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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O escravo - Capitulo 25 Vamos a Guerra

Capitulo 25 - Vamos a Guerra

A rede de cavernas do antigo metrô era imensa, mas havia outras cavernas mais antigas, fruto de extrações de pedras preciosas que pareciam um labirinto.

A nossa sorte era que Tiesis e Karl conheciam bem aqueles caminhos e pudemos nos embrenhar neles.

Olhei para as paredes à luz das lanternas vendo restos brilhantes de jóias esquecidas ali. Eram as mais baratas, aquelas que não compensava tirar da rocha.

Quartzos multicoloridos apareciam a todo o momento dando uma sensação de estarmos em um arco-íres de dezenas de cores. O chão era plano e o ar cheirava a terra, mas não era um ar pesado e estagnado mostrando que correntes de ar circulavam por ali. O chão era liso, plano por dezenas de pés da época em que Aurifen ainda nem sabia que havia outros mundos no universo.

Cada um carregava uma mochila com o essencial para a sobrevivência, eu não carregava nada, já tinha a minha dolorida carcaça para arrastar pelos buracos aurifenses.

Tiesis havia me dado o remédio, mas este demoraria 24 horas para que algum efeito fosse sentido, então eu ia ter que suportar as minhas dores.

— Tudo bem? – Karl chegou perto de mim me olhando preocupado.

— Cansado, mas acho que essa é uma condição permanente minha – disse dando de ombros.

— Minha mãe me contou que está esperando um filho – ele olhou curioso para a minha barriga – Como meu pai biológico.

— Não sabe o quanto isso é estranho. Acho que uma mulher está preparada para isso e que o choque é menor, mas eu nunca na minha vida me imaginei grávido.

— Eu acho interessante. Nunca vi meu pai biológico, mas a mãe e o pai falam que era uma pessoa incrível que os amava muito e que adorou saber que ia ter um filho.

— No começo eu fiquei doido, eu nem mesmo sabia o que pensar ou dizer, mas quando o tempo passou eu percebi que não consigo mais pensar na minha existência sem meu filho.

— Todos nós temos medo daquilo que desconhecemos – ele disse sorrindo com os olhos verdes brilhando.

Realmente Karl era um homem lindo. A pele era muito branca como os aurifenses, mas os cabelos castanhos e olhos verdes mostravam sua descendência humana.

— Acho que o meu maior medo é na verdade não ser um bom pai. Nunca tive bons exemplos e nem sei como vou cuidar de uma criança.

— Acredito que as coisas sempre acabam se resolvendo.

— Você é otimista para alguém que já viveu com tantos problemas – disse sorrindo com as palavras dele.

— Acho que aprendi a ver o lado bom das coisas, mas nem sempre sou assim. Tem horas que estou cheio de me esconder e só queria viver uma vida normal.

— Por muito tempo eu não tive muitas metas na minha vida e hoje eu fico me perguntando se meus pais me venderam porque eu não passava de uma casca que só lhes trazia problemas.

— Mesmo que isso fosse verdade Andrew, ninguém tem o direito de dispor da vida de outro ser dessa forma. Você venderia seu filho?

— Não! – eu nem havia pensado na resposta.

Nunca ia fazer meu filho passar pelo que passei.

— Acho, então, que você vai dar um bom pai.

Rimos juntos.

Tiol estava ali perto com cara de poucos amigos e eu estava me lixando. Eu acho que ele tinha prazer em me ver triste e encolhido por ai e sempre que tinha um motivo para rir lá estava ele me olhando com raiva. Sabe fodasse!

Mark e Itieu estavam olhando as pedras com alegria própria das crianças e isso me aliviava, bastavam os adultos estarem com os nervos à flor da pele.

Andamos por mais três horas em meio a um silêncio reconfortante mostrando que ainda não estávamos sendo seguidos.

Finalmente vimos uma luz no fundo das cavernas e saímos para um mata fechada e já escura. O sol se punha lá fora deixando tudo na obscuridade.

— Eu to cansado – gemi sentando em uma pedra perto da entrada do túnel – Juro que não tem como eu dar mais nem um passo.

— Sei que está cansado, mas temos que nos embrenhar na mata – disse Ana olhando preocupada para mim.

Andar?! Eu nem podia me levantar e ela achava que eu ia conseguir andar?

— Uma ajuda? – Karl me surpreendeu ao me levantar no colo.

— Ei! Assim vou acabar com a sua coluna assim! – dei um grito me agarrando em seu pescoço.

