Capitulo 20 – A Caçada
Parte I
Era noite no planeta quando caímos.
Não podia ver nada que não fosse o brilho do fogo que nos cercava. Era bom que
a cabine fosse à prova de fogo, mas eu não via como a gente não virar uma
mancha no terreno abaixo de nós que se aproximava rápido.
— Almeora – resmungava Tiol – Tantos
lugares e tinha que ser em um país subdesenvolvido.
— Eu não acredito que você está
dando uma de preconceituoso com a gente prestes a morrer! – gritei com ele.
— Cale a boca Andrew! Eu não estou
reclamando por preconceito merda! Almeora é um país com poucos recursos e que é
muito ligado ao meu pai, vai ser difícil conseguir ajuda.
Certo, eu havia errado, mas eu não
ia pedir desculpas para esse grosso, nisso estejam certos!
O painel da nave apitou mostrando
que estávamos a cem metros do chão e segundos depois senti um solavanco que
quase me arrancou do banco. Meu corpo foi jogado de um lado para o outro e
minha cabeça bateu em algo que eu não identifiquei e fiquei fora do ar por
alguns minutos. Ao acordar vi que estava de cabeça para baixo sustentado pelo
cinto de segurança.
Gemi de dor de cabeça e tossi com a
fumaça que entrava pela cabine.
— Tiol! – gritei, mas não houve
resposta.
De repente a nave rolou ficando na
posição certa e eu pensei que ia vomitar com as náuseas que subiram à minha
garganta pela dor de cabeça.
Tentei sacudir o ombro do príncipe e
vi que ele estava desacordado e eu esperava que fosse apenas desacordado.
Havia um painel na minha frente e eu
felizmente sabia qual botão apertar para erguer a cobertura. Com um barulho hidráulico
a capota de vidro blindado subiu e eu percebi que estávamos em um oceano de
fumaça com fogo que parecia vir debaixo da cabine salva vidas.
Levantei superando a tontura e olhei
Tiol que estava com o rosto coberto de sangue que vinha de um profundo corte
que descia de sua testa indo até a têmpora. Mesmo comigo chamando e balançando
o seu ombro ele não acordou e eu não tive outra opção. Retirei o cinto dele e
pulei para o seu banco.
Até hoje eu não sei como eu coloquei
o grande aurifense sobre um ombro e pulei para o chão, acredito que a
adrenalina tenha ajudado muito.
Assim que meus pés tocaram o chão
meus joelhos dobraram e eu tentei não machucar Tiol ainda mais. Arrastei ele
para longe da fumaça e voltei para a cabine.
Sei o que vocês devem estar
pensando: “O que esse louco vai fazer lá?” A verdade é que eu sabia algo sobre
as naves, havia sido um dos poucos assuntos que prendeu o meu interesse na vida.
Dentro das cabines de socorro normalmente havia uma mochila com suprimentos e
materiais de sobrevivência. Eu precisava achá-la se queria ajudar Tiol e
sobreviver ali.
Escalei com alguma dificuldade os
destroços que estavam ficando quentes e com labaredas subindo por sua parte
traseira. Quase sufocado pela fumaça eu procurei achando a mochila do lado do
meu banco. Deveria ter outra, mas eu não tinha tempo.
Quando ia sair à nave adernou e eu
caio para trás voltando à cabine e vi a cúpula se fechando e eu não sabia se eu
ia conseguir abri-la. Tentei ficar em pé, mas meu pé escorregou e eu fui com
tudo para trás e a nave continuou virando e a cúpula de vidro se fechando para
me prender em um forno.
Empurrei meu corpo para frente,
segurei no metal quente as borda queimando a minha mão, mas eu nem notei. Com um
impulso desesperado eu pulei da nave no exato momento que ela rolou para uma
ribanceira que eu não notara por ser noite fechada. Escutei o estrondo de
quando ela parou lá no fundo e o brilho das chamas ajudaram a ver que estávamos
em uma floresta fechada e por muito pouco não caímos no fundo de um cânion.
Suspirei de alivio e senti a
queimadura na minha mão, mas não havia tempo para sentir pena de mim mesmo.
Erant estava morto e eu não ia deixar Tiol morrer também, mesmo que a minha
vontade fosse eu dar uns tapas por essa ideia idiota.
Mancando voltei para junto dele e
tateei na mochila até achar uma lanterna e dar uma melhor olhada no príncipe.
— Droga odeio sangue.
Respirei fundo e comecei a colocar
uns curativos no corte depois de tê-lo limpado. Os curativos feitos de gel
colaram a pele e selaram o sangue fazendo o ferimento se fechar rapidamente e
deixar pouca cicatriz. Tentei fazer um curativo em minha mão, mas eu não tinha
ideia do que passar nela e apenas usei um gel para aliviar o ardor e a
enfaixei. Coloquei a mochila no ombro e respirei fundo empurrando Tiol
novamente para o meu ombro e a passos de bebê eu fui me embrenhando na floresta
tentando me afastar o máximo possível do lugar do pouso.
