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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Majic - Capitulo I

MAJIC

Por tras da bruma existe mais do que os olhos podem ver.
 
 
 
Capitulo I



Sara olhou pela janela do oitavo andar desfrutando dos últimos momentos de paz antes das aulas começarem no outro dia, as crianças e adolescentes iam começar a chegar naquele dia e o silencio ia ser preenchido com gritos e correrias pelos pátios e jardins.
— Sonhando Sara? – perguntou Rafael sentando do lado dela com uma xícara de café.
— Pensando que logo, logo isso aqui vai estar naquele tumulto básico.
— Verdade – disse ele também olhando pela janela – Estava ficando cansado dessa calmaria.
— E eu preocupada com o tumulto pelos próximo seis meses...
Uma batida na porta chamou a atenção dos dois e um homem entrou esbaforido.
— Diretor um barco brasileiro foi encontrado destroçado na Bahia das Eras!
— Um barco?! – Rafael quase engasgou com o café – Como isso é possível?
— A única possibilidade é que haja um escolhido a bordo – disse Sara – A ilha deve ter percebido isso e franqueou a entrada.
— Há sobreviventes? – perguntou o diretor Rafael.
— Não sabemos disse o homem - há energia demais circulando em toda a volta. Precisamos de um demago.
— Eu irei – disse Rafael – Sara chame Marc e diga para nos encontrar na bahia.
Rafael saiu correndo e subiu em uma caminhoneta usada em terrenos difíceis e acelerou para a estrada de chão que ia rumo a parte leste da ilha.
A estrada de terra batida corria por entre matas de pinheiros e carvalhos, pomares, fazendas e matas que brilhavam coloridas naquela manhã de segunda. Entrou em uma parte asfaltada da estrada que passava pela vila com suas casa coloridas e cafés com mesas nas caçadas.
Depois de alguns quilômetros a estrada voltou a ser de chão e começava a descer rumo ao mar. A estrada passava por serras e paredões de pedra até que se avistava o mar de um azul profundo e ao longe uma estranha névoa que envolvia a ilha como um grande anel. Ele parou o veículo perto de um amontoado de pedras do tamanho de casas que pareciam brotar da areia branca. Entre elas havia uma trilha que serpenteava por rochas e paredões. Rafael entrou por ela correndo e saiu em uma praia em forma de meia lua que ficava entre pedras. A entrada da praia era estreita e entre as pedras e a areia havia um iate semi destruído. Um grande rombo ia da popa a proa do navio como se alguém tivesse aberto com uma faca gigantesca o casco. Ele estava praticamente partido ao meio e em volta dele havia destroços trazido pelas ondas, havia também uma estranha névoa vermelha cobrindo o barco como um manto.
— Parece impossível que alguém tenha sobrevivido – disse um homem que estava observando o barco.
Era um homem alto, de pele curtida pelo sol, com longos cabelos loiros presos num rabo de cavalo. Deveria ter uns trinta anos e os músculos apareciam na camiseta regata que usava.
— Bom dia Michael – disse Rafael sem tirar os olhos do barco – Isso é escudo de sereia, acha que elas protegeram o barco?
— Só pode ser. Elas normalmente teriam prazer em destroçar o barco, mas não fazem isso se houver crianças a bordo.
— Vamos ver – disse ele erguendo a mão apontando a palma para os destroços.
Os olhos do diretor brilharam numa estranha luz e ele murmurou uma palavra em voz baixa. A névoa vermelha rodopiou e correu para a palma da mão de Rafael que brilhava intensamente até que nada mais restasse da névoa.
— Acha que vamos conseguir subir a bordo Michael?
— A estrutura está instável – resmungou ele olhando o barco de lado – O risco só vai valer a pena se tiver alguém vivo a bordo.
— A única maneira de saber é darmos uma olhada a bordo.
 Ambos conseguiram subir para o destroçado convés onde o corpo de um homem estava preso entre tabuas e cordas. A cabeça quase decepada pendia balançando ao sabor das ondas que batiam no casco.
Rafael, que era católico devoto, fez o sinal da cruz enquanto olhava envolta. Acharam a escada e desceram para os camarotes, banheiros e cozinha. Enquanto andavam o barco gemia dolorosamente como um animal ferido no estertor da morte. Acharam dois corpos de mulheres mortas num camarote.
— Olhe – Michael ergueu o braço de uma delas mostrando dois furos.
— Vampiros! Eles não podem estar perto da ilha ou os alarmes soariam.
— Pra que tanto espetáculo? Por mais idiotas que eles sejam costumam ser discretos ou sabem que seu próprio conselho os transformaria em merda. Tem algo de podre nesta história.
— Bem vamos deixar Marc investigar já que pelo visto não há sobreviventes.
— Tem algo mais Rafael aqui, as sereias não iam gastar seu poder a toa.
— Onde? Já olhamos tudo!
— A casa das máquinas.
Rafael estava em dúvida que algo pudesse sobreviver em meio a toda aquela destruição mesmo assim rumaram para a casa das máquinas descendo a escada de ferro que estava torcida. A porta pendia das dobradiças e ao olharem para dentro perceberam que seria impossível alguém sobreviver ali. Dava para ver o lado de fora pelo rombo no casco e as máquinas pareciam ter se deslocado para a direita sendo arrancadas do chão por alguma força descomunal. Estranhamente ali havia também a névoa vermelha que vinha de debaixo de uma turbina.
— Mais escudos de proteção – disse Michael.
— Talvez tenha alguém vivo embaixo dessa coisa – resmungou Rafael se abaixando para olhar por baixo da turbina – O problema é como vamos tira-los sem o barco sem ele se desmanchar.
— Posso erguer a turbina por alguns minutos e você tenta tira-los, mas se algo acontecer você sai debaixo imediatamente.
— Certo, vamos tentar.
Michael apontou a palma da mão para a turbina murmurando uma única palavra e a mão dele começou a brilhar intensamente assim como a estrutura inteira. De repente o pedaço de aço retorcido que já fora uma grande turbina rangeu e começou a se mexer e subir lentamente. Suor começou a se formar na testa do rapaz loiro que ofegou com o peso.
Rafael deitou e rastejou por baixo olhando em volta e arregalando os olhos ao ver duas pessoas ali.
— Achei! – gritou ele.
— Rápido!
Sabendo que não tinha mais tempo ele segurou os braços e começou a arrastar. Com um safanão puxou eles para fora antes que Michael não suportasse mais e deixasse a estrutura cair.
— Deus – gemeu o loiro caindo de joelhos.
— Você está bem?
— Só estou um pouco tonto.
Rafael desviou os olhos para as pessoas que resgatara. Um era um homem de cabelos castanhos dourados e curtos, a pele era branca com sardas por todo o rosto, deveria ter mais de trinta e cinco, mas seu rosto era jovem e bonito. O outro era um garoto, de cabelos loiro escuro, o rosto parecido com o do outro mostrando o parentesco próximo, mas de pele mais morena e longos cílios cor mel. O menino deveria ter em torno de treze anos de corpo magro.
Os dois ostentavam cortes e ferimentos por todo o corpo e Rafael ficou preocupado com ferimentos internos.
O barco rangeu e começou a adernar.
— Precisamos sair daqui – disse Michael se levantando – Eu levo o homem e você o garoto.
Casa um pegou sua carga e rapidamente começaram a sair da sala de máquinas. No corredor o barco rangeu e virou jogando eles contra a parede. Arrastaram-se com dificuldade até o convés e praticamente pularam pela amurada antes que o barco tombasse a afundasse parcialmente na água que felizmente não era muito funda.
— Ufa! – Rafael respirou fundo aliviado.
— Precisamos leva-los ao hospital – disse Michael olhando detidamente o homem – Eles parecem bem feridos.
— Estou com a caminhoneta aqui perto, vamos!