— Esquece que sou meio aurifense e que esse povo é mais forte que os seres humanos normais? – ele riu para mim e não pude deixar de acompanhá-lo.

— E VOCÊ se esquece que ele tem dono? – Tiol estava rosnando perto de nós e eu olhei feio para ele.

— Eu não sou nada seu! Deixei de ser seu escravo quando fomos para a revolução, além do mais por você eu ia me arrastar por ai e você nem ia ligar.

— Mas eu estou aqui agora e não vou aceitar isso. Eu carrego você!

— Merda! – sai do colo de Karl olhando feio para Tiol – Eu prefiro ir plantando bananeiras! – gritei indo para junto de Ana e Tiesis que iam à frente.

Mark e Itieu corriam pelas árvores rindo e eu perdi o olhar de raiva que os dois atrás de mim lançaram um para o outro.

— Venha – Ana segurou a minha mão e fomos andando – O meu menino está apenas curioso com você, por ser como o outro pai dele.

— Karl sabe que você é companheiro de Tiol – disse Tiesis.

— Eu não sou nada dele!

— Então ele não sabe disso – disse Ana rindo – Nunca vi ninguém tão enciumado, afinal não é muito comum entre os aurifenses.

— Como não?! – Tiesis colocou a mão no braço dela e a olhou com amor – Eu morro de ciúmes da minha esposa. Você é minha e fim de papo.

— Adoro quando me domina amor – os dois riram da brincadeira, mas eu estava olhando para trás onde Karl e Tiol andavam bem afastados um do outro.

Ciúmes? Não mesmo!

~~***~~

Duas horas depois achamos uma caverna que não era habitada por animais. Era uma gruta que avançava oito metros onde no fundo havia um pequeno córrego e uma grande área coberta de areia clara. O ar cheirava a umidade, mas eu nem me incomodava. Era um local de relativa segurança, com a entrada bem camuflada.

Juntaram alguma lenha, enquanto eu deitava em um canto com um gemido e Ana arrumava as coisas e colocava umas pedras para fazer fogo.

Depois que os meninos trouxeram a lenha (para o meu espanto Tiol também ajudou) ela ascendeu logo o fogo deixando a caverna com alguma fumaça e cheiro de madeira de pinho queimada.

Ele colocou a uma panela no fogo fazendo uma sopa com alguns legumes que havia trazido e carne desidratada.

— Está frio – Itieu tremeu perto de mim apertando o guan que ronronava.

— Vem – disse me afastando para ele me afastando para que ele pudesse deitar do meu lado.

O menino sorriu para mim deitando debaixo do cobertor.

— Itieu você lembra-se dos seus pais?

O menino ficou uns segundos acariciando o seu bichinho e finalmente me respondeu.

— Não muito, eu era muito pequeno quando eles morreram – como se ele não fosse pequeno agora – Lembro da minha mãe e ela tinha lindos cabelos brancos. Um dia homens estranhos entraram na nossa casa e mataram eles. Minha mãe me colocou em um armário. Quando eles foram embora eu sai e corri pelas ruas com medo. Ai eu vivi sozinho até Tiol me trazer para vocês – ele me olhou com seus grandes olhos – Você não gostou de mim, não é?

— Por quê? Claro que gosto de você, é que eu estava meio brigado com Tiol e ai a gente discute.

— Ele tem medo – sussurrou para mim o menino apertando o guan de encontro ao peito – Ele tem medo de gostar.

Franzi as sobrancelhas para o que ele havia dito e olhei para o príncipe que estava perto do fogo sozinho.

Os outros estavam reunidos perto da panela conversando com Ana que era o centro da vida deles. Mesmo com tudo que estava acontecendo eu via o amor ali, via o modo como cada um se tratava.

Imaginei em como fora para Tiol crescer no ambiente que crescera, em ter um pai que não se importava com os sentimentos dos outros, acho até que o imperador nem sabia que as pessoas tinham algum sentimento.

Deve ter sido difícil e mais, aprender a amar e confiar não é tarefa fácil, ainda mais quando a família era como a dele.

Eu não queria sentir pena ou desculpar Tiol, mas no fim eu me vi me perguntando se não podia fazer isso. O que eu ia ganhar com ficar com raiva? Em sempre apontar que ele era uma má pessoa e que havia me comprado? Como seria o meu futuro e o da criança que carregava assim?

Pensei em chamá-lo para conversar quando ouvimos estrondos ao longe fazendo com que meu coração viesse até a boca.

