Capitulo 4
O delegado Luis Moura não parecia
muito feliz, aliais seus subordinados preferiam sair de perto dele nos dias em
que o chefe ia falar com a imprensa, o homem ficava uma fera enjaulada.
Ele sabia que devia falar para os repórteres
e acalmar um pouco os ânimos, mas ele não gostava disso e fim de papo.
Havia uma sala grande nos fundos da
delegacia onde a imprensa aboletou-se, tão ansiosos e mortais quanto um bando
de abelhas. Qualquer palavra má medida de sua boca ia causar muitos estragos
com eles, sua sorte era que ele tinha experiência com eles.
Ele entrou na sala a sentou na mesa
junto com os investigadores Braz e Almeida. Braz parecia um popstar em dia de
entrevista de um novo filme, mas Almeida estava ficando cada vez mais verde. Ele
sabia o quanto o rapaz odiava ser o centro das atenções.
Assim que se acomodaram houve um
imenso clamor de perguntas, todas misturadas, cada um tentando falar ao mesmo
tempo.
Moura revirou os olhos com aquilo. Sempre
era a mesma coisa!
— Será que podem falar um de cada vez?
– ele gritou e todo mundo sossegou sabendo bem o quanto o delegado era pavio
curto – Vou contar o que sabemos e o que podemos dizer que não comprometa o
caso.
O delegado contou sobre o corpo
encontrado, mas as investigações iam correr em segredo.
— Delegado Moura é verdade que pode
ser o mesmo assassino de Bertioga? – perguntou um rapaz de um telejornal local.
— Por hora não temos base para
dizermos isso. Seria prematuro e irresponsável fazermos tal afirmativa.
— Um duble? – perguntou uma moça.
— A resposta é a mesma senhorita.
— Se for um duble ou o mesmo o
assassino original saberemos essa noite – disse uma voz nos fundos da sala.
Todo mundo se virou para Inocense e
Rafael.
— Quem é você? – perguntou Moura
contrariado.
— Inocense da revista Ribeirão Hoje. Em
Bertioga ele matava por três noites seguidas e sempre em lua nova.
Todo mundo murmurou entre si
entendendo a lógica que a moça expunha.
— Acreditem que estaremos fazendo o possível
para que algo assim não volte a acontecer – disse Moura para os repórteres.
Mas a semente já havia sido lançada e
uma chuva de perguntas atingiu o delegado cheio de raiva da repórter loura.
~~***~~
— Lucas porque está demorando!
O rapaz revirou os olhos procurando
pelo telefone de um fornecedor na bagunça que era a agenda da antiga secretária
de Israel, mas ele não encontrava de modo algum, mesmo que o outro tenha dito
que devia estar ali.
— Lucas!
— Eu devo ter feito muita coisa errada
na minha outra encarnação – resmungou ele indo até o escritório do outro.
Havia papéis por todos os lados. O notebook
estava aberto de um lado e o tablet de outro, assim como havia três celulares
em cima da mesa.
— Quando eu preciso de algo eu espero
ser prontamente atendido! – resmungou o outro para Lucas.
— Eu não encontrei nada na agende
senhor, por isso não tive como atendê-lo.
— Eu não quero desculpas!
— Acontece que eu não estou dando uma
desculpa, já que o meu trabalho não precisa de desculpas! Estou apenas
comunicando um fato.
— Eu estou de péssimo humor para suas
gracinhas Lucas!
— E eu não estou de humor melhor para
ouvir as suas ordens idiotas!
— Por acaso está me chamando de
idiota?
Israel levantou-se da sua mesa indo em
direção a Lucas. Israel era bem mais alto que Lucas e mais corpulento, parecia
uma montanha se elevando acima dele.
De repente Lucas se sentiu como se seu
pai estive ali na sua frente, bêbado e pronto para a surra. Seu corpo agiu de
forma inteiramente instintiva com ele andando para trás e se encolhendo e
escondendo o rosto nos braços. Ele esperou que o golpe viesse, mas nada
aconteceu.
Ele olhou receoso por entre os braços
e percebeu que Israel estava parado perto da mesa dele o observando.
— Me... me desculpe – disse tremulo
indo em direção á porta, mas Israel segurou seu ombro.
— Venha se sentar menino antes que você
caia.
Lucas não havia percebido o quanto
estava tremendo, suas pernas estavam a ponto de dobrar. Ele caiu na poltrona
cheio de um imenso constrangimento.