O ar frio parecia congelar a cada respiração e Ian bateu os pés no chão tentando esquentar enquanto olhava para o mar a procura do barco.
— Ta frio – resmungou sua irmã esfregando os braços – Ian to com frio.
— Vem cá – ele abraçou a irmã caçula tentando dar a ela algum calor a menina de dez anos.
Karol era pequena, de longos cabelos castanhos e olhos negros. Era uma menina quieta, que gostava de ficar desenhando e era muito ligada ao irmão mais velho. Ian tinha quinze anos, era alto de cabelos negros e olhos castanhos cor de mel, era alto e sempre muito sério. Era um dos melhores alunos da escola e era alguém avesso a erros.
— Viemos muito cedo, mano?
— Não, o barco estará aqui em alguns minutos.
— Queria que a mamãe e o papai estivessem aqui.
Ian não respondeu. Para ele seus pais não faziam falta. Não passavam de dois estranhos que nunca tiveram um só gesto de carinho com ele ou com a irmã. Ter filhos para eles era apenas uma forma de mostrar a sociedade a visão de família feliz, um quadro falso em todos os detalhes.
De repente um barco se aproximou do atracadouro quase como se tivesse se materializado no ar. Era uma lancha de dois andares, branca com o nome “Bruma” escrito no casco em letras negras.
— Que lugar gelado – disse um rapaz de uns dezesseis anos, pele negra e cabelos curtos – Ola Ian!
Ian revirou os olhos com o tom animado do outro. Pegou a mão da irmã e foi em direção ao rapaz que esfregava os braços e olhava a neve acumulada no chão com curiosidade.
— Isso sempre me encanta – disse ele olhando Ian com os olhos negros brilhantes e sorriso de dentes muito brancos – Ola – ele olhou para Karol.
A menina se escondeu atrás das pernas do irmão.
— É minha irmã caçula Esteban, assim você assusta ela. Karol esse é um colega de escola, Esteban Ruiz do México.
— Oi – disse ela baixinho.
— Andem logo! – gritou o capitão mau humorado do segundo andar – Desse jeito não terminamos hoje.
— O educado é o capitão Benito Callisto, ele é italiano.
— Vou deixar vocês pra trás! – o capitão voltou a gritar.
Esteban pegou a mala de Karol enquanto Ian pegava a sua e entraram no barco que zarpou em seguida. Ian segurou a mão da irmã e desceu para o salão onde cerca de quinze crianças e adolescentes conversavam ruidosamente.
— Ola! – eles saldaram o rapaz que apresentou a irmã.
Ian gostava daquela turma, era um grupo de vários paises e na sua maioria alunos pobres bolsistas. Tinham que ter boas notas se quisessem manter a bolsa, por isso estavam ali por que queriam estudar e não por que os pais haviam obrigado.
O iate parou e Karol olhou curiosa para a claridade do sol que entrava pela vigia redonda.
— Onde a gente ta mano?
— Brasil.
— Posso ir ver?
— Vamo lá em cima – disse Esteban todo alegre.
Tímida, Karol segurou na mão dele e subiram a escada até o deque onde o sol iluminava uma praia de areias brancas com coqueiros e matas verdejantes. Num píer de madeira tosca havia um rapaz e uma moça acompanhados de um casal. Eram pessoas de pele dourada, cabelos castanhos bagunçados pelo vento e grandes sorrisos.
— Oi Paulo, oi Sandra – gritava Esteban.
Eles pararam de falar em português e responderam em inglês.
— Como vai Esteban? – disse Paulo acenando.
— Ola crianças – disse o adulto sorrindo – Tenham um bom ano.
Eles se despediram dos filhos com fortes abraços e recomendações sem fim que só acabaram quando o capitão Callisto voltou a gritar.
“Que diferença da minha família” – pensou ele ao ver a forma que a família se despedia.
— Finalmente podemos ir para a ilha – resmungou o capitão voltando para a cabine de comando.
— Ola Ian – disse Paulo para o rapaz e descendo para o salão.
— Oi yanque – disse a irmã em tom debochado.
— Pensei que tinha se perdido na mata com seus parentes – retrucou ele.
— Não meu caro, eu sou boa conhecedora da natureza, já você eu imaginei que tivesse virado sorvete lá em Nova Yorque, mas vejo que Deus não é tão generoso.
— Seria generoso se algumas daquelas cobras tivessem ti comido, o problema seria se a coitada da cobra morresse envenenada.
— Vocês dois dão dando um show na frente da menina – disse Jean subindo no deque.
Jean era francês de cabelos negros encaracolados, olhos azuis, pele branca que não queimava fácil com o sol. Jean sempre parecia um pimentão quando saia no sol.
Ian olhou para Karol que na verdade estava se divertindo com a discussão dos dois os olhando com um sorriso.
— Oi – disse ela sorrindo para Sandra – Sou Karol, irmã de Ian.
— Essa bonequinha é sua irmã?! – Sandra levantou uma sobrancelha – Coitada da menina.