— Vou dar uma olhada – disse Tiol levantando e voltando poucos minutos depois pálido e com o maxilar rígido o que sempre acontecia quando ele estava com muita raiva – A cidade está sendo bombardeada.

~~***~~

Valdi estava bem melhor, mas ficou na cama sem querer falar com ninguém. Só de pensar que toda a nave havia visto ser violado da forma que fora sentia náuseas.

Quando a porta abriu ele virou para o outro lado não querendo ver ou falar com Gwidion.

— Precisamos conversar – era a voz de Frey e Valdi estremeceu não acreditando no quanto era covarde ao fazer isso.

— Eu não quero falar com você – ele resmungou.

— Valdi eu sei que me desculpar...

— E porque você se desculparia! – Valdi sentou brusco e procurou não ligar para a dor que sentia – Eu vi as suas lembranças Frey e sei que você só fez o que fizeram para você.

— Isso é verdade – ele olhou Valdi com os olhos atormentados – Mas também é verdade que o seu povo não é todo assim, que eu generalizei através de uma experiência, que fiz uma coisa horrenda com você que não pode ser reparada. Me desculpe.

— Eu não sou rancoroso Frey e sei que vamos viver juntos de agora em diante, mas, por favor, não acredite que vou esquecer o que fez, não pela dor, mas pela humilhação que passei. Posso até tentar conviver com vocês, mas certas coisas ficam gravadas em nossa alma a fogo.

— Eu sei disso e foi esse fato que me levou ao que aconteceu Valdi. Vamos tentar seguir em frente, mesmo que agora parece impossível.

Valdi não queria chorar, lágrimas não vinham fácil para ele. Eram como um símbolo de fraqueza que ele não podia deixar transparecer par que assim pudesse mostrar sua força para a sua família, mas agora ele tinha outra família e ia dar-se o luxo de ser fraco.

Baixando a cabeça deixou que os olhos vermelhos começassem a se encher da lágrimas.
De repente alguém se agarrou a ele e percebeu que Frey o abraçava também chorando, tomado de uma dor que o aurifense também sentia.

— Eu estava preocupado com vocês dois – disse Gwidion entrando com um bebê nos braços que se mexia inquieto – Esta tudo bem?

— Melhor – disse Valdi tentando se acertar com sua família.

— Bem Valdi eu gostaria que conhecesse o nosso caçula Volgan.

Gwidion foi até a cama e colocou o bebê no colo de Valdi deixando ele duro de medo.

— Eu vou deixar ele cair!

— Não vai não – Frey mostrou como segurar o pequeno que começou a rir olhando para Valdi que não pode deixar de sorrir dele.

— A gente quer entrar também! – Owen estava na porta com o pequeno Brit atrás dele.

— Eu não pedi para vocês ficarem no quarto? – Gwidion olhou contrariado para os filhos.

— Venham aqui – Valdi bateu na cama e os dois sentaram ali, com Brit subindo no colo de Frey que o apertou nos braços.

— Bem meninos já que estão aqui quero que conheçam o pai Valdi de vocês – disse Gwidion – Ele é de um mundo chamado Aurifen.

— Eu queria morar em um mundo – disse Brit olhando pidão para Frey – Não podemos papa?

— Podemos Brit – Frey fez um carinho nos cabelos encaracolados do menino – Vamos com pai Valdi para o mundo dele e se pudermos vamos morar ali.

— Com uma casa e árvores? – Owen olhou para Valdi com os olhos brilhando – Eu adoro árvores pai Valdi!

Era incrível em como aquelas crianças haviam aceitado ele e devia confessar que o sentimento de ter aquele pequeno ser em seus braços e de se ver cercado deles aquecia o seu coração fazendo com que segurar as lágrimas fosse impossível.

— Tá dodói? – Brit saiu do colo de Frey ficando de joelhos no colchão perto dele e beijando seu rosto – Papa diz que beijar ajuda a sarar.

— Eu também!

Logo Valdi estava sendo beijada no rosto pelos dois meninos fazendo com que ele caísse na risada o que fez Volgan rir também balançando pernas e braços.

Olhou para os dois piratas preso entre tristeza e alegria, e um fato que agora era imutável, ele tinha uma família.

~~***~~

Eu não queria nem mesmo olhar para o que acontecia lá fora, só de pensar nas pessoas na cidade eu tinha náuseas.

— Acha que havia alguma célula da revolução lá? – Tiesis perguntou para Tiol.

— Eu não sei e me pergunto o que meu pai estará fazendo no resto do mundo se ele ataca assim um país fiel a ele – Droga! – Tio socou o chão onde ele estava sentado – Temos que achar um modo de dar um golpe de estado. Preciso achar Yaci para que tentemos matar meu pai.