Como em nome de Deus ele ia explicar
para Israel seu comportamento bizarro? Não queria falar sobre sua vida
particular, sua fodida vida particular, com seu chefe.
— Tome – Israel estava lhe estendendo
um copo com um liquido âmbar – Vamos não é veneno.
Lucas não pode deixar de sorrir e
beber um pequeno gole do whisky que desceu queimando pela sua garganta quase o
fazendo engasgar. Ele gostava de cerveja, mas nunca fora de tomar nada mais
forte que isso. Ele bêbado era um porre, a sua irmã costumava dizer.
— Obrigado – disse Lucas colocando o
copo em cima da mesa sem olhar para Israel.
— Vamos almoçar – o chefe estava
pegando os três celulares e colocando no bolso.
— Almoçar?
— É, almoçar, comer! Vamos que tenho
que voltar logo para resolver algumas coisas.
Lucas estava tão perdido por causa do comportamento
de Israel que levantou e andou junto com ele passando pela mesa de Joana que
comia uma montanha de bolachas.
— Vai engordar – disse Israel com
sarcasmo.
— Então serei uma gorda feliz –
respondeu ela enfiando mais bolachas na boca e olhando com desdém para Israel –
E cuide do menino ou eu deleto o disco rígido o seu computador.
— Morcega velha!
— Eu ouvi isso senhor Israel de
Almeida e Castilho.
Israel revirou os olhos ao ouvir seu
nome completo. Estava há tanto tempo com Joana que sabia que ele não gostava de
ter um nome tão pomposo e ela usava isso para o atormentar.
Desceram para a recepção do prédio
saindo para a rua. O dia esquentara e Israel ficou feliz em ter deixado o terno
no escritório.
Olhou para Lucas dando um suspiro. Sabia
que tinha exagerado. Sabia que perdia a paciência com facilidade e eu isso
estava ficando pior com a morte da esposa.
Quando pensava nela ainda podia sentir
a familiar dor, mas agora era mais uma mistura de saudade e nostalgia que às
vezes despontava nele em momentos de descanso.
Talvez fosso por isso que ele
trabalhasse tanto, se entregando de corpo e alma a sua revista.
Mas algo estava errado com Lucas, o modo
como ele se encolhera quando ele levantou da mesa com brusquidão era como se
ele estivesse em posição para se defender de algo, como um cão assustado e
acuado. Todavia isso devia ser algo particular dele e era melhor deixar de
lado.
Havia um restaurante que ele gostava
de frequentar perto do teatro Pedro II, um lugar de comida selv-service, mas
tinha ar condicionado, variedade e a comida era muito bem preparada.
— Acho que começamos errado Lucas e eu
gostaria de me desculpar por isso.
— Acho que nós dois temos culpa, por
isso também me desculpe.
Israel olhou para o pequeno rapaz
admirando sua pele clara e o cabelo cheio de cachos que emolduravam seu rosto. Tinha
que admitir que ele era bonito.
— Então vamos fingir que começamos
agora?
— Mesmo? – Lucas sorriu para ele a
Israel pode ver que ele tinha duas covinhas quando fazia isso.
— Mesmo. Vamos almoçar que o nosso dia
é longo.
~~~***~~
Cansada Marcela movimentou os ombros
enquanto terminava de preparar as sobremesas para o restaurante que estava
abrindo.
Levantou a travessa com mousse de maracujá
e com a outra mão uma com torta de chocolate com amêndoas, sua especialidade. Foi
até o bufê de sobremesas colocando as últimas e admirando o resultado.
O restaurante Almeida Castilho era
conhecido por seus pratos bem elaborados no selv-service, ambiente acolhedor e
sobremesas famosas.
Ficava em um bairro mais afastado do
centro, mas estava sempre cheio tanto para almoço quanto para jantar. Era composto
de um grande salão com meses de madeira envelhecida e cadeiras almofadas. Duas paredes
eram de vidros temperados e davam para um jardim de inverno onde uma fonte
gorgolejava em meio a samambaias e narcisos. As paredes tinham quadros de
paisagens bucólicas que eram a paixão da moça. Sabia que os quadros foram pintados
pela mãe do dono, pois o chefe do restaurante lhe contara. Ela gostaria de
conhecer uma mulher tão talentosa.
