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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Escravo - Capitulo 29 - A Promessa de Belém

Capitulo 29 – A Promessa de Belém


Já fazia uma semana que estávamos ali, presos naquela torre. Tiol não havia falado comigo depois que acordou, era como se não houvesse mais nada dentro dele. Preferia que ele estivesse gritando, berrando, qualquer coisa menos aquele silêncio.

Quando ele melhorou ficou horas encostado na janela sentindo a luz do sol. Sua visão não voltara e mesmo que eu esbravejasse que um médico o atendesse ninguém me dava ouvidos.

Eu também não vi mais o imperador. Eu podia ver os caças e naves do governo cortando o céu, mas era apenas isso que eu via. Nada chegava até nós e eu não sei se queria saber de algo.

Acho que um pouco da esperança havia me deixado também. Eu não via modo de fugir dali ou de que alguma ajuda chegasse até mesmo, ainda mais se todos estivessem mortos.

“Não! Isso não é possível! Vou acreditar até o último instante que eles estão vivos”!

Olhei para Tiol que estava em pé perto da janela com o rosto voltado para os raios avermelhados do poente. Seu bonito rosto estava cicatrizando e sabia que os aurifenses não costumam ter cicatrizes, então ele ia voltar a ser lindo, mas dentro dele algo havia se quebrado, talvez para sempre.

— Tiol se você conversar talvez ajude – eu já havia perdido a conta de quantas vezes havia dito isso e também de quantas ele havia me ignorado – Droga eu sei o que eles fizeram como você...

— O mesmo que eu fiz como você – ele respondeu com a voz rouca – O mesmo que fiz com tantos outros.

Fiquei surpreso por ele me responder.

— E acha que ficar assim vai mudar isso?

— Então me diga como mudo isso? – havia raiva em sua voz.

Bom, ele estava reagindo.

— Não dá para voltar no tempo Tiol e desfazer, mas o que vai fazer daqui para frente é o que conta.

— E o que vou fazer? – ele se voltou para mim, os olhos cheios de raiva e mágoa – O que posso fazer preso aqui? – voltou para a janela – Acho que esse é o meu castigo.

— Existe um ditado muito velho na Terra: “Errar é humano...”

— Eu sou aurifense.

— Então vamos adaptar: “Errar é parte da vida e perdoar também”! Acho que você não depende que cada pessoa que você fez mal ti perdoe, acho que você precisa se perdoar.

— Eu não quero.

— Idiota teimoso! – gritei para ele – Droga Tiol vai desistir? Depois de tudo vai simplesmente ficar ai até virar uma múmia? Temos que dar um jeito de sair daqui e achar todo mundo...

— Eles estão mortos Andrew!

— Não! Não! Não! Não! E não! Eu não aceito eu não acredito – fui até ele e espetei seu peito com meu dedo indicador – E você também deveria saber dentro desse seu coração.

— Acho que o teimoso aqui é você – ele deu um leve sorriso e eu quase chutei ele.

— Seu idiota! Imbecil! Não me dê outro susto desses ou eu mato voc...

Eu não consegui completar a frase. Tiol me segurou com força e começou a me beijar. Tenho eu dizer que me derreti como um idiota nos braços dele, mas havia um grande alivio dentro de mim, ele havia voltado e todo o resto dava-se um jeito.

— Posso ver você – ele murmurou de encontro ao meu ouvido.

Afastei-me um pouco dele e olhei para os olhos vermelhos e quase dei um pulo ao ver lágrimas escorrendo.

— Tiol...

— Ainda está embaçada, mas eu posso ver você! Esses olhos verdes que vivem me desafiando, esses cabelos dourados...

— Castanhos – resmunguei um pouco contrariado com a descrição romanesca dele.

— Pra mim sempre foram dourados. Você chamava tanto a atenção no leilão de escravos que havia me esquecido o que estava fazendo ali, que apenas queria alguém para dar de presente ao meu pai, mas quando você me olhou com tanta superioridade eu sabia que tinha que tê-lo.

— E você conseguiu – resmunguei tentando sair dos seus braços, mas ele me apertou.

— Não Andrew, eu não consegui. Desde o primeiro segundo você foi meu dono e precisei passar por muita coisa para perceber isso.