Seu corpo doía, até respirar doía na verdade. Fez um grande esforço para abrir os olhos e pelo menos conseguiu abrir um olhando para um teto muito branco iluminado por um sol cor de rosa.
— Que bom que acordou – disse uma voz do seu lado e um rosto entrou no seu campo de visão.
Era um rapaz se cabelos castanhos rebeldes e olhos azuis brilhantes. Ele sorriu e tocou na sua testa.
— Como está?
O homem falava inglês e ele agradecia em falar muito bem essa língua.
— Meu... pai... – foi o que conseguiu gemer.
— Do seu lado.
Ele virou a cabeça ofegando com a pontada de dor que sentiu e ficou aliviado ao ver seu pai ali do lado com o rosto parcialmente escondido por um curativo.
— Ele está bem – disse o outro – O curativo é por causa de um corte na testa.
Ele voltou a olhar curioso para o homem se perguntando onde estava e o que tinha acontecido.
— Meu nome é Rafael Larson. Consegue me dizer o seu?
— Nil... Nilton Mendes. Meu pai Henrique.
— Nilton sei que está confuso, mas é melhor conversarmos quando você estiver melhor.
Ele queria perguntar onde estava e o que havia acontecido com o barco, mas seus olhos se fecharam contra a sua vontade.
Rafael olhou para o garoto preocupado. Ele havia tido cortes e varias costelas quebradas, já o pai tivera um braço faturado e um corte profundo na testa. Segurou a mão esquerda de Nilton com a sua direita e tocou a palma onde houve uma centelha como um pequeno raio elétrico explodindo na sua palma.
— Azul – disse um rapaz na porta do quarto.
Era alto e magro, com cabelos loiros platinados e olhos castanhos sérios.
— Ola Marc.
— Uma centelha azul é muito rara, não é?
— Certo Marc – Rafael respirou fundo – Vamos conversar lá fora com um café.
Os dois saíram do quarto de hospital para uma sala ali perto onde havia uma máquina de café e poltronas confortáveis. A janela dava para jardins coloridos por tulipas e violetas em meio aos raios alaranjados do por do sol. Um ar perfumado vinha com a brisa que entrava pela janela aberta.
— Capuccino ou expresso? – perguntou Rafael indo para perto da máquina de café.
— Simples e com bastante açúcar.
Rafael pegou um café e um capuccino e foi sentar perto de Marc.
— O menino tem dois poderes – começou Rafael diante do olhar insistente do outro – Talvez por isso não tenha sido descoberto.  O pai também tem uma centelha... vermelha.
— Mendes... – Marc olhou pela janela – Não é uma família antiga ou conhecida, esse tipo de centelha é tão antiga que ninguém mais lembra que existe.
— Conto com você para investigar isso, eu tenho o espinhoso dever de avisar o conselho em Londres.
Marc torceu o rosto com desgosto ao pensar nisso. Ele preferia não ter que lidar com as velharias baseadas na capital inglesa.
— Vou investigar enquanto você lida com a “burrocracia” – disse ele se levantando – Ah! Pelo pouco que consegui olhar no barco ele foi atacado por uma serpente marinha, achei algumas escamas no rombo, mas as pessoas foram mortas por vampiros.
Ele saiu deixando Rafael com seus pensamentos. Ele terminou o café e saiu para o corredor da clinica da escola. Era uma clinica que ficava no oitavo andar no prédio da administração da escola.
Desceu para o sétimo andar onde ficava a sua sala e pegou o telefone via satélite respirando fundo ligou para o conselho.

Sara estava no píer esperando os barcos que chegavam de toda a parte do mundo cheio de crianças e adolescente barulhentos.
— Ainda aqui?
Sara revirou os olhos ao ouvir a voz.
— Você de novo aqui? – resmungou ela vermelha sem se virar.
Kane Neal olhou altivo para ela. Ele era do Pais de Gales, alto e sério. Os cabelos negros com reflexos azulados, olhos de um azul gelo assim como a mirada que ele lançava para quase todos. Era um homem muito bonito fazendo grande sucesso entre alunas do sexo feminino e alguns do sexo masculino, mas todos os alunos eram unânimes em dizer que Kane era um carrasco e não tinha escrúpulos em dar provas surpresa ou zerar a nota de um aluno.
— Neal eu realmente não tenho tempo ou paciência para aturar você – ela deixou o rapaz vermelho no píer e foi de encontro ao iate “Bruma” que chegava do Brasil.
— Ei professora! – entusiasmado Esteban gritava acenando para ela.
Sara adorava Esteban e sua turma. Eram bons alunos o único problema é que estavam sempre a procura de problemas ou como diziam eles, eram os problemas que os procuravam.
— Como vai Esteban?
— Estou feliz por retornar para a escola – disse ele saltando para o píer com sua velha mochila nas costas.
— Ola professora Sara – gritaram os outros alunos que saíram correndo do barco para dizer oi para ela.
Ian ajudou Karol a descer que olhava em volta com olhos arregalados.
— Como vai professora Garcia?
Ian era educado, mas Sara se arrepiava toda quando era chamada pelo sobrenome. Para ela que era brasileira parecia um costume não só estranho, mas uma forma de distanciamento.
— Vou bem, mas vou melhorar se você parar de me chamar pelo sobrenome.
— Desculpe Professora Sara – ele deu um leve sorriso – Gostaria de apresentar minha irmã caçula, Karol.
— Ola Karol – disse para a menininha que estava agarrada ao braço do irmão como um salva vidas.
— Ola – olhou para a moça – Do que você da aula?
— História.
Karol torceu o nariz e Sara caiu na risada enquanto Ian disse contrariado.
— Que feio Karol!
— Mas ela ta certa. Historia pode ser chata mesmo, mas eu garanto que a minha aula é bem movimentada.
— Nisso ela esta certa – disse Sandra rindo – Estamos sempre acabados no final, mas a senhora não é tão dura com os menores, não é? – ela parecia subitamente preocupada olhando Ian que engolia em seco.
— Não há nem comparação gente. Não daria as mesmas aulas pesadas que dou para vocês para os pequenos.
Ambos respiraram aliviados.
Havia um ônibus parado ao lado de uma estrada asfaltada que rumava para a escola que ficava a três quilômetros do mar. Era um grande complexo de três prédios com várias construções baixas que incluía uma quadra coberta, um campo de futebol, laboratórios e estufas. Tudo era cercado por grandes jardins que terminavam nas matas que cercavam o complexo. Ao norte podia-se ver as torres de um velho castelo onde tremulava a bandeira da Inglaterra o que era motivo de resmungos dos alunos de outras nacionalidades.
O ônibus parou em um pátio em forma de meia lua que era compartilhado pelos três prédios.
— Vamos pegando seus guias pessoal – dizia Sara na porta do prédio que servia de dormitório – As regras não mudaram e acrescentamos algumas, como prisão perpétua para quem for até as matas célticas. Tenham um bom ano.
— Mano onde eu fico? – Karol estava assustada em ficar sozinha.
— Pode deixar que eu ti mostro Karol – disse Sandra para a menina – O dormitório feminino fica nos últimos andares – olhou Ian – Pode me dar a mala dela.
— Quem pediu para você fazer isso?
— Me da a mala e vai pastar! – ela tomou a mala de Ian e segurou a mão de Karol que ria da cara do irmão.
— Vocês dois não podem ficar sem brigar – resmungou Paulo passando por ele com Jean que ria.
— Ei Ian – Esteban gritava – Ficamos no mesmo quarto!
— Que Deus me ajude – resmungou ele arrastando a mala.
— O Jean e o Paulo também!
— Cala a boca Esteban! – disse Jean contrariado – A escola inteira precisa ouvir?
— Han? – Esteban berrou colocando a mão na orelha como se não tivesse escutado – O que? Não ti ouvi!
As pessoas em volta caíram na risada e Ian segurou a gola do rapaz negro arrastando ele.
Os quatro subiram pelo elevador para o quinto andar onde ficava o quarto deles. Eram quartos amplos muito parecidos com um apartamento. Tinha dois quartos com uma sala e um banheiro. Paulo pegou Jean e arrastou ele para um quarto deixando Ian com um falador Esteban no outro.
— Cara é bom ta de volta. La em casa minha mãe não me da paz e eu não tenho o menor jeito com a terra. Deus eu tive que ajudar a arrancar batatas quase minhas férias todas. E as chuvas? Deus nunca vi tanta água como nesse ano. Ficamos presos na fazenda, as estradas ficaram intransitáveis... – uma almofada que saiu voando no seu rosto fez ele parar.
— Dá um tempo Esteban!
— Tempo pra que? A vida é tão curta para perdermos tem... – dessa vez foi um tênis que quase o acertou.
— Se não ficar quieto a próxima coisa vai ser um raio.
Esteban preferiu dar um tempo, sabia o quanto Ian era bom com choques elétricos.

