro de alivio.

— Mas que família!

Definitivamente ele ia acabar com aquilo e passar as férias bem longe de casa. Se tivesse que suportar seus irmãos novamente ia surtar.

Voltou a limpar as prateleiras, mas de repente algo grande e duro caiu na sua cabeça fazendo cambalear e xingar – que a sua mãe não o ouvisse.

— Foda!

Um grande livro com capa preta havia caído do alto da prateleira.

— De onde você veio? – ele pegou o livro pronto para jogá-lo na pilha mais próxima quando viu a capa.

Nela havia um grande dragão em cima de uma montanha nevada. A imagem brilhava em vermelho, azul e branco quase a ponto de parecer real, como se cada cor fosse fluida e dançasse pela capa.

O nome estava em letras góticas:

OS CONTOS DE NARAL

Curioso ele abriu o livro, mas para o seu desapontamento ele estava em branco a não ser por uma frase na primeira capa:

Os Contos do Rei

— Que coisa idi... – ele não pode completar a frase, o mundo todo pareceu explodir ao seu redor e ele não viu mais nada.


~~***~~


Os jardins do Castelo Branco eram conhecidos em toda Eyri por sua beleza e diversidade. Cada regente havia acrescentado algo e ele nos anos após a guerra, já que ele ficara destruído naquela época.

Os jardins cercavam todo o castelo e tinham como centro uma fonte de pedra negra em formato de uma grande arvore de onde caia água cristalina em uma grande bacia de pedra. Havia bancos de madeira por todo o lado para que as pessoas pudessem parar e apreciar a vista.

As flores eram de todos os tamanhos e formatos, assim como os arbustos floridos que emprestava um cheiro maravilhoso no ar. Caramanchões por onde rosas vermelhas como sangue subiam ficavam perto da fonte e era o local favorito de Ausna.

Ela passeava sempre durante a manhã ali e naquele dia ela estava com Valhalla que não parava de falar sobre o repasse de verbas para as tropas.

— A senhora percebeu o quanto estamos gastando com a força militar em plena época de paz? A cidade de Níria esta precisando de uma ponta há dois anos.

— Sei disso Valhalla, mas você já percebeu o quanto as nossas fronteiras são problemáticas? Como as invasões, os saques e as mortes tem aumentado entre nós e Entrani? Ladrões infestam as estradas e rumam para vilas desprotegidas – olhou para o céu azul – Às vezes parece que tudo vai fugir do nosso controle.

— Ausna...

— Estou ficando cansada Valhalla. Dediquei minha vida e sacrifiquei a minha vida ao reino e o que ganhei com isso? – olhou para as moitas de flores sabendo que Dator estava ali cuidando dela de modo discreto e sem ser visto – Eu não posso nem posso ir aos jardins sem que meu filho me acompanhe para impedir que algum me ataque – ela deu um suspiro – Às vezes parece que tudo vai escapar ao nosso controle.

Valhalla ia dizer algo quando o ar crepitou e Dator apareceu do nada correndo para elas, mas Valhalla já havia jogado a regente no chão. Houve uma explosão em um dos canteiros de flores e o ar se encheu de fumaça e pétalas de flores.

— Mas que diabos!... – Ismail descia as escadas do castelo com uma espada na mão.

Guardas começaram a surgir por todo o lado.

— Estou bem Valhalla – Ausna empurrou a amiga para o lado vendo o caos à sua volta – Fiquem calmos droga! – ela gritou – É o Livro das Trevas.

Ausna conhecia bem as entradas teatrais do livro para perceber que era ele fazendo.

Os soldados pararam no meio dos jardins e começaram a rir. Valhalla e Ismail xingaram enquanto Dator recolocava calmamente a espada na bainha. O ar estava cheio de pétalas voando.

Todos se aproximaram do canteiro de flores na cor roxa onde houvera a explosão e ficaram pasmos ao ver um garoto ali, uma garoto vestido de modo muito estranho com os cabelos loiros e... olhos verdes!

— Mas que diabos me aconteceu?! – Davi tentava tirar as pétalas de flores do cabelo e do rosto. Ergueu o rosto e só então percebeu o local onde estava – Mas que...

— Será esse...? – Valhalla olhou para ele pasma.

— O herdeiro Delano – disse Ismail com a voz desprovida de emoção.

Davi olhava tudo à sua volta de modo pasmo. Estava em um jardim como ele nunca havia visto, com um grande castelo ao fundo e com pessoas vestidas como se estivessem na era feudal.

Ao verem os olhos verdes de Davi todos perceberam que estavam diante de um Delano da antiga estirpe e que ele só podia ser o herdeiro do trono, o Grande Rei.

— Majestade – Ausna se inclinou assim como Valhalla e Ismail, enquanto os soldados se ajoelhavam perante o seu rei e novo comandante.

O menino olhava aquilo imaginando que tipo de sonho idiota era aquele. Será que dormira enquanto lia um livro e agora sonhava com seu enredo? Mas era tudo tão real, mas a gente pode ter sonhos reais não é mesmo? Todavia era real demais já que ele podia sentir o ar frio da manhã e a terra úmida debaixo dele.

— Alteza, eu sou Ausna Kustas, a regente. Esses são Ismail Kustas chefe da defesa do reino, Dator Landro capitão da guarda, ambos meus filhos e Valhalla Feten da Floresta Velha.

Alteza?? Com quem ela estava falando?

Davi observou aquelas pessoas vendo sua beleza dos soldados a tal Ausna que o deixava hipnotizado com sua cascata de cabelos negros brilhantes.

— Ele está confuso – disse Dator estendendo a mão para Davi – Eu ti ajudo.

— Obrigado – disse o garoto aceitando a mão, mas parou estático ao ver que tinha falado naquela estranha língua melodiosa que os outros falavam.

— Parece que o Livro das Trevas usou o principio da incerteza para ensinar nossa língua a ele – disse Ismail olhando para Davi.

— Principio do quê?

— O principio de que alguém que venha para esse mundo não fale a nossa língua – disse Dator de modo calmo – Assim a nossa língua é ensinada de modo mágico.

— Mundo? Magia? – agora ele tinha certeza que estava sonhando.

Ele não podia estar em outro mundo e ainda por cima em um mundo mágico, se existiam outros mundos eles deviam ser cheios de naves espaciais e robôs.

— Olhem! – um dos soldados apontava para o alto onde o Livro das Trevas girava lentamente bem acima do lugar onde ele estivera sentado.

— Sua porcaria – Valhalla resmungava – Podia ter feito isso sem tanto barulho.

— Tenha mais respeito – disse Ismail aborrecido.

— Tcha! – a moça virou o rosto contrariada.

De repente o livro brilhou intensamente e quando perceberam havia um grande dragão vermelho pisoteando as plantas.

Pálido Davi deu um pulo para trás e Dator segurou o seu ombro sorrindo para ele.

— Está tudo bem. Aquele é o guardião do livro e não um dragão de verdade.

— Não?! Pra mim ele é bem real!

— Os meus jardins! – uma moça vestida da branco saiu correndo co castelo carregando uma grande colher das pau – Saia daí!

O dragão rugiu para ela, mas a moça apenas colocou as mãos na cintura.

— Saia logo daí ou vou queimar uma a uma das suas folhas!

O dragão pareceu murchar e saiu bamboleando do meio das flores para o caminho ladrilhado de pedras brancas.   

— Seja bem vindo rei Davi Delano – disse o dragão fazendo Davi estremecer – Há novecentos anos eu espero pelo seu nascimento e agora que o seu poder está para vir à tona é chegada a hora de se apresentar ao reino de Eyri.

— Que tipo de sonho é esse? – gemeu Davi.

— Você sabe que não é sonho rei Delano – disse o dragão calmamente – Quando o trouxe da Terra não lhe dei apenas o dom de entender e falar a língua de Eyri, mas também dei-lhe um pouco do conhecimento desse mundo. Pense um pouco e vai se lembrar.

Davi estava até com medo de pensar, mas como nunca paramos de pensar de repente veio a sua mente um cabedal de informações grande cheio de historias de guerra e de sete famílias em luta em uma terra chamada Eyri, no mundo de Naral. Ele também se lembrou da guerra há novecentos anos quando o Grande Rei foi para o exílio para salvar o filho e que ele era descendente desse rei.

— Isso é impossível! Não pode ser real!