Ana olhou com pena para o príncipe.

— Sei que seu pai é um monstro Tiol, mas matar ele?

— É o único modo de ter um golpe de estado legitimo e que possa levar Yaci ao governo – Tiol olhou rígido para o fogo – Adamas não é meu pai Ana, meu pai é Abrahan. Adamas é o que você disse um monstro e como tal deve ser parado.

Ana abraçou Tiol que se deixou ficar nos braços dela. Era surpreendente em como ela conseguia mostrar um pouco do príncipe que ele não deixava ninguém ver.

— Vai demorar um pouco para chegarmos ao porto – disse Karl – Mas não podemos ir pelas estradas. Teremos que pegar caminhos alternativos e ficar longe.

— Espero que a revolução esteja fazendo algo – disse preocupado com o nosso futuro.

E Yaci estava fazendo algo. Enquanto Ian descansava ele, junto a Uliam estavam organizando as redes de informação das células revolucionarias em todo o planeta e o príncipe herdeiro descobrira o que acontecera a Abrahan deixando ele muito transtornado.

Depois de horas ele conseguira entrar em contato com Erim Gnare que estava com seu papa e com alivio descobrira que estavam ambos bem e indo rumo ao ponto de encontro.

Yaci estava aliviado com a possibilidade de juntar a sua família novamente.

Caças de vários pontos do planeta começaram um ataque contras as forças do imperador e uma rede de informações tentava encontrar desertores nas tropas que estivessem dispostos a entregar planos de batalha de Adamas par eles.

Técnicos começaram a preparar o plano de Yaci de chegar até seu pai e conseguir um duelo com ele.

Tudo estava sendo testado nos mínimos detalhes e o príncipe coçou os olhos cansados nas primeiras horas do amanhecer.

— Vá descansar garoto – disse Uliam para ele – Deixe que tomamos conta de agora em diante. Seu companheiro já foi para o quarto, esta medicado e bem.

Yaci sorriu para Uliam e se arrastou para uma parte do complexo onde haviam quartos, eram pequenos e com apenas uma cama e um armário, mas isso não importava para ele, só o que lhe interessava era em Ian deitado ali, todo encolhido e com o rosto com sinais de cansaço. Queria tanto que pudesse dar uma vida diferente para ele, mas ele era o príncipe herdeiro e ia procurar fazer o melhor por seu povo, mas quando tudo isso terminasse ele ia se casar com Ian e mandar a sociedade se danar.

Retirou a roupa e deitou do lado do garoto abraçando seu corpo magro e acariciando a barriga que ia aparecendo.

— Mestre? – Ian disse com a voz sonolenta se esfregando nele.

— Tudo bem amor, volte a dormir.

Ian encaixou-se melhor no corpo musculoso do príncipe e dormiu com um sorriso, mas Yaci demorou muito a deixar o sono tomar conta; o peso de um mundo o oprimia.




 



domingo, 23 de setembro de 2012

O Escravo - Capitulo 24 - Fuga

Pessoal não sei como me desculpar por ter demorado tanto em postar, mas tive um punhado de problemas que espero resolver com o passar dos dias, enfim espero que gostem de capitulo e que possa postar com mais frequência de agora em diante.
Beijos da Dalla 




Capitulo 24 - Fuga



E o que acontecia comigo enquanto todo esse drama desenrolava lá fora? Eu fui ficando bem ruinzinho, tipo febril e com dores.

Ana esteve me consultando e eu soube que ela era médica entes da família vendê-la como escrava para os aurifenses.

— Como? Eu fui vendido porque era menor e não era dono de minha vida, mas você era adulta e formada!

— A minha família sempre adorou a boa vida e também as drogas e elas são muito caras. Quando o meu dinheiro não foi o suficiente eles acharam que eu valia mais sendo vendida. Um dia me drogaram e me mandaram para um traficante onde fui vendida para a família de Tiesis – olhou o marido que estava perto do fogo e sorriu para ela.

— Mesmo que isso possa parecer estanho – Ana voltou a me olhar – Mas se isso não acontecesse eu continuaria a viver naquele mundo, em meio aos humanos interiores.

— Eu já ouvi que a nossa raça está decadente Ana, você acha isso?

— O melhor termo é em cessação. Os humanos da terra usam essa palavra para designar uma raça que está entrando em suspenso com a sua evolução e quando isso acontece ele pode tomar dois caminhos: ou volta a evoluir ou se entrega a morte biológica da raça. A nossa está morrendo e ninguém mais se importa, eles estão aceitando seu fim.