O ultimo barco que chegou vinha da Inglaterra com trinta alunos daquele país. Eram na sua maioria adolescentes entre quatorze e dezesseis anos, mas haviam três crianças de dez anos que estavam quietas no seu canto.
— De volta a prisão – resmungou William para Brooke que estava ao seu lado mascando chicletes.
Willian Sant James era filho de duques ingleses e tinha o hábito de se achar melhor que o resto dos alunos por ser nobre, rico e pertencer a uma família antiga. Era de estatura mediana, olhos azuis e cabelos loiros. Seus músculos se mostravam da camiseta que usava e era muito bom em artes marciais. Todos na escola procuravam ficar afastados dele e de sua gangue.
Brooke Provost era namorada de William e também gostava de atormentar os outros. Era alta, de cabelos longos e castanhos muito lisos. Os olhos de um azul profundo parecidos com as águas profundas do mar. Seu corpo esguio era bem formado para seus quinze anos e estava sempre pronta para criar problemas na escola.
Eles desceram do barco acompanhados por mais oito garotos. Os outros foram saindo mais lentamente querendo ficar o mais longe possível daquela turma, o ultimo a sair foi um garoto alto, cabelos castanhos amarrados em um rabo de cavalo, olhos negros e frios. Era totalmente anti social com todos e estava sempre pronto para entrar em uma briga onde sempre saia vencedor depois de dar uma bela surra no oponente. Já havia sido ameaçado de ser expulso várias vezes, mas o pai dele, um grande empresário inglês, era doador de muitos fundos da escola alem de pertencer a família que chefiava o conselho á anos.
Gael Zeke Kendra, filho caçula de uma família de cinco irmãos, odiava a família e tinha prazer atazana-los. Os pais dele não entendiam de onde vinha aquele ódio. Haviam procurado dar o melhor para o filho, o mesmo amor que haviam dado para os mais velhos, mas Gael os rechaçava sempre desde de que descobrira que era o primeiro demago da família em mais de cinco gerações e era motivo de desagrado por todos os Kendra que o via como um mau agouro. Mesmo estando em pleno século vinte e um as pessoas ainda acreditavam que um demago não passava de prenuncio de má sorte e toda essa crendice caiu em cima de Gael aos dez anos quando chegara a escola.
Alem de Rafael era o único demago da escola e isso só acirrou ainda mais sua raiva levando ele ao isolamento. A maioria dos alunos tinha medo de demagos e os outros medo dele, já que era forte, rápido e especialista em varias artes marciais, até mesmo William tinha receio dele apesar de enfrenta-lo com medo de perder o posto de chefe da sua gangue.
Gael recusou ir no ônibus e colocando a mochila nas costas foi andando pela estrada observando as matas com calma. Era relaxante não ter ninguém por perto olhando estranho para ele ou ter sua família o olhando com pena. Ali ele se sentia livre e em paz. Quando finalmente chegasse a idade adulta ele pretendia ir para um lugar assim, longe de tudo e todos.

