Capitulo 22 - Surpresas
Ele sentia o corpo pesado e dolorido, não com a dor que o fizera desfalecer ao ser penetrado tão brutalmente por Frey e Gwidion, mas um pouco dela estava ali. Sentia que estava em um colchão macio e seu corpo fora banhado e suas feridas tratadas. Valdi não queria abrir os olhos e ver no que se tornara. Havia feito por sua família, mas isso não mudava o fato de sentir um grande buraco em seu peito por estar preso aos piratas.
— “Cê” acha que ele ta morto? – perguntou uma voz infantil perto dele e sentiu uma pequena e quente mão segurar a sua.
— Não seja bobo! – disse outro parecendo mais velho – Ele está respirando.
— Quem machuco ele Owen?
— Eu não sei Brit, mas eu gosto do cabelo dele.
Valdi não queria acordar e enfrentar o mundo, mas a curiosidade foi maior e ele abriu lentamente as orbes vermelhas vendo diante de si dois garotos humanos pequenos. O menor deles devia ter uns seis anos e era negro com vivos olhos castanhos. O príncipe sabia que existiam humanos com essa cor de pele, mas eles eram muito raros e ele nunca havia visto nem um. O outro garoto era mais velho, com uns dez anos, pele branca e cheia de sardas com cabelos ruivos e olhos de um belo azul celeste. Ambos o olhavam com curiosidade.
— Ola! – disse o mais velho sorrindo – Meu nome é Owen e esse é o Brit. Papa disse que você agora também é nosso pai.
— Temos três pais agora! – Brit era todo sorrisos – Antes a gente não tinha nem um.
Valdi ilhou em choque para os garotos e mais pasmo ainda ficou ao ouvir que para eles ele era um pai agora. Sabia que Gwidion e Frey tinham três filhos adotivos e devia estar olhando para dois deles.
— Num gostou da gente? – perguntou Brit fazendo cara de choro que assustou Valdi que não tinha muita experiência com crianças.
— Não! – respondeu mais do que depressa com a voz rouca – Eu só me assustei acordando com vocês perto de mim.
— A gente não devia vir aqui, mas estávamos curiosos. Se Volgan não fosse um bebê ele também ia estar curioso – disse Owen balançando a cabeça para mostrar a sua lógica.
— Gostei de conhecer vocês – disse Valdi tentando sentar, mas a dor em sua bunda o obrigou a voltar a deitar – Meu nome é Valdi.
— Pai Valdi – disse Brit sorrindo mostrando um dente da frente faltando – Agora também é nosso papai.
Ele não sabia o que dizer nem o que pensar naquela situação, mas foi salvo pela entrada de Gwidion com uma bandeja olhando feio para os filhos.
— Meninos eu não falei que ele estava doente?
— Mas pai! – Brit fez um bico de meio quilometro olhando para o pirata com cara de cachorrinho perdido.
Gwidion pigarreou e ficou vermelho.
— Vão estudar e deixem o Valdi dormir. Quando ele estiver melhor vocês vem aqui.
Os meninos sorriram para ele e se despediram de Valdi beijando o seu rosto.
— Eles são ótimos meninos, mas as vezes eu não consigo controlá-los – disse Gwidion colocando a bandeja em um criado do lado da cama.
Valdi desviou o rosto não querendo olhar o humano que junto com Frey havia infringido tanta dor a ele.
— Olha eu sei que deve estar nos odiando e acredite eu também me odeio pelo que fiz. Ouvi tanto de Frey o tipo de monstros que os aurifenses são que me deixei levar pela raiva do meu companheiro e... sei que não tem desculpa, mas me desculpe pelo que fiz.
— Você me chama de monstro e pode ser que alguns do meu povo sejam. Saiba que eu vi a vida de Frey, compartilhou comigo suas lembranças e foram tão horríveis... Sinto muita dor ainda para aceitar as desculpas de vocês, mas eu entendo o porque dele ser assim.
— Raiva não é uma boa coisa, ela nos faz fazer merda como o que aprontamos com você. Saiba que a nave está indo rumo ao seu mundo.
Olhei surpreso para ele.
— Você vai ajudar meu povo em sua revolução?
— Claro. Você agora é parte da família e não podemos deixar o seu mundo com problemas, alem disso eu conversei com a minha tripulação e acho que chegou a hora de mudar os rumos de nossas vidas. Sei que o mundo de vocês não tem uma frota grande e estou esperando que nos aceita proteger seu sistema planetário e assim poder ficar em seu mundo – ele sentou nos pés na cama dele – Por muito tempo eu fiquei preocupado com meus filhos e acho que se conseguirmos fazer parte de Aurifen talvez eles não tenham que seguir essa vida.
— E acha que com isso vocês se redimem do que fizeram comigo? – Valdi nunca fora uma pessoa amarga, mas naquele momento as suas falas destilavam fel.