Não sei quanto eu andei e para que
lado eu fui. A lanterna iluminava apenas um pequeno circulo e eu ficava sempre
a escuta de naves, mas o único som eram os meus arquejos e o barulho dos
animais. Até aquele momento eu tentara não me preocupar com eles.
Algum tempo depois eu não conseguia
dar mais nem um passo e parei perto de uma rocha chata que se projetava da
vegetação. Olhando por baixo dela percebi que era uma caverna e que não era
habitada por mais nada. Arrastei-me para lá puxando Tiol e me vi em uma laje de
pedra com paredes de três lados e uma entrada apertada. O teto era alto o suficiente
para que eu ficasse em pé e acreditei que estávamos seguros ali por enquanto;
era hora de montar acampamento apesar de ser um leigo total em sobrevivência eu
tentei usar o que sabia do que assisti em filmes de aventura.
Abri a mochila tirando o colchão de
campanha que se enchia de ar e ficava confortável e o estendi na laje colocando
o peso morto do Tiol lá. Revirei o restante da mochila. Não havia muita coisa:
um cobertor térmico, a caixa de primeiros socorros e um saquinho com três barras
de energia, nada mais, nem radio ou uma arma.
Desanimado eu deitei perto de Tiol
puxando o cobertos para nós e usando a mochila de travesseiro me forcei a
dormir. Eu não queria pensar em estar grávido, na frieza de Tiol, na guerra, em
Erant morrendo nos meus braços, em estar perdidos e no porque eu me importei
tanto com aquele maldito príncipe que devia ter um cubo de gele em vez de
coração. O que eu precisava era manter minhas forças para sobreviver. Fechando os
olhos eu mergulhei no mundo dos sonhos que tampouco foi gentil comigo.
Acordei sobressaltado com Tiol gemendo
e sentando. Havia alguma luz do dia entrando pelas frestas das plantas que
escondiam a entrada. Vi o quando ele estava pálido e como segurava a cabeça.
— Merda! Minha cabeça!
— Infelizmente você ainda esta com
ela – ele me olhou como se visse um fantasma – O que? Achou que eu estava
morto? Se fosse assim quem ia salvar essa sua bunda branquela?
— Do que você está falando?
— Da sua estratégia idiota! – gritei
para ele – Nós caímos como um meteoro. A cabine se incendiou e você bateu a
cabeça sei lá onde e eu tive que ti jogar em meu ombro e pular para o chão. O que
restou da nave caiu em um precipício em chamas.
— Ótimo, assim vão pensar que caímos
lá e talvez escapemos de sermos procurados.
— Que?! EU salvei a sua vida
patética e você diz ótimo? Eu deveria tê-lo deixado queimar lá!
— Por que não o fez?
Até hoje ao lembrar-se disso eu
tenho vontade de bater tanto no Tiol que ia deixá-lo na cama por uma semana.
— Quer saber? – eu me levantei para
sair – É porque eu não sou como você, eu não sou como seu pai. Acredito que se
fosse comigo teria me deixado morrer ali.
Lancei um olhar de desprezo para ele
e sai para a floresta e olhando pasmo à minha volta. As árvores eram tão altas
que eu inclinei bem a minha cabeça para olhar bem para elas. Haviam mais rochas
por ali e em meio delas nasciam arbustos cobertos de flores azuis que
floresciam em cachos e tinham um perfume doce de mel. As plantas rasteiras eram
roxas e cobriam o chão em meio às folhas que caiam das arvores gigantes. Ali perto
havia uma nascente que gorgolejava mansamente descendo por pedras e sumindo de
vista.
— Andrew! – Tiol saiu lançando um
olhar surpreso para onde estávamos – Uma floresta de pinas! São árvores de
reflorestamento muito antigas. Devemos estar perto de alguma cidade.
Eu procurei ignorar que ele existia.
— Andrew me desculpe...
— Desculpas?? – virei para ele
colocando o dedo em seu rosto – Eu to cheio de você! Você não merece ter um pai
como Abrahan que aceitava as torturas do imperador só para ti proteger! Você não
merece ter um filho e eu sinceramente não quero que ele ti conheça!
— E você é o que? Perfeito?
— Não, mas eu mudei, eu aceitei
mudar e você não. Saiba que esta matando o que eu pude ter sentido algum dia.
— Mesmo? – ele tocou na testa e me
olhou de um modo como nunca fizera – Acha que eu finalmente consegui isso? Por que
era o que eu queria desde o inicio. Você não pode me amar, ninguém pode e é
melhor assim.
— Que doidera você ta falando?
— Você mesmo disse Andrew, eu não
sou boa pessoa.
— Por quê?