Já era noite quando Nilton finalmente acordou. Olhou o quarto de hospital onde estava com o pai. Era um quarto simples com as duas camas, uma mesa com duas cadeiras, duas poltronas, uma de cada lado das camas, um armário e uma grande TV de plasma na parede. Uma luz suave vinha do abajur em uma mesinha entre as camas.
— Nil? – foi um alivio ouvir a voz rouca do seu pai. Ele se virou bruscamente para o lado experimentando uma pontada na cabeça.
— Pai!
Seu pai estava com o braço engessado, o rosto com o curativo estava pálido.
— Filho você esta bem?
— Estou, mas o senhor quebrou o braço.
— Isso não é nada – ele sorriu fraco – Estamos vivos.
— O que aconteceu pai? Eu só me lembro do senhor me arrastando para a casa de máquinas.
— Nem eu mesmo sei filho – ele olhou para o teto – Havia algo na noite atacando as pessoas e eu só pensei em ti tirar dali.
— O senhor acha que os outros estão mortos?
— Não sei filho – ele olhou penalizado para o olhar de medo do menino – Gostaria da saber onde estamos.
— Num lugar que fala inglês. Quando acordei mais cedo um homem estava aqui e conversei com ele nessa língua. Acha que estamos nos EUA?
— Impossível, estávamos a mil quilômetros da costa brasileira indo rumo á África.
— Depois daquela tempestade eu não sei...
Nesse momento a porta abriu deixando uma moça entrar. Era uma mulher exuberante de cabelos ruivos encaracolados, rosto coberto de sardas, olhos azuis que brilhavam vibrantes. Ela vestia um jaleco branco com o nome Caroline Anderson.
— Meus pacientes acordaram, que bom! – ela também falava inglês com o característico sotaque da parte central dos EUA – Como estão?
— Doutora meu nome é Henrique e gostaria de saber como está meu filho – o homem parecia aflito.
— Bem levando em consideração o estado que chegaram aqui. Seu filho esta com duas costelas quebradas e um grande galo na parte posterior da cabeça o senhor teve o braço fraturado e um corte profundo na testa. O quadro geral de vocês dois é bom.
— Onde estamos? – Nil estava morrendo de curiosidade para saber.
— Esta parte o diretor Smith poderá explica-los. Vou examina-los e chamar ele para que tenham a sua conversa.
Eles fez um rápido exame reafirmando que eles estavam bem e saiu para chamar o tal diretor Smith. Logo o mesmo rapaz que havia conversado com Nilton entrou sorrindo.
— Boa noite. Como estão?
— Senhor Smith? – perguntou Henrique surpreso por ver um rapaz de não mais de trinta nos com brilhantes olhos azuis.
— Rafael, por favor – ele deu uma risada – Senhor Smith me faz sentir muito velho.
Ele sentou perto da cama de Henrique olhando sorrindo para os dois.
— Senhor... hã... Rafael – Henrique se atrapalhou – Onde estamos?
— Numa ilha particular.
— Ilha?! Ao sul?
— Agora? Não sei a localização exata.
O homem olhou o diretor como se ele tivesse ficado louco. Como ele não sabia onde a ilha estava “naquele momento”?
— Como chama a ilha? – perguntou Nil curioso.
— Avalon.



segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Os Contos de Naral - Capitulo 3 - Um noivo e uma traição

CRHIST

Capitulo 3 – Um noivo e uma traição


Dator pegou dois guardanapos jogando um para Crhist que estava pálido de raiva e o outro colocou na mão de Davi que estava pálido de susto.

— Parece um acordo muito vantajoso – disse Ymai Vramen – O rei Delano com um Kustas é a junção perfeita das duas casas.

— Concordo – disse Narion com um sorriso e os olhos brilhando.

— Mas o que diabos está todo mundo falando? – Davi se sentia perdido no meio de toda aquela confusão, mas a cara de horror de Crhist era hilária.

— Seu desgraçado! – ele apertou o guardanapo manchando ele com mais sangue – Como pode me ofender dessa maneira?

— Será que podem nos dar licença? – Ausna segurou o braço de Crhist e o de Davi e os arrastou para fora do salão.

— Você não pode concordar com isso mãe! – o rapaz de cabelos prateados gritava.

— Não se trata de concordar ou não Crhist – retrucou Ismail áspero – Viu o que aqueles nobres deslumbrados estavam dizendo?

— Eu não me importo!

— A culpa é sua!  - Valhalla apontou o dedo para Crhist – Podia tê-lo machucado sério.

— Eu não admito que uma Feten fale assim comigo! – Crhist estava vermelho de raiva.

— Então vai admitir que a sua mãe fale assim com você! – ante a dureza na voz sempre calma de Ausna todos se encolherem – Se não tivesse colocado tanta força no copo não estaríamos nessa situação!

— Será que alguém, por favor, pode me dizer o que está acontecendo? – Davi gritou contrariado.

— Não adiante continuarmos discutindo no corredor – Dator abriu a porta do escritório de Ismail – Vamos para o escritório.

Amuado, Crhist foi para um canto apertando o guardanapo manchado.

— Davi – Dator o olhou com aqueles olhos calmos – aqui em Naral quando duas pessoas juntam o sangue quer dizer que estão juntando as suas vidas é um tipo de pedido de casamento.

— Mas como? – Davi caiu sentado na poltrona – Que idiotice é essa? Ninguém pode estar levando isso a sério! Somos dois garotos.

— Não sei como é no seu mundo – Valhalla sentou em uma poltrona – Mas aqui em Naral amar e casar com pessoas do mesmo sexo é algo comum, entre nós é considerado o tipo de amor mais belo que existe.

— Você deve estar de brincadeira – Davi corou furiosamente – As pessoas no salão acham que eu pedi “ele” em casamento?!

— Eu jamais pediria um estrangeiro em casamento! – o rapaz o olhava com aversão – Isso seria uma ofensa!

— Ofensa ou não os dois vão ter que se suportar – disse Ismail com a expressão dura – A situação política de Eyri é muito instável para mudar isso agora.

— Das coisas estranhas que eu vi hoje essa foi à pior – Davi não se conformava – Como eles podem achar que eu pedi ele em casamento depois dele ter quebrado um copo em mim!

— Na verdade vocês podiam ser mais discretos – Sípria entrou com alguns apetrechos – Todo mundo viu mais cedo à troca de olhares de vocês. Os empregados estavam fofocando na cozinha. Deixa-meeu ver a sua mão majestade.

— Troca de olhares? Ta de gozação? Ele me olhava como se quisesse me mandar para outro planeta!

Dator começou a rir e Crhist reagiu indignado.

— Isso não é engraçado Landro!

— Vocês estão transformando uma poça em um oceano – disse Dator – Deixem os nobres pensarem que estão noivos e depois cancelem o noivado, caso não o queiram.

— Você é muito engraçado – resmungou Davi que pulou quando Sípria limpou seu machucado – Ui! Isso dói!

— Só mais um momento – disse ela sorrindo para ele – Foi só um corte superficial – ela passou os dedos pelo corte e de repente não havia mais nada ali – Uau! Como você faz isso?

— É o meu poder de cura – respondeu ela dando de ombros – Não é muito forte, mas ajuda com pequenos cortes e escoriações.  Agora me deixe ver a sua mão Crhist.

Ele fez uma careta para ela.

— Eu tenho meu próprio poder de cura!

Mas Sípria não lhe deu ouvidos, arrancou o guardanapo ensangüentado das mãos dele percebendo que realmente não havia mais corte nem um só um monte de manchas de sangue e suco.

— Vamos fazer como Dator disse – falou Ausna – Com o passar do tempo e a estabilidade política se firmar no seu reinado, o noivado de vocês pode ser cancelado sem muito escândalo.