— Eu sei que não tem desculpa Valdi, mas se você compartilhou tudo conosco sabe quem e como Frey é – ele se levantou – Pense em uma coisa, estamos juntos para sempre agora e se ficarmos brigados como vai ser a nossa vida?
Ele estava saindo quando ouviu Valdi falar com a voz sumida.
— Adorei os seus filhos.
— Nossos Valdi, agora eles são seus também.
~~***~~
— Yaci?! – uma pessoa saiu do meio do grupo de homens armados.
Uliam Soltec estava com um grande curativo na testa e o rosto abatido, mas fora isso parecia bem.
— Graças a Deus você está vivo – disse ele dando um pequeno sorriso – Sabe sobre o restante?
— Não. Eu me separei dos outros fora da base e o meu transportador acabou sendo atingido e com alguma sorte consegui uma nave do governo que montou acampamento a cerca de cem quilômetros do ponto de ataque. Vim para o único lugar que eu me sentia seguro – seu olhar se voltou para a vila em chamas – A minha casa.
— O que houve?
— Seu pai deu ordem para que qualquer lugar que tivesse a remota chance de ter algum revoltoso fosse queimada. A noticia chegou a nós quase tarde demais. Conseguimos salvar boa parte das pessoas, mas o restante... – sua voz morreu e seu rosto marcado se contorceu de raiva – O que sabe sobre o restante?
— Nada. Estamos perdidos desde ontem...
Yaci ouviu um gemido de Ian e olhou para o rapaz que desmaiou em seus braços, tão pálido que o coração do príncipe falhou uma batida.
— Ian!! – ele pegou-o nos braços.
— Estamos em uma rede de cavernas não muito longe daqui – disse Uliam mais do que depressa – Ele precisa de atendimento médico urgente.
Com Ian nos braços Yaci acompanhou eles entrando novamente na densa floresta.
~~***~~
— Por que não há postos de controle aqui? – perguntou para Karl – Não que eu esteja reclamando.
— A policia não entra na região pobre, um acordo com os traficantes de drogas que até mesmo o governo respeita.
— Acordo entre a lei e traficantes?
Tiol não podia acreditar naquilo! Aquele era o seu belo mundo? Vivera tanto assim na ilusão?
Nas ruas perto do mercado haviam pessoas encostadas nas paredes bêbadas ou com o olhar perdido por causa do consumo de hermariáh, uma droga feira de um gás extraído de uma lua nos confins da federação de planetas. Altamente viciante, a droga era cara e seu trafico era combatido pelo planeta Terra, junto com a Federação há cerca de cem anos. A hermariáh provocava alucinações e fuga da realidade por horas e impedia o corpo de sentir fome, dor e cansaço. Ele nunca havia visto pessoas drogadas por aquilo, já que o seu povo desprezava as drogas, mas ao que parecia isso era outra das ilusões que ele vivia.
Sentia raiva de si mesmo por acreditar que o seu mundo era a terra da felicidade, de não ver o que acontecia.
Durante todo o tempo que ficara na base dos revolucionários ele ficara pensando na sua vida e em tudo que acontecera. Ele era tão orgulhoso que se recusava a ver o que estava diante se si e isso incluía quem ele era.
Percebera que não passava de uma pessoa fria e vazia, que estava preocupada em aliviar a sua dor dando dor aos outros, dor e desprezo. Ele via o mundo apenas algo que estava ali para servi-lo e nada mais. Quando percebeu essa verdade foi aos poucos querendo mudar por si e pelas pessoas a sua volta, mas não era tão fácil assim. Seu orgulho não deixava.
Um dos maiores choques da sua vida foi saber que ia ser pai. No momento ele queria matar seu pai e gritar de raiva. Um filho não era coisa que ele podia deixar de lado como ele fazia com tudo na vida. O que mais o surpreendeu foi perceber aos poucos que queria aquele filho, que queria conhecê-lo e ia acabar perdendo isso se não tentasse mudar.
Depois de uma esquina chegaram ao mercado ao ar livre com suas bancas cobertas de legumes, frutas e verduras coloridos, tonéis de grãos e farinha, pilhas de ovos azuis e vermelhos, tecidos brilhantes. Haviam montes de pessoas indo de barraca em barraca, na sua maioria mestiços.
— Se quer saber algo o melhor lugar para saber noticias é na taverna – disse Karl apontando para um lugar com aparência de sujo que deu náuseas no rapaz – Mas tome cuidado porque não é um lugar que um aurifense puro possa entrar e ficar falando. Entre, peça uma bebida e fique ouvindo. Daqui uma hora eu ti encontro aqui na porta e tenha cuidado! Se algo acontecer eu não conheço você!
Tiol bufou, mas foi para a taverna atravessando a porta de madeira para o interior de um bar iluminado por altas janelas, com um balcão que corria por toda uma parede, cheia de mesinhas de cadeiras de madeira e chão de pranchas de madeira largas. Ao contrario do exterior o interior era limpo, com tudo cheirando a madeira recém cortada e com móveis brilhando de verniz. A maioria das mesas estavam ocupadas por pessoas de todos os tipos desde mestiços e aurifenses puros.