— Eu sou um monstro e isso é o que
eu preciso para pagar os meus pecados.
— Tiol!...
— Eu... – ele deu uma risada sem
alegria – Eu vi ele o matar e não fiz nada, nada. Mereço o ódio, mereço a
raiva.
— Você quer me dizer o que está
falando?
— Não. Precisamos achar um modo se
nos comunicarmos com os revolucionários.
— De jeito nem! Eu não vou ficar
aqui me remoendo sabendo que você tem as respostas para tudo isso. Me fale!
— Você quer saber a verdade? –
enfurecido Tiol segurou os meus ombros os apertando que iam deixar marcas roxas
– Eu tinha um namorado há anos atrás, um garoto mestiço que era ajudante de
limpeza. Passei a minha adolescência junto dele, fugindo para os bosques, nos
amando até que meu pai percebeu e o pegou. Eu sabia do porão e corri para lá e
quando vi meu pai o matando, cortando seu corpo em tirar eu fiquei com medo e
fugi como o covarde que sou o monstro que há de verdade dentro de mim, afinal
não sou filho do meu pai? O sangue dele não corre em minhas veias?
— Você teria salvado ele?
— O que?
— Me responda! Teria salvado ele?
— Não. Haviam guardas demais ali,
ajudando meu pai com sua perversões. Eu em nada poderia fazer.
— Então você tem a sua resposta.
Ele me soltou como se a minha pele
queimasse a sua mão e me olhou com os olhos vermelhos transtornados.
— Precisamos ir.
Ele parecia aturdido e eu procurei
não pressionar ainda mais. Juntamos as nossas poucas coisas e iniciamos a
caminhada segundo o córrego em que a nascente se transformava ao longo do
caminho.
Bem, aurifenses devem ter uma grande
resistência, mas eu sou apenas humano e depois de algumas horas eu estava
sentindo cada parte dolorida do meu corpo e minha mão latejava alem de estar
com muita fome.
Eu parei cruzando os braços.
— Tiol! – gritei para ele e o príncipe
virou-se sobressaltado – Eu sei lá de onde você tira sua energia, mas eu
preciso comer e descansar.
— Não temos tempo para isso Andrew!
— Então vai sozinho – respondi
perdendo a minha pouca paciência – Eu vou me sentar aqui e esperar o mundo
acabar.
Sentei no chão e o aurifense veio
até mim trotando.
— Por que você tem que ser tão
teimoso?
— E porque você tem que ser tão insensível?
– rebati.
O príncipe bufou e sentou ao meu
lado revirando na mochila e tirando uma das barras de energia e dando para mim.
Ele comeu a outra com ar ausente e eu quase cuspi aquele treco que tinha gosto
de manteiga e trigo.
— Precisa ser tão ruim?
— Pare de reclamar!
— Depois de ter salvado a sua vida
ontem acho que adquiri esse direito.
— Vai ficar jogando isso na minha
cara?
— Com prazer.
Ele voltou a bufar e eu não consegui
deixar de rir. Ele me olhou ainda mais contrariado, mas eu vi uma leve torção
em seus lábios como se ele estivesse tentando não sorrir de mim.
Bem, era um começo.
Dez minutos depois voltamos a andar
e eu xinguei ele de tirano e ele me mandou... bem isso é melhor pular.
A tarde já estava chegando quando
avistamos uma auto-estrada, mas onde transitavam alguns carros tão velhos que
nem os museus da Terra iam querer e na sua maioria haviam carroças com cavalos,
eles pareciam cavalos, mas eram de tantas cores que eu fiquei na duvida se
havia salão de beleza eqüino para tingir pelos.
Assumindo o risco Tiol aceitou a
carona de um velho senhor mestiço que nos olhou curioso, mas nada disse.
Entramos em uma cidade e eu percebi
que estávamos imersos na pobreza. As casas eram de tijolos de barro, as ruas
não tinham calçamento e o transito levantava nuvens de poeira que espiralava
por entre casas velhas e lojas decrépitas. Descemos em uma praça e vimos que o único
telefone publico não funcionava.
— Maravilha! – resmunguei – O que a
ente faz agora?
Não sei o que Tiol ia responder, mas
fosse o que fosse se perdeu no estrondo dos helicópteros chegando, dezenas
deles escurecendo o céu a chamando a atenção de todos. Eles desapareceram ao
oeste por entre as casas, mas o que eles deveriam estar procurando era um lugar
para pousar e deveria ser fora da cidade.
Tiol me arrastou para um amontoado
de casas em meio a becos e lixo tentando nos esconder da caçada que ia ter
inicio.
uhf.... que emocionante!!! que passara?
ResponderExcluirgracias dallas32.
tô adorando sua história,fico me coçando pelo proximo capítulo,obrigada por dividir ela comigo e com quem gosta de uma boa leitura,uma semana luminosa á voce.
ResponderExcluir