Crhist levantou-se de modo intempestivo e saiu da sala.

— Meu genioso filho – na voz de Ausna havia carinho e preocupação – Pensei que a cavalaria iria colocar algum juízo na cabeça dele – virou-se para Davi – Majestade peço desculpas por tudo isso.

— Tudo bem – Davi sorriu para ela para tranqüiliza-la – Minha mãe costuma dizer que o que não tem remédio remediado está.

— Sua mãe é sabia – disse Dator – A festa já deve ter acabado, vou acompanhá-lo até o seu quarto.

— Duvido que eles percebam a falta do rei - disse Sípria indo para a porta – Estavam tão eriçados com o romance do século que nem notaram que vocês saíram.

~~***~~

Davi revirava na cama fofa e quente.

— Que sonho estranho. Acho que... hã... fiquei noivo, né?

— Bom dia! – alguém abriu as janelas deixando o sol entrar fazendo Davi esconder a cabeça nos cobertores – Como foi à noite majestade?

— Majestade?! – Davi seu um pulo descobrindo a cabeça e acordando de vez – Não foi um sonho.

Na noite anterior Dator o levara para um quarto em outra parte do castelo, mas Davi estava tão cansado que nem notara para onde estava indo ou como era o quarto. Havia se trocado e dormido imediatamente ao colocar a cabeça no travesseiro.

Sípria terminou de abrir as cortinas e Davi pode ver melhor o quarto.

Era um quarto grande, com móveis pesados feitos de uma madeira de cor marfim. O chão de pedra branca e polida era coberto de tapetes e as paredes cobertas de quadros de homens de aparência imponente, mas um desses quadros chamou a sua atenção. Era de um homem com uma magnífica coroa cabelos loiros com belos olhos verdes. Seu sorriso iluminava a pintura a ponto dela ganhar vida. Ele parecia muito com seu pai e com ele mesmo.

— Quem é ele Sípria?

— O último Grande Rei, aquele que foi para o exílio com o filho – olhou para o quadro e depois para Davi – Vocês se parecem muito.

— Ele é a cara do mau pai – levantou e andou descalço até o quadro – Então sou descendente de você... – virou para a governanta que o olhava de modo calmo – Sípria eu tenho irmãos, porque eles não estão aqui?

— Porque para ser rei não adianta ser só descendente da linha real Delano, precisa ter dentro de si um grande poder, um poder capaz de mover o mundo.

— Você está falando da mágica de vocês?

— O poder dos eyrianos vem da terra, da própria alma do mundo. O poder do rei é o maior poder de todos e dependendo de como ele é usado poder ser terrível ou pode ser maravilhoso.

— “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades” – Davi lembrou da célebre frase da revista em quadrinhos de Marvel, O Homem Aranha.

— É uma fala sábia meu rei.

— Acha mesmo que tenho um poder assim?

— Claro meu lord rei.

— Essa é nova – ele olhou para a moça – O que isso quer dizer/

— Agora que está de volta é o lord Ca casa Delano.

— Lord! Mas e o senhor Delano?

— Ele continuara a ser o conde, mas todas as decisões da casa Delano devem passar por você.

Outra responsabilidade? Já não bastava o reino todo?

— O quarto ao lado é um banheiro – ela apontou para uma porta que ele não tinha visto – A banheira já tem água quente para o seu banho – ela foi pegando as roupas que ele tinha usado no dia anterior – Tem toalhas e roupas limpas também – ela inclinou-se – Com licença.

Davi foi curioso para o quarto ao lado e abriu a porta.

O banheiro era maior que a sala da sua casa na Terra. Era todo de mármore, ou pelo menos ele achava que Ra mármore aquela pedra branco leitosa com veios rosa. Havia uma bancada onde estava a pia e o espelho. Em cima dela ele viu vários produtos como perfumes, óleos, sais de banho e sabonetes. Não havia chuveiro, mas uma banheira que mais parecia uma pequena piscina com duas torneiras à volta dela. A água quente saia vapor e um cheiro de cedro subia da espuma que estava em toda ela. Do outro lado do banheiro havia um armário com toalhas e roupões com um estranho símbolo bordado, uma videira e um dragão entrelaçados. Mais tarde ele descobriria que era o símbolo dos Delano.

O vaso sanitário era muito parecido com os da Terra, mas a caixa de descarga era de metal o que o fez rir.

Havia peças de roupas na ponta do balcão e ele ficou feliz por serem peças simples como a calça preta de tecido confortável, uma blusa branca de mangas longas e bordada com pequenos ramos floridos nas barras, um colete também preto e meias brancas.

Com um suspiro ele retirou o pijama e entrou na água quente e perfumada tentando relaxar e colocar seus pensamentos no lugar.

Depois de tomar banho vestiu as roupas e colocou as botas pretas e lustrosas. Ele se sentia bem melhor e ao entrar no quarto percebeu que alguém havia posto à mesa para o café e seu estomago roncou de fome.

Nesse momento a porta abriu intempestivamente e Crhist entrou sem nem mesmo olha-lo e sentou na pesa feita para duas pessoas.

— Ei! – Davi ficou vermelho de raiva – O que você pensa que está fazendo?

— O que deve ser feito – ele desdobrou o guardanapo e colocou no colo olhando Davi – Como seu noivo sou obrigado a dividir as refeições com você.

— Não tem ninguém aqui para você fazer o papel de noivo devoto – resmungou o rei.

— Esqueceu dos servos? Poucos sabem da nossa situação real, por isso tome o seu café de uma vez!

Davi estremeceu de raiva, mas não teve opção a não ser sentar com aquele desagradável.

Quando Dator entrou encontrou os dois assim, um procurando não olhar para o outro enquanto comiam.

— Bom dia majestade, bom dia Crhist.

— Bom dia Dator! – respondeu Davi sorrindo ao ver uma cara feliz.

Crhist não respondeu.

— Seja mais educado com seu irmão!

— O jeito que o trato é problema meu! – respondeu o outro com os olhos claros brilhando.

— Você se acha tão superior e nem é capaz de tratar bem as pessoas.

— Você não é nada para me criticar!

— Acho que sou o rei aqui! – Davi sorriu docemente.

— Você não passa de um inútil!

— Não me chame de inútil droga!

— Acho que se acabaram é melhor irmos para o escritório majestade.

A vontade de Davi era jogar o chá na cabeça daquele impertinente, mas já havia confusão demais na sua vida.