Ia voltando para a cozinha quando
percebeu que havia um rapaz em uma mesa que engasgava com a comida e era
ajudado pelo garçom.
As pessoas viviam com tanta pressa que
nem mesmo paravam para degustar um bom prato.
Vendo que o cliente estava melhor ela
voltou para a cozinha já que a outra cozinheira e o chefe tinham saído por
alguns minutos.
~~***~~
Luciano de Almeida e Castilho deu
apenas uma garfada em seu prato. No instante que começou a mastigar o seu arroz
de auçá engasgou com a quantidade de pimenta. O alimento desceu queimando a sua
garganta e seus olhos se encheram de lagrimas e ele pegou um copo de água por
reflexo só então lembrando que a água não ia adiantar nada. Rapidamente pegou
um pedaço de pão e mastigou.
— O senhor está bem? – perguntou o
garçom olhando preocupado para ele.
Luciano engoliu o pão sentindo que o
ardor melhorava e sorriu para o rapaz.
— Tudo bem, só engasguei com a comida.
— Qualquer coisa me chame seu Luciano –
disse o rapaz indo atender as meses.
“Deus! Se esse preto tivesse parado
com algum cliente...” ele nem queria pensar.
Luciano era dono do restaurante e de uma
boate, mas passara seis meses fora viajando pela Europa e deixara tudo nas mãos
de seu advogado e amigo que conduzira as coisas muito bem, mas agora ele estava
de volta e queria ver como estavam às coisas pessoalmente e resolvera almoçar
ali mesmo.
Vermelho de raiva e da pimenta, Luciano
entrou como um furacão a cozinha.
Lá havia apenas uma moça delicada com
cabelos cobertos pela touca e belos olhos castanhos.
— Pois não? – perguntou ela com a voz
educada, mas pasma de alguém ter invadido a cozinha de forma tão intempestiva,
ainda mais que o home deveria estar usando uma touca como ela.
— Eu quase morro afogado com a pimenta
no meu prato! Aquela coisa estava intragável!
— Eu tenho certeza que foi um
acidente...
— Se fosse outro ele poderia processar
o restaurante!
— Senhor, por favor. Se me disser o
que comeu eu vou retirar do bufê e faremos outro prato para o senhor.
— Acha que eu vou me arriscar a comer
a sua comida novamente? Deve estar louca!
— O senhor está me ofendendo! Não
fui...
— Quero que as cozinheiras nesse
restaurante pelo menos saibam cozinhar e não tentar envenenar os clientes!
— Por favor, senhor, se retire a vá
falar com o nosso gerente!
— Pois não duvide disso! Como é que
com uma comida dessas esse restaurante continua aberto?
— Sempre recebemos elogios da nossa
comida senhor. Só por causa de um erro vai desmerecer tudo que fizemos?
— Moça um erro desses pode acabar com
um restaurante e eu não quero que o meu seja processado por um erro infantil.
— Seu restaurante? – Marcela sentiu um
frio na barriga.
— Ora bolas! Você não me conhece?
— Claro que não!
— Meu nome é Luciano de Almeida e
Castilho, dono do restaurante.
Marcela gemeu ao ouvir isso. Ela estava
brigando como seu chefe!
— Por isso eu exijo que trabalhe
melhor!
— Mas não fui...
— Quem foi que ti contratou? Será que você
disse que sabia cozinhar?
— Da para parar de me ofender? Será que
você é o senhor perfeição que nunca acometeu um erro?
— Todo mundo comete erros, mas quase
matar uma pessoa com pimenta é ridículo!
— Pare de ser dramático e não fui eu
quem fez o que você comeu a menos que tenha sido uma sobremesa!
— E quem fez? – a voz dele estava
carregada de sarcasmo – O papai Noel?
— Boa tarde seu Luciano – Carminha estava
entrando na cozinha. Ela era cozinheira no restaurante desde o dia de sua
abertura – Gostou do arroz de auçá? Coloquei bastante pimenta como o senhor
gosta.
— Foi você que fez o meu prato Carmen?
– ele estava vermelho de vergonha.
— Claro menino – ela foi em direção às
panelas – Eu sempre faço a sua comida quando você vem aqui.
Relutante ele olhou para Marcela que
parecia que ia mordê-lo a qualquer momento, mas deu-lhe as costas com uma frase
mordaz:
— Acabou de achar o papai Noel, se
procurar um pouco talvez encontre o coelhinho da páscoa!