— É tão estranho – gemi tentando achar uma posição mais confortável – Até alguns meses atrás eu nem mesmo imaginava isso. Vivia de um modo sem sentido, mas é como a maioria dos jovens interiores vive e quando me dei conta eu estava aqui, escravo e sem saber o que fazer ou o que querer. Meus amigos viviam bebendo, se drogando e fazendo arruaças. Acabei na cadeia varias vezes e nem ligava para isso, eu acho que nem ligava para mais nada.

— E agora?

— Agora?! – pensei no bebê que gerava e descobri que não havia pensado muito no futuro, se é que tínhamos futuro naquele situação.

Ana deu um sorriso e tocou na minha barriga me fazendo pular. Eu nada havia revelado sobre o feto e não sabia o que dizer, como falar que eu estava “grávido”!

— Seu filho está crescendo.

— Como você descobriu?

— Não esqueça que sou médica! – ele riu – Além do mais eu sei do projeto do governo sobre a gravidez masculina.

— Como pode saber sobre isso?!

— Eu era um dos provedores de recursos – disse o calado Tiesis – Estavamos procurando um caminho para que a nossa população aumentasse e nada parecia dar certo até que os cientistas acharam que podiam usar homens como hospedeiros de fetos, mas não deu certo. O corpo rejeitava rapidamente e o índice de suicídio foi muito alto.

 — Suicídio?! – achei aquilo estranho.

— Os fetos aurifenses são ligados aos pais não apenas de corpo, mas também de alma – explicou Ana – Há um grande compartilhamento entre os pais sejam que de sexo for. É muito, mas muito raros os abortos, mas quando acontecem sempre são seguidos do suicídio de um ou ambos os pais. Pelos que foi pesquisado um determinado hormônio que o corpo usa para a felicidade era inexistente no corpo dos suicidas e isso foi acarretado pelo aborto, mas isso não explica o suicídio do pai.

— O povo acredita que a dor de ter parte de sua alma arrancada assim é o que causa a tentativa de se matar – falou Tiesis – E com isso não conseguimos progredir muito, mas os cientistas resolveram usar escravos para os experimentos e eu sempre fui contra, mas meu pai não permitiu que eu retirasse as verbas. A única coisa que me restava era não permitir que os escravos sofressem muito. Os humanos não têm a mesma ligação com os fetos que os aurifenses e por isso eles podiam ser usados repetidas vezes para os experimentos. Durante muito tempo não houve nem um resultado até que um rapaz segurou a gravidez por oito meses.

— O feto nasceu vivo – continuou Ana – E o imperador estava eufórico. Era uma arma para ele mostrar ao mundo que ele podia quase ser um deus. Tiesis retirou o bebê vivo do complexo de laboratórios.

— Procuraram por meses a acho que ainda procuram, mas eles nunca os acharam – seu belo rosto ficou sombrio – O meu maior erro foi não ter salvo o escravo, não tê-lo tirado dos laboratórios, mas achei que ele ia ser liberado como todos os outros. Nunca ia imaginar que o imperador ia matá-lo em um acesso de raiva.

— O escravo era nosso amante Andrew – disse Ana com um sorriso triste – Durante algum tempo fomos os três e sonhamos em ter uma vida a três até que ele foi morto daquela forma.

— Então... – olhei para os dois – Karl é filho do escravo?

— É – respondeu Tiesis – Um pedaço do nosso amor que restou.

Ana foi até o marido e o abraçou murmurando palavras de consolo a ele e eu fiquei ali pensando naquele amor que Adamas conseguiu destruir também, como se não bastasse todo o resto.

Gemi de dor na barriga e voltei a deitar. Parecia que a minha coluna ia partir ao meio. Em segundos Tiesis e Ana estavam do meu lado.

— Acho que sei o que está acontecendo – disse o aurifense com o rosto torcido de preocupação – Seu corpo está rejeitando o feto. Você tomava algo? Algum remédio?

— Na base havia uma médica que dava a mim e para Ian vários medicamentos.

— Deviam ser para que seu corpo se adaptasse ao feto – Ana olhou Tiesis – Temos que achar esses medicamentos antes que haja o aborto.

Aborto? Como diabos eu ia abortar? Pela bunda? Ta, eu não estava pensando coisa com coisa, mas me dêem um desconto! Estou grávido, em meio a uma guerra, sendo escravo de um príncipe sádico que está agindo de modo muuuuuito estranho.