— E finalmente revelou-se? – eu tentei parecer sarcástico, mas minha voz estava tremula.

— Acho que eu finalmente pude ver a verdade.

— Trocadilho idiota!

Ele tocou no meu rosto como se me visse pela primeira vez e acho que teríamos uma cena romântica a lá novela das nove se a porta não fosse aberta.

— Meus senhores – era um escravo mestiço que de vez em quando nos trazia comida – O Imperador teve que ir até a capital econômica Mailt e deve demorar, está tudo pronto para a fuga de vocês.

— Fuga?! – olhei confuso para o rapaz.

— Venham não há tempo!

Olhei Tiol que deu um leve aceno com a cabeça e seguimos o mestiço.

No corredor haviam guardas desmaiados por todo o lado.

— O que aconteceu? – perguntou Tiol que segurava a minha mão enquanto corríamos pelos corredores e escadas.

— As cozinheiras colocaram soníferos fortes dentro da comida e da bebida. Não podíamos fazer isso enquanto o imperador estivesse aqui com seu estado maior, havia muita gente.

Estávamos indo para o porão onde havia um caminhão fechado e do lado de fora uma dezena de pessoas.

— Aqueles que estão do lado do senhor meu príncipe – disse o rapaz.

— Qual o seu nome? – perguntou Tiol.

— Aaran.

— Aaran quanto tempo acha que temos?

— Quinze minutos antes que a troca da guarda venha da cidade. Há um trem parado na linha que fica na floresta. Podemos nos esconder no vagão de carga e ele vai aportar em uma linha subterrânea de Mailt.

— Parece que você tem tudo preparado – disse pasmo.

— Não podemos mais deixar Adamas com o nosso mundo – disse Aaran com o queixo levantado – Vamos lutar até o ultimo homem por Aurifen!

— Vamos! – disse Tiol em tom de ordem.

Todos entraram no caminhão. Eu fui na caçamba com os empregados do castelo e Tiol foi na frente com Aaran. O príncipe conhecia bem os caminhos na mata e ia mostrar o mudo mais rápido de chegar.

Olhei para aquelas pessoas a minha volta. Eram aurifenses, mestiços e humanos partindo. Todos com o semblante cansado, mas com um brilho resoluto nos olhos.

A viagem não durou mais que cinco minutos.

— Desçam! – Aaran abriu a porta e cada um desceu, eu ia pular para o chão quando Tio segurou a minha cintura me pondo no chão.

— Cuidado – disse ele.

O idiota aqui ficou vermelho como um tomate e um pequeno calor tomou conta do meu coração.

Olhei para o lado dando com um trem elétrico. Devia ter uns cem metros de comprimento de cem metros com grandes vagões fechados. O condutor inclinou-se diante de Tiol.

— Meu príncipe devemos partir logo para chegarmos a Mailt.

— Obrigado.

Entramos em um vagão que tinha pilhas de sacos com grãos e atrás destes um espaço que podíamos nos enfiar.

Tensos e com medo sentimos o trem começar a andar e ganhar velocidade. Não havia janelas e estávamos no escuro, assim não dava para ver aonde íamos. Eu não sabia se podíamos confiar naqueles pessoas, mas não tínhamos outra opção e também resolvi acreditar que existem pessoas boas nesse universo.

De repente o trem começou a parar. Tenso apertei a mão de Tiol que estava do meu lado e ele responde. A porta se abriu a o condutor pôs a cara dentro sorrindo.

— Chegamos!

Estávamos dentro de uma estação de carga cavernosa onde haviam muitos trens indo e vindo, pessoas correndo de um lado para outro e vagões sendo carregados. Em meio aquela confusão passávamos despercebidos.

— Por aqui – disse Aaran – Estive na cidade algumas vezes e sei onde podemos nos esconder.

Fomos para o fundo da estação tentando nos esconder nas sombras e entramos em um corredor de serviço. Uma escada velha de metal descia cada vez mais. As paredes eram de pedra com luzes presas a elas e o ar úmido, o som dos nossos passos era a única coisa que se ouvia.

Assim que descemos nos deparamos com uma sala de onde saiam vários corredores parecendo muito antigos.

— Aqui era um abrigo anti atômico dos tempos antigos – disse Aaran – Alguns escