Capitulo 12
Mauro conseguiu colocar algo no
estômago sem vomitar. Tinha a cabeça levemente pesada e seu corpo doía todo,
mas ele precisava se mexer e foi para o cômodo onde Dalton tinha seus
apetrechos de esculturas e foi até o cavalete onde a tela que iniciara estava
parada. Retirou o pano olhando para a cena onde cavaleiros estavam dentro de um
cercado, chapéus para cima tocando gado em meio a uma nuvem de poeira.
Pela primeira vez resolveu olhar para
seus desenhos, mas olhar de verdade, sem se ater ao que escutara dos outros,
tendo apenas a sua opinião.
Percebeu que era sim um belo desenho,
com traços que faziam parecer vivos os seus personagens e, mesmo em preto e
branco, ele tinha a impressão de ver a nuvem de poeira vermelha levantar para o
céu azul.
Sentou na banqueta que tinha ali perto
e pegou as tintas lembrando do modo como Dalton mostrara que ele devia misturar
elas, como ele devia fazer as pinceladas.
Esvaziou a sua mente e começou a
colorir entrando com tudo na pintura. Sentiu como sua mente pareceu ficar mais
clara e ele ficar mais calmo e sem perceber estava sorrindo e se sentindo vivo
pela primeira vez em muito tempo.
Quando terminou olhou para o quadro
sentindo que fizera algo bom.
— Lindo – disse alguém atrás dele e
Mauro virou-se rápido dando de cara com Dalton sorrindo para ele – Poucos pintores
conseguem o efeito que você queria dar – ele chegou perto dele olhando mais
detidamente para a pintura – Parecem estar vivos.
— Então passei no crivo do artista
residente?
— Artista? – Dalton sentou do lado
dele – Não sei se isso é o certo.
— Você está bem Dalton? – não era
comum ver o ar de tristeza no rosto bonito do outro.
— Acho que sou um saco quando não
tenho inspiração – ele passou a mão pelo rosto em um gesto de desespero – Parece
que sou uma merda inútil quando isso acontece. Quando penso nisso parece o
certo. O que ganho não dá para sustentar uma família vou viver dos meus pais
até quando?
— Sabe suas esculturas são tão lindas
Dalton que parar de fazê-las seria um pecado. Não sou a melhor pessoa do mundo
para dar conselhos, mas acredito que haja um modo de se conseguir tudo na vida
sem ser infeliz. Acabamos aprendendo que ser feliz é um sonho distante, mas
será mesmo? Porque você não pode continuar esculpindo e sobreviver da sua arte?
Já pensou em expô-las em alguma galeria? Talvez em uma cidade maior, mas não
pare de fazer algo tão lindo.
Antes que desse conta Dalton o estava
puxando para um abraço e fungando em seu pescoço.
— Obrigado – disse ele chorando.
Por algum tempo eles ficaram ali,
entregues ao abraço e pensando em suas vidas.
— Bem – Dalton afastou-se limpando os
olhos – Se vou fazer isso você também!
— O que?
— É isso mesmo! – ele apontou para o
quadro – Vamos expor na cidade as minhas esculturas e as suas pinturas – ele ergueu
a mão quando viu que Mauro ia protestar – E antes que fale algo se você não for
eu também não vou.
Mauro olhou para o rosto sério do
outro e revirou os olhos.
— Bem a responsabilidade é sua! – mas ele
sorria.
— Certo! – Dalton olhou a pintura –
Então esse vai ser o nosso tema – apontou o quadro onde a tinta secava – Vamos mostrar
o homem do campo. O que acha?
— Acho que vai dar certo.
— Então mãos à obra!
Durante o mês seguinte Mauro e Dalton
ficavam trancados no galpão o tempo todo não deixando ninguém chegar perto, nem
mesmo Sacha que tinha um bico de três metros por causa disso, fazendo Wagner
rir dela o tempo todo.
Era uma época amena para todos.
Kaila estava preparando os seus
cavalos para uma exposição em Londrina, Bruno ficava mais tempo com a sua
namorada que dentro de casa, Dona Lúcia com o seu humor ácido resmungava com
Mauro, mas vivia dando a ele bolos e biscoitos já caída de amores pelo novo
neto. Godofredo... bem, Godo vivia do seu jeito sem se importar com nada,
vivendo a vida a cada segundo. Sacha e Wagner estavam felizes com os filhos
seguindo a sua vida, mas preocupados com Valentim.
Valentim era alguém que vivia sempre
na sua, mas começava a pouco a pouco ir se retraindo. Cuidava da fazenda, dos
pais e dos irmãos, mas não fazia mais nada, seu mundo se resumia a isso.
— Mesmo querendo sempre os meus filhos
perto de mim Valentim está me preocupando – disse Sacha nos braços do marido.
Os dois estavam sentados nas cadeiras
de vime que tinha na varanda vendo ao longe Kaila trotando junto com Gilberto. No
horizonte o sol se ponha em meio a muito vermelho e laranja e um vento frio
começava a soprar.
— Eu também estou preocupado, mas ele
não deixa a gente chegar perto dele. Tentei conversar, falar para ele dar uma
espairecida, mas ele nem mesmo quis me ouvir. Esse isolamento não é bom para ninguém.
— Obrigar ele a fazer as coisas não
parece o certo – disse se aconchegando mais ao marido – Vamos tentar
conversando com ele aos poucos.
Wagner apertou mais a esposa nos
braços sentindo o doce perfume que vinha dela. Beijos seus cabelos esfregando o
rosto neles ainda lembrando da sua maciez quando os beijos pela primeira vez.
— O que você está pensando velho?
— Velho? – Wagner olhou feio para ela –
Onde você está vendo o velho, heim mulher?
— Não é você que estava se queixando
de estar velho e cansado outro dia?
— Vou mostrar para você quem está
velho e cansado – disse ele levando e pegando a esposa nos braços – Mas é
melhor fazermos isso no quarto.
Rindo subiram as escadas.
— Punhado de pervertidos – disse Lúcia
e Godo que estava saindo gritou para ela.
— A inveja mata mãe.
— Vai ai diabo filho do capeta!
— Eu sou seu filho afinal!
Duda revirou os olhos na cozinha ao
ouvir algo quebrando e antes que Lucia entrasse ela já estava na sala de
vassoura e pá de lixo.
— Um dia você acerta – resmungou ela
para a senhora de oitenta anos cujo olhar se iluminou.
— Deus seja louvado!
Lá fora Dalton e Mauro davam os últimos
retoques para a exposição que fariam na praça da cidade. Já haviam conseguido
autorização da prefeitura e distribuídos parte dos convites.
— Nem acredito que fizemos tudo isso –
disse Mauro cansado, mas sorridente olhando para as pinturas e esculturas
espalhadas por todo barracão.
— Ficaram lindas – disse Dalton
tirando pedaços de madeira das roupas – Acho que merecemos uma noitada.
— O que sugere?
— Vamos para um banho e para um bar
perto da cidade. Na noite de sexta fica cheio e tem musica ao vivo.
— Depois de tanto trabalho eu aceito –
disse Mauro espreguiçando-se e sorrindo – Vamos nos arrumar.
— Mauro sei que você e meu irmão não
se dão muito bem, mas eu estava pesando e arrastar o Valentim com a gente.
— A gente se entendeu e eu não ligo
Dalton, mas porque arrastar?
— Ele anda mais parecido com um
eremita que qualquer coisa. Não quer sair nem nada e vive na fazenda só com a
gente. Droga isso não pode ser bom para a saúde!
— Bem hoje ele vai sair.
Ambos saíram e foram para a casa. Mauro
foi para o quarto e Dalton com a difícil tarefa de convencer o irmão que estava
no escritório olhando as contas.
— Ei Valentim – Dalton colocou a
cabeça na porta do escritório – Posso entrar?
— O que você quer Dalton? Estou em
meio às contas da fazenda.
— Bem senhor mal humorado – disse o
irmão colocando as mãos na cintura – Estou aqui comunicando que vamos sair
hoje.
— E você precisa me comunicar para
onde você vai?
— Preciso desde que você vai comigo.
— Dalton me deixe em paz.
— Vamos irmão – Dalton perdeu um pouco
de sua posa sentando perto do outro – Você sabe que ficar desse jeito não vai
resolver nada. Precisa sair e se distrair, eu e o Mauro vamos ao Bar do Val na
estrada Velha. Vamos passar a noite bêbados e rindo de bobagens e amanhã a
gente pensa nas coisas sérias.
— Dalton você sabe que esse não é o
meu estilo.