Eu não queria que o bebê morresse. Na verdade eu já fiquei imaginado em como era seu rosto e como seria convivermos juntos e sabia que não queria nunca mais ficar sozinho, aquele feto era parte de mim e a possibilidade de perdê-lo doía mais que a minha coluna.

— Eu sei onde achar os medicamentos – disse Tiesis se levantando.

— Você não pode ir lá fora! – sentei bruscamente e trinquei os dentes de dor – Seu filho disse que era perigoso!

— Sim, é Andrew, mas eu não posso deixar que você enfrente a morte de seu filho se posso fazer algo.

Olhei para Ana como que pedindo para ela impedir Tiesis de sair, mas ela sorriu e deu um beijo longo no marido.

— Cuidado.

— Eu vou ter, acho que esses anos fugindo me ensinou algo.

Ele foi embora e fiquei com a impressão de que se algo acontecesse com ele seria culpa minha.

— Pare! – Ana deu um tapinha na minha cabeça – Sei o que vai ai nos seus neurônios Andrew. Tiesis não vai se por em perigo e eu confio nele, confie você também.

Confiar? Não sei se vou confiar nas pessoas alguma vez na minha vida. Possa até ser um bom fingidor nessa parte, mas depois da minha própria família ter me vendido acho que não há muitos motivos para confiar nas pessoas.

Cansado consegui dar uma cochilada, mas acordei minutos depois como se cada nervo do meu corpo estivesse sendo esticado.

Ana estava perto do fogo com seu filho menor e conversava com o menino que sempre parecia ter uma expressão triste. Mark parecia um aurifense puro se não fosse os cabelos curtos e a pele morena. Aurifenses não se queimam do sol como os humanos e o sol amarelo de Aurifen era ótimo para isso.

O menino me viu acordado e veio até mim com uma caneca e sorrindo, um sorriso que não iluminava os olhos vermelhos.

— Minha mãe fez chá – disse ele me entregando a caneca de onde vinha um cheiro muito parecido com o café, mas que provinha de folhas torradas de um arbusto do sul do planeta.

Era considerada uma bebida da classe pobre do planeta, algo que os humanos e mestiços adoravam e eu também. O chá aguado do castelo era uma afronta ao meu paladar humano que gostava de coisas fortes e encorpadas.

— Obrigado – disse sentando e procurando não gemer na minha dor.

Mark sentou perto de mim brincando com os dedos meio constrangido.

— Qual a sua idade? – perguntei tentando puxar conversa em me distrair um pouco.

— Sete – ele me olhou com seus olhos doces e tristes – Mamãe disse que você está esperando um bebê?

— Isso mesmo. Estou grávido – bem dessa vez pareceu mais fácil falar do que antigamente.

— Isso é muito estranho e muito legal! – ele sorriu para mim e começou a falar de sua vida que havia sido toda nas ruas, em casas abandonadas e os subterrâneos. Falou que queria um dia ir a escola e ter amigos para brincar, gostava do irmão, mas ele não era bom no futebol.

Era incrível como aquele povo havia se apaixonado por aquele esporte da Terra. Mesmo as colônias interiores acha um esporte bárbaro e agora ele descobria que em outros mundos gostavam dele.

Nesse momento Karl e Tiol chegaram. Karl carregava um saco e Tiol... aquilo era uma criança?! Será que eu estava delirando ou algo assim?

— Foi tudo bem garotos? – perguntou Ana olhando curiosa para o menino nos braços de Tiol que foi para junto de mim.

— Temos muito a contar mamãe – ele olhou em volta – Cadê o pai?

— Eu também tenho coisas para contar. Seu pai teve que sair Karl – ele levantou a mão antes que o rapaz brigasse – Seu pai sabe se cuidar menino, confie nele.

Eu olhava para o que Tiol tinha nos braços sem entender. Ele sai em busca de noticias e voltava com uma criança? Ele estava com os cabelos loiros sujos e emaranhados, era magro e devia ter uns cinco anos. Ele me olhou com os grandes olhos vermelhos e sorriu para mim e não pude deixar de fazer o mesmo. Malditos hormônios!

— Andrew esse é Itieu e... – o menino tirou de dentro do casaco esfarrapado um pequeno bicho azul – Pin. Ele vai ficar com a gente.

— Ficar?! – acho que Ana percebeu a tempestade e foi até Tiol tirando Itieu do colo dele.

— Ola Itieu – disse ela sorrindo – O que acha de um banho quente? Pin pode te acompanhar.

— Pin não gosta de banho senhora Ana, mas eu gosto.