Ele foi para o balcão e um garçom humano o atendeu dando sua bebida e ele ficou sentado ali com o capuz cobrindo sua cabeça a ouvindo as pessoas á sua volta.
— Não sei o que vamos fazer – disse um rapaz perto dele em voz baixa – O governo vem destruindo cidades por ai e proibindo todos os tipos de direitos nossos só porque querem prendem aqueles benditos príncipes.
— Não culpe eles – resmungou o outro – Eles estão tentando ajudar a gente.
— E isso é ajuda?
— Você queria continuar como estávamos?
— Pelo menos a gente tinha paz!
— E já estávamos ficando sem o que comer! Pense Jori! A gente tem que tomar um lado e lutar pelo que queremos. Acostumamos muito em aceitar tudo que acontece!
Jori bufou, mas não respondeu.
O barmen ligou uma televisão que ficava em um canto e Tiol não tinha percebido. As pessoas protestaram, mas o rapaz resmungou:
— Eu quero ver o futebol!
Ainda não começara o jogo e um jornal do governo dava noticias de um mundo que não existia onde tudo ia bem e não havia uma guerra explodindo por todos os lados.
Agora o repórter falava da prisão de muitos revolucionários que estavam destruindo a paz de um “belo” mundo e que as pessoas podiam ficar tranqüilas de agora em diante.
— Babaca – resmungou o amigo de Jori que chutou-o olhando em volta preocupado, mas houve muitos protestos das pessoas que estavam cheias do governo.
Tiol percebeu que seu pai estava perdendo o controle da situação já que as pessoas começavam a expor seu desagrado em publico.
Percebendo que o tempo havia passado, pagou a bebida a saiu do bar para a rua onde o sol ia alto e estava ficando quente. Perto da taverna uma barraca vendia pães que cheiravam bem e ele percebeu que estava com fome.
Foi até lá comprando um pão preto e comeu sem nada. Quando o príncipe Tiol de Aurifen ia pensar que ia ter tanta fome que ia gostar de comer pão puro?
Olhou para uma rua lateral onde um pequeno menino sujo que o olhava com os grandes olhos vermelhos. Ele estava encolhido perto de alguns latões de lixo que transbordavam e deixava o local fedendo.
— Como fome? – perguntou Tiol percebendo que não ia comer mais depois de ver o olhar pidão do menino que parecia ser um aurifense puro.
O menino pegou o pão e sorriu para ele dividindo em dois e entregando a ele um pedaço.
— Pode ficar – disse ele constrangido.
— Para nós dois – disse ele com a sua voz infantil.
— Tudo bem – pegou o pão – Como você se chama?
— Itieu – disse ele voltando a sorrir com o rosto coberto de farelo de pão.
— Onde estão seus pais?
— Mortos – ele respondeu com o olhar triste – Já faz um ano.
— Você vive sozinho.
— Vivo aqui agora, só eu e Pin – ele retirou do meio de um monte de papéis um guan, um animal parecido com esquilos da terra e de cor azul, muito usado como animais de estimação das classes baixas de Aurifen.
O guan ronronava na mão de Itieu e olhou para Tiol com os pequenos olhos azuis.
— Eu estava procurando você! – Karl apareceu com um saco nas costas e olhou para o pequeno com o olhar suavizando – Oi Itieu.
— Oi Karl. O moço me deu pão.
— Ele vive só aqui? – perguntou o príncipe para o rapaz.
— Assim como muitas crianças. Vamos!
— Eu... – olhou o menino que lhe lançava um olhar triste – Ele pode vir conosco?
— Tá doido? – resmungou para o outro – Lá não é orfanato!
— Eu pago. Não vou deixar ele aqui.
Karl o olhou de forma estranha, mas bufou.
— Faça o que queira!
— Quer vir comigo? – Tiol perguntou para a criança.
Itieu pulou em seu colo a abraçou ele pelo pescoço. Ele não podia acreditar no que fizera! Estava pegando uma criança de rua para tomar conta! Estava ficando louco? Mas a verdade é que não conseguia pensar em Itieu sozinho ali, na rua.
Começaram a andar pelas ruas voltando para o local onde estava a entrada do antigo metrô e passaram por uma rua onde algumas lojas populares se aglomeravam e em uma delas vendiam grandes Tvs de tela plana que estavam sintonizadas no canal do governo que ainda mostrava o noticiário. Ao ver o que estava passando Tiol parou de supetão e seu coração falhou uma batida.
Preso com pesadas correntes em um muro nos jardins do castelo, coberto de sinais de chibatadas e sangue e totalmente nu Abrahan era exposto ao publico como o grande traidor, o grande inimigo do império que fora preso pelo imperador e o locutor falava que Abrahan ia ser executado em praça publica em poucos minutos.