Eles saíram para os corredores iluminados pelo sol que entrava nas grandes janelas. Crhist ia atrás deles com a cara amarrada e braços cruzados.

— Ele tem que ficar atrás de mim? – reclamou Davi para Dator.

— Nossa mãe ordenou para que ele mantivesse as aparências por ora.

— Aparências, heim? – ele sorriu maldoso e falou sem se voltar – Pelo menos faça uma cara mais feliz Crhist!

— Cala a boca!

Davi riu e percebeu que gostava de atazanar o outro.

Eles chegaram ao escritório de Ismail onde uma discussão estava em progresso.

— O que você acha que vai acontecer se formos atacados Valhalla! – gritava Ismail.

— Estamos em época de paz! Será que não podemos deixar os soldados irem para casa?

— Se fizermos isso e Otop nos atacar seremos arrasados.

— O que está acontecendo? – perguntou Dator olhando um para o outro.

— A velha discussão – Sípria entrou com uma bandeja contendo um chá perfumado – Valhalla quer a dispensas de parte das tropas e Ismail pensa na segurança do reino.

— Acho que de agora em diante isso é assunto de que o rei deve opinar – disse Ismail sentando.

— Eu?!

— Antes de qualquer coisa ele deve entender a situação do reino – disse Sipria com as mãos na cintura – Vocês sinceramente acham que o menino, que veio de um mundo diferente, com costumes diferentes, vai ter alguma solução mágica para conflitos e problemas que tem centenas de anos? Ausna foi treinada durante anos pelo antigo regente e mesmo assim teve dificuldades para governar porque esperavam muito dela. Se tiverem um pouco de juízo vão ensiná-lo antes de jogá-lo no mundo da política – ela se inclinou para Davi e depois para Ismail – Com licença Majestade, meu lord.

— Sípria é sabia – disse Dator – Davi é o rei e a ele cabe as decisões, mas é nosso dever ajudá-lo com essas decisões.

— Esta bem – Valhalla levantou-se da poltrona onde tinha sentado – Quando ele estiver apto para me ouvir eu voltarei ao assunto – ela lançou um olhar contrariado para Ismail que franziu a testa e depois revirou os olhos.

— Valhalla onde esta a minha mãe? – perguntou Dator.

— No templo falando com Drima. Como você ordenou Kal está com ela agora.

— Kal é o melhor no que faz – disse Ismail mexendo em sua papelada – Foi você mesmo quem o treinou.

— Sei disso Ismail, confio em Kal para cuidar de nossa mãe.

— Kal? – perguntou Davi curioso.

— É o novo guarda costas de Ausna – respondeu Valhalla olhando para o céu azul pela janela – Dator é o segurança dos regentes, agora do rei e por isso foi designado outro para ela.

— Pra mim é uma grande honra servi-lo majestade – disse Dator inclinando-se para Davi e sorrindo para ele.

— Se temos que começar com as lições façamos imediatamente – Ismail apontou para um grande mapa que havia em uma das paredes – Primeiro as divisões políticas de Eyri.

Davi quase gemeu de desgosto, até naquele mundo ele era obrigado a estudar!

~~***~~~

Ausna senti-se leve naquela manhã ao cavalgar pelos campos de Eyri. Depois de tanto tempo sendo a Regente do reino, retirar esse fardo de suas costas era um grande alivio. Ela só se preocupava com a criança que agora era rei.

Ela tinha confiança nos seus filhos para instruir o novo rei, mas Crhist a preocupava. O filho caçula ao longo daqueles anos havia ficado tão diferente do pai e dela mesma, era um rapaz amargo, frio e por vezes calculista. Usava de todas as armas quando queria algo e não parecia preocupado com isso.

Seu marido Cinrei era a alegria do Castelo Branco e o querido de todo o reino a ponto dele ser aclamado pelo povo como o novo rei, mas o estron dizia que o verdadeiro rei viria logo.

— Você não viveu para vê-lo meu querido – murmurou para o vento – Sua existência foi tão efêmera, você nem pode ver Crhist crescer.

Ao longe ela avistou o Templo da Luz. Era um castelo de construção relativamente nova cercado de jardins e pomares que brilhavam a luz do sol.
TEMPLO DA LUZ
Ali era a capital da religião de Eyri, local onde as guardiãs eram formadas e iam para todo o país.

Uma moça a esperava sentada em uma em uma grande pedra à beira da estrada.

— Drima! – Ausna acenou para a Guardiã.

— Feliz chegada Ausna – respondeu a moça.

Drima era uma mulher baixa de longos cabelos castanhos e olhos pretos. Parecia uma pessoa comum e nada nela dizia que era a portadora de um poder fenomenal. Drima era a guardiã do poder da terra em Inay.

— Vamos andar pelos jardins – disse Drima pulando da rocha – Deixe seu cavalo com a sua sombra.

— Sombra?! – Kal saiu do meio das árvores olhando torto para Drima.

Kal Mynai era um militar discreto que fora treinado por Dator para substituir ele na guarda de sua mãe caso fosse necessário. Ele era um homem alto, de pele morena onde se destacavam os olhos azuis. Os cabelos pretos longos eram amarrados em um rabo de cavalo.

— Obrigada por cuidar de mim Kal – disse Ausna entregando as rédeas para ele – Mas gostaria de ficar a sós com Drima.

— O comandante vai arrancar a minha cabeça se algo lhe acontecer, senhora Ausna.

— Não é a toa que o Templo da Luz não tem muros soldado – Drima segurou a mão de Ausna – Vamos.

Kal ficou para trás com cara de poucos amigos.

As duas entraram pelos jardins e pomares até um canto onde uma fonte de pedra gorgolejava. Era uma bacia feita de pedra branca que caia em uma piscina mais abaixo. Em volta delas haviam arbustos de flores amarelas e perfumadas e bancos de madeira estavam distribuídos por todo lado.

Elas sentaram em um dos bancos e Drima respondeu a uma pergunta que Ausna ainda não tinha feito.

— Eu sei onde esta o livro.

— Que bom – Ausna parecia aliviada – Queria muito ter uma resposta positiva para o rei.

— Mas isso não quer dizer nada Ausna. O Livro das Trevas está livre de suas amarras, agora ele age por conta própria. Ela não esta mais ligado à linhagem Delano.

— O que isso quer dizer Drima?

— O Livro foi criado para um propósito e agora que não o tem ele pode fazer o que quiser.

— Isso não é perigoso?