Ela se afastou com ele seguido de Mark curioso.

— O que você quer dizer com ficar conosco Tiol?

— Será que esta ficando burro com relação a língua aurifense agora?

— Burro é você! A gente nem da conta de sobreviver e você me arranja uma criança para cuidar?

— Sabe, eu queria entender você Andrew. Se sou duro sou um carrasco, se tento melhorar eu sou burro. Deveria tentar se decidir.

— Você entendeu o que eu quis dizer porra! Não dá pra gente arrastar uma criança em meio a uma guerra. A gente nem sabe o que vai fazer depois daqui!

— Mas nós estamos arrastando uma criança há muito tempo Andrew. Afinal o nosso filho está na sua barriga ou o fato de Itieu não ser do seu sangue mudam as coisas? Quem me acusava de preconceituoso?

— Nós não arrastamos o nosso filho! – respondi indignado – Então esse menino é mais importante que o seu verdadeiro filho?

— Não – ele me olhou serio de um modo como nunca havia feito desde que nos conhecemos – Do momento que aceitei trazer Itieu para cá assumi a minha responsabilidade sobre ele do mesmo modo que assumi sobre o filho que você carrega. Sei que fui um irresponsável por muito tempo, que fiz e aceitei coisas terríveis, mas eu não quero mais isso Andrew. Eu quero mudar, mas parece que você se contaminou comigo! Seu coração nunca foi duro mesmo depois de ter feito tudo que fiz você me salvou quando caímos aqui e agora está com raiva porque quero que ajudemos uma criança que está só?

Belo discurso. Meu medo era que suas palavras fossem vazias, que assim que a novidade passasse ele me deixasse com duas crianças e como havia dito eu não estava pronto para confiar em ninguém. Mas o menino não tinha culpa de nada. Se podia criar um, podia fazer isso com dois sem problemas.

— Está bem Tiol – esfreguei a minha testa cansado – Acho que Itieu não tem culpa de nada e mesmo que você se arrependa eu cuido dele.

— Quem disse que vou me arrepender?! – ele parecia indignado, mas eu levantei uma sobrancelha para ele em descrença.

— Desculpe se não confio em um escravocrata sádico que teve prazer em me torturar publicamente – respondi com sarcasmo deixando ele vermelho.

— Preciso lhe contar o que vi na cidade – disse ele não me respondendo à altura como faria uns dias trás.

Fiquei sabendo de como Adamas estava aterrorizando todo mundo e o que aconteceu com Abrahan. “Isso” quase fez meu coração parar. Esperava que estivesse tudo bem com ele, mesmo não sabendo que o resgatara.

Ana voltou com Itieu atrás dela, limpo e vestido com algumas roupas um tanto grandes para ele.

— Tô limpinho – disse ele indo para perto de Tiol e sorrindo para mim e mostrou o um guan molhado até os ossos com cara de poucos amigos – E o Tin também!

Pestinha! Não havia como não gostar dele, do seu sorriso inocente.

— Já que está limpinho pode sentar aqui comigo – disse me afastando um pouco para que ele sentasse mantendo o guan ao peito.

— Preciso falar algo – disse Karl chegando perto de nós – Vamos ter que sair daqui.

— Por quê? – Ana virou-se para o filho mais velho.

— O governo esta revistando toda a cidade e pelo que ouvi está por um fio o acordo com os traficantes. Vão avançar sobre os bairros pobres. A ordem é matar todos que se opuserem com a desculpa que eram desordeiros, afinal o governo não pode dizer que há traficantes no planeta – disse as ultimas palavras com sarcasmo – Enfim temos que dar o fora da cidade antes que sejamos encontrados.

— Precisamos chegar até o litoral – Tiol virou-se para mim – Se conseguirmos chegar até Voldala e pegarmos um barco sei para onde devemos ir.

— Somos procurados – disse revirando os olhos – Vai bem fácil achar um barco.

— Se tiver dinheiro pode conseguir quase tudo em Voldala – disse Karl – Mas um barco não chegaria ao continente principal.

— Preciso ir até a ilha Maltri, a leste daqui.

— Uma ilha particular? – Ana virou para Tiol sem entender.

— É um presente que nosso avô materno deu a Yaci. Nem mesmo meu pai sabe já que Yaci achava que era bom termos um segredo, algo só nosso. Apenas Abrahan sabe e nos disse que se um dia nos separássemos deveríamos nos achar, na antiga casa dos nossos avós, a ilha Maltri. 