— Nem o meu, mas eu não vou ficar aqui
enquanto a vida passa. Quando notarmos somos um bando de velhos reclamando da
vida e cheios de artrite.
Valentim revirou os olhos, mas
balançou a cabeça.
— Parece que não tem jeito, alguém tem
que cuidar dos dois cabeças de vento.
— Isso!
Dalton pulou e abraçou o irmão que
ficou vermelho.
— Saímos em uma hora.
~~***~~
O Bar do Val era uma antiga casa de
fazenda que agora era um bar e restaurante que ficava afastado da cidade, mas a
Estrada Velha passava na sua frente. Era a estrada que os turistas pegavam para
visitar fazendas histórias ou ir até as cachoeiras abundantes naquela região.
Havia um grande estacionamento perto
da bar que já estava quase cheio. A velha casa em estilo colonial e pintada de
branco tinha uma grande varanda cercando ela de três lados onde estavam mesas
de madeira com quatro cadeiras também de madeira e estofadas.
As grandes janelas estavam abertas e
se podia ouvir risos e o som de uma guitarra vibrando ao som de George Benson.
Mauro ficou pasmo por encontrar alguém ali que ouvia o velho guitarrista negro
de Pittsburgh. Ouvira na internet o suas musicas e se apaixonara.
— Eles costumam tocar de tudo – disse Dalton
para o outro – Basta pedir.
Valentim dirigia e parecia um pouco
carrancudo, mas estava mais relaxado do que Mauro tinha visto em dias. A impressão
que ele tinha era que algo acontecera que o mais velho não queria contar nem
mesmo para a sua família, mas fosse o que fosse, o estava corroendo por dentro.
Saíram do carro e foram para o bar. Havia
mais meses ali dentro, mas um grande espaço mostrava a pista de dança. A banda
estava em um tablado a um metro de altura e em outra parede ficava um bar todo feito
em madeira escura com uma parede coberta de varias garrafas de bebidas. Dois homens
e duas mulheres atendiam no balcão onde haviam banquetas para as pessoas
sentarem e garçons vestidos de preto iam de uma mesa a outra pegando pedidos.
— Ei! – alguém os chamou e viram
sentados em um canto Dante e Dayno.
— Oi!
Mauro ficou feliz em rever os amigos
que não via a tento tempo e sem dar pela cara de desgosto de Dalton foi até a
mesa deles.
— Onde você tem andado? – perguntou Dante
ignorando Dalton.
— Eu e Dalton estamos preparando uma
exposição, vai ser domingo na praça da cidade. Espero que você vão.
— Pode apostar que vamos – disse Dayno
olhando feio par ao irmão gêmeo que estremecia – Para de frescura Dante! –
olhou os outros – Ola Dalton, Valentim.
— Como vão? – Valentim já precisara
dos serviços deles o conhecia os advogados, o que ele não entendia era o modo
que Dalton e Dante agiam. Parecia que um estava bravamente tentando ignorar o
outro.
— Por favor, sentem conosco – disse Dayno
ignorando Dante.
Mauro e Valentim aceitaram, mas Dalton
ainda não esquecera a cena no supermercado e sua vontade era chutar Dante quando
este deu um sorriso falso apontando a cadeira perto dele.
— O que vão beber?
— Cerveja – disse Dalton e Mauro, mas
Valentim balançou a cabeça.
— Alguém tem que tomar conta deles,
alem disso eu dirijo.
— Vai ser apenas uma cerveja – disse Dayno
sorrindo e chamando um garçom e pedindo cerveja para todos – Me fale da
exposição Dalton.
O rapaz ficou agradecido em ter algo
para falar e não ficar pensando o quanto era desconfortável ficar ali com Dante
olhando para ele com aqueles olhos.
Quando a cerveja chegou brindaram e
Dalton bebeu a sua em um só fôlego.
Sua perna direita encostava o tempo
todo em Dante e ele podia sentir o calor do outro através da calça jeans que
usava. Dante vestia-se de modo casual com jeans preto, camisa pólo vermelha e
botas marrons. A camisa estiva mostrando seus músculos e seu sorriso debochado
iluminava o rosto bonito. Ele apertou a garrafa sentindo seu jeans ficar
pequeno. Deus! Ele estava tendo uma ereção por tocar o idiota que o fez catar
latas de ervilha a tarde toda? O imbecil que o beijara a ponto dele perder o fôlego?
Aquela ia ser uma noite daquelas!
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