— O Livro é feito de magia Ausna, ele não pode ser classificado nos termos de bom ou mau. Ele desaparecera quando a magia que o rege desaparecer.

— Pobre criança – disse Ausna olhando para o céu azul que se descortinava por entre os ramos das árvores – Eu me perguntava se o Livro o levaria de volta se as coisas não dessem certo.

— É isso que você quer? Voltar a ser regente?

— Não, nunca mais. Só estou com pena dele Drima – olhou os profundos olhos negros de Drima – Ele nem tem ideia no que está se metendo, no quanto a situação política de Eyri é complicada e frágil. Não passa de uma criança de um mundo diferente. Que tipo de monstros somos ao fazer isso?

— Pare de se martirizar. Sabe que ele esta junto aos melhores. Ismail pode ser um imbecil mau humorado, mas é um político sagaz e um estrategista frio. Valhalla é resmungona e um pé no saco, mas conhece o povo como ninguém. Dator é o melhor conselheiro que o menino poderia ter e Crhist... bem Crhist vai manter ele na linha.

— Que? Meu filho caçula odeia ele.

— Mas eles estão ligados Ausna. Eu vi as projeções para o futuro... nada boas... são sombrias minha amiga. Família contra família, guerras entre os reinos...

— Drima...

— Mas o futuro do reino de Davi Delano é projetado como um rastro de luz em toada essa escuridão. Ausna, se ele quiser pode ser o maior dos reis!

— Ele é uma criança Drima! Acha que ele não sente falta da família dele?

— Eu entendo você Ausna, mas Davi deixou de ser uma criança quando chegou a Naral – a guardiã deu um longo suspiro – Sabe você é incorrigível! Eu vou tentar falar com o Livro de algum modo, mas não prometo nada. Talvez a gente consiga que isso funcione de algum modo – ela se levantou – Vamos para o templo que eu quero ti mostrar algo.

O castelo era também uma área de peregrinação por isso estava sempre cheio de pessoas vindas de todas as partes de Eyri. Havia uma construção larga e comprida atrás do castelo, eram alojamentos para os peregrinos, feito por Ausna em sua época de regência. Os pátios internos eram os locais onde o povo se reunia com as guardiãs na procura de entrarem em contato com a Alma do Mundo. Sempre havia pessoas sentadas nos bancos, deitadas nos gramados tentando entrar em sintonia com a fonte do poder de Eyri, a alma de Naral. Ali vigiavam as linhas de força de força de Eyri através do lago espelho que ficava no subsolo do castelo, mas apenas as guardiãs tinham acesso a ele.

Elas entraram no templo vendo as estatuas dos antigos reis de Eyri que adornavam nichos nas paredes e estatuas de flores e arvores por todo o lado simbolizando a Alma do Mundo.

Atravessaram corredores até darem em uma porta antiga, de madeira vermelha toda entalhada com símbolos antigos cheios de poder.

Drima tocou em um desses símbolos e a porta abriu lentamente dando para uma escadaria que desaparecia no escuro.

— Drima você está me levando...

— Ao lago espelho. Esta na hora de você dar uma olhada nele.

Ausna nunca imaginara que isso fosse acontecer. Nem mesmo os reis os reis podiam olhar naquele lago conectado até a alma do mundo.

Conforme iam descendo as tochas presas na paredes iam ascendendo. Elas desciam cada vez mais pelo corredor úmido com os degraus da escada desgastados pelo tempo.

O primeiro Templo da Luz era subterrâneo, feito em uma época onde até a religião era algo perigoso. Sua construção datava de cinco mil anos atrás.

O poder da terra era tão forte ali que Ausna sentia a ponta dos dedos formigarem e o coração disparar.

— Drima... – Ausna parecia assustada.

— Tudo bem – ela virou-se para a antiga regente e segurou a sua mão – Seu poder não vai se descontrolar, apenas respire profundamente e acalme os seus nervos.

Ausna assentiu e voltaram a descer as escadas que pareciam infindáveis.

Finalmente chegaram a uma caverna onde magníficas estalactites pendiam do teto e formavam estalagmites no chão até se juntarem em colunas. O pinga-pinga da água era ouvido por todo lado. No centro da caverna havia um pequeno lago com a água totalmente parada, uma estranha água escura sem a mínima ondulação. Parecia mais um liquido viscoso que água.

Ausna aproximou-se lentamente e percebeu que nem mesmo o brilho das tochas eram refletidas por pelas águas.

— Solte seu poder agora Ausna. Esse lago está ligado à alma do mundo.

Ausna puxou uma corrente de prata de onde pendia um pingente, uma pedra marrom em forma de gota, a pedra de acalanto.

Os eyrianos eram um povo que há muito havia esquecido de onde vieram, o que sabiam era que as pedras de acalanto os acompanhavam desde o momento que tinham algum registro de sua história e mesmo o registro falado de lendas contavam daquelas pedras. Eles ajudavam o povo de Eyri a coordenar os seus poderes que de outro modo ficariam descontrolados. O poder manifestava-se em um eyriano por volta dos oito anos, quando ele ganhava sua pedra. Elas eram retiradas de vários locais e cada uma tinha um significado e uma história. Elas acumulavam memórias dos seus donos, sonhos e esperanças dando força nos piores momentos.

A pedra de acalanto de Ausna brilhou no momento que ela segurava e logo ela estava brilhando inteira.

De repente o lago espelho crispou como se alguém tivesse jogado uma pedra nele. As ondas aumentaram a ponto de o lago parecer estar em ebulição.

Ausna sentia seu poder fluir dela para o lago e do lago para algo mais profundo e mais vasto, tão vasto que ela se contraiu de medo.

— Tudo bem – Drima pôs a mão em seu ombro – A alma do mundo ti chama.

A água do lago voltou a se aquietar e agora Ausna podia ver algo, imagens que se formavam em superfície. Na imagem um arqueiro segurava uma flecha ensanguentada e a deixava cair em um rio que ficava vermelho sangue e ele olhou ao longe onde uma grande guerra explodia e...

— Não! – Ausna caiu de joelhos à beira do lago cobrindo o rosto com as mãos – Meus filhos não!

— Ausna tudo bem?

— Você viu Drima?

— Não a visão é só sua. Mas preste atenção, o que você viu tem várias interpretações.

— Eu vi um arqueiro segurando uma flecha cheia de sangue, um rio vermelho e a guerra e... meus filhos mortos – Ausna tremia.

— Era o que eu temia.

— Drima – Ausna se levantou – Você sabe o significado da visão?

— Traição!