— Tudo é bem real rei Delano. Esse país esteve esperando o seu rei por tempo demais, por favor, não o deixe esperando mais e assim ele cair no caos.

Davi olhou para os olhos vermelhos do dragão e sentiu que seu mundo anterior se afastava e aquele mundo onde ele estava se transformava no mundo real. Ali ele ia ser de um mundo mágico onde a discórdia imperava.

O grande dragão desapareceu e por alguns segundos o livro ficou ali girando lentamente até também desaparecer.

— Espere! – Davi correu para ele – Como é que eu volto para casa?

— Alteza – Ausna foi até ele com uma expressão estranha – O Livro das Trevas é um objeto de grande poder mágico, mas é um objeto de vontade própria. Não sabemos aonde ele vai quando não está em Eyri.

— Mas... – ele olhou com desespero para a antiga regente – E a minha família? O que vão pensar do meu desaparecimento?

— Essa é uma pergunta que não tenho resposta – Ausna apertou seus ombros carinhosamente – Mas se houver algo que eu possa fazer pelo senhor pode ter certeza que faremos Grande Rei. Nosso reino só quer a sua felicidade; há ainda muitos poderes por ai que não conhecemos. Talvez um deles seja útil ao senhor.

— Obrigado – Davi sentia uma grande vontade de chorar, mas as palavras de Ausna e o rosto bondoso de Dator o acalmou quem sabe tudo ficasse bem.

— Vamos entrar – resmungou Ismail.

Toda a seriedade daquele homem o deixava intimidado. Ele não dava um sorriso e seu rosto parecia uma carranca perpétua.

Davi nunca havia visto um castelo como aquele, na bem da verdade ele nunca havia visto castelo nem fora os das telas do cinema e das imagens nos livros, mas ele imaginou que nem um podia ser mais magnífico que o Castelo Branco.

Logo na entrada havia uma grande sala com sofás de veludo perto da grande lareira, aliais haviam três lareiras ali, o que, para Davi, filho de um país tropical, era estranho. Tinha também uma mesa de dez lugares em um canto e pequenas mesas por todo o lado. O chão era cheio de tapetes grossos e bem limpos e as paredes decoradas com quadros de paisagens. Uma grande escadaria de mármore rosa subia para os andares superiores.

Depois vinham pátios com pequenos jardins, mais salas e saletas e corredores que pareciam ir por quilômetros.

A noticia de que o rei chegara correra o castelo e as pessoas se acumulavam nos corredores laterais e murmuravam ao se ajoelhar.

— Por minha devoção.

— O que está acontecendo? – perguntou Davi para Ausna ao se verem em outro corredor, mas agora estavam apenas eles e alguns guardas.

— O que eles fazem é um juramento rei Davi. Quer dizer que cada um deles morreria por você com felicidade.

— O que?! – ele parou assustado e retrucou com a voz um pouco aguda – Eu não quero que ninguém morra por mim!

— É um estrangeiro mesmo – suspirou Ismail.

— Você faz a palavra estrangeiro soar como uma ofensa – resmungou Davi para o carrancudo Ismail.

— Tenha paciência Ismail – disse Dator fechando a cara para o irmão – Ele não sabe como são as coisas em Eyri.  

— Isso vai ser muito complicado! O país esta enfrentando levantes por todo lado e temos que ensinar a ele coisa básicas como um juramento de fidelidade.

— Ismail! – Ausna chamou a atenção do filho – Um rei não se faz da noite para o dia, assim sua alteza só vai conseguir governar com a nossa ajuda.

— Então o Grande Rei chegou – disse uma voz melodiosa.

Alguém havia saído de uma das salas e foi para perto deles.

Por um momento Davi acreditou que estava diante da mais bela mulher que ele já vira, mas logo percebeu o seu engano. Era um garoto de longos cabelos brancos e olhos azuis quase translúcidos.

— Meu rei – disse Ausna – Esse é meu filho caçula Crhist Kustas-Delano.

Davi ainda estava estático com o garoto, mas agora era mais de raiva do modo arrogante como ele o olhava como se fosse superior a ele.

Naquele momento Davi Delano, Grande Rei de Eyri, percebeu que não ia se dar bem com o arrogante garoto.