~~***~~

A rede de cavernas que Uliam havia dito era um grande complexo escavado na rocha. O lugar era muito antigo e fora uma grande mina de pedras preciosas até não ter mais serventia e servir de lar para revoltosos. 

O lugar onde eles estavam era bastante fundo e com muita segurança.

Carregando Ian, Yaci entrou em um galpão que ficava em uma enorme caverna. Iluminada por geradores estava cheia de pessoas apressadas e de pequenos caças. Caixas e contêiners entulhavam do chão ao teto encostando nas estalactites de onde pendiam as luzes.

— Aqui fica a enfermaria – disse Uliam apontando para uma parte mais afastada onde haviam algumas divisórias dando alguma privacidade.

Yaci deixou Ian em cima de uma mesa de exames observando preocupado, os médicos trabalharem nele. Deu algumas informações como o fato dele estar grávido e extenuado da jornada que fizeram. 

— Ele vai ficar bem agora Yaci – disse Uliam com a mão em seu ombro – Infelizmente precisamos de sua ajuda. Seu pai está travando uma guerra que tenta esconder da classe média do nosso mundo.

Yaci passou as mãos nos cabelos. Estava começando a ficar cansado de tudo aquilo. Sua família desaparecida e seu namorado e filho doentes. Tinha que tomar uma atitude logo.

— Uliam preciso reunir minha família – disse para o outro – Se eles estiverem livres estarão indo para um ponto de encontro que só meus irmãos e meu pai Abrahan sabe. Mas vou lhes dar tempo para isso. Agora preciso que todas as células dos revolucionários estejam integradas. Vamos lançar ataques de pequena monta para minar as forças de meu pai, alem disso quero que esses ataques sejam feitos nas cidades para que todos vejam.

— Mas e os civis?!

— Se não fizermos isso meu pai ainda vai iludir o povo – colocou a mão no ombro do outro – Eu não quero isso Uliam, não mesmo. Matar pessoas do meu povo é como tirar um pedaço de mim, mas se não fizermos isso muitas mais vão morrer como na vila incendiada.

O olhar de Uliam ficou duro ao lembrar de como o seu pequeno país estava sofrendo por causa das loucuras do imperador.

— Certo Yaci e que os deuses nos perdoem.

— Meu senhor – um médico chegou até eles – Conseguimos os registros médicos de Ian e pelo que percebemos seu corpo está rejeitando o feto. Temos remédios próprios para impedir isso e eles já estão sendo ministrados. Acreditamos que depois de algum descanso elem vá se recuperar bem, mas pedimos que ele fique e repouso por uma semana, esteve muito próximo de perder o bebê.

Yaci estremeceu ao pensar nisso.  

— Ele está acordando – disse um dos enfermeiros.

O príncipe correu para o outro segurando á sua mão ao ver os olhos azuis do rapaz abrirem lentamente.

— Yaci... – gemeu ele.

— Calma, tudo bem. Estamos entre amigos agora e você pode descansar – Yaci inclinou dando um pequeno beijo dos lábios ressequidos do outro.

— Bebê? – a voz de Ian estava rouca e dolorida.

— Ele está ótimo – Yaci fazia um suave carinho nos cabelos do outro – Durma meu amor. Descanse por você e nosso filho.

Ian sorriu para Yaci e deixou que o cansaço tomasse o seu corpo.

— Cuidaremos dele, meu senhor – disse o médico chegando perto do príncipe que arrumava as cobertas de Ian.

— Obrigado – olhou Uliam – Temos trabalho a fazer.

~~***~~

Tiesis voltou depois de três horas que me deixou angustiado assim como seus filhos. O que eu menos queria era que alguém daquela família morresse por me ajudar.  Itieu dormia perto de mim, junto ao seu bichinho que ronronava feliz.

Eu estava cansado e com uma dor de cabeça que me dava náuseas. A febre não baixava e estava começando a ficar preocupado, na verdade apavorado que eu realmente fosse perder o bebê.

Tiol estava sentado ali perto me olhando e me deixando desconfortável. Mesmo que eu gritasse e o xingasse ele continuava ali as vezes passando a mão na minha barriga fazendo a criança acordar e me chutar feliz de ter o outro pai com ela.

— Graças a Deusa – disse Ana ao ver Tiesis chegando.

— Estamos em perigo – disse ele ofegante ao retirar a capa – Os soldados estão na área dos traficantes e está uma verdadeira guerra lá em cima. Temos que partir imediatamente.

Tiol me olhou e eu sabia o que ele estava pensando: “Será que eu ia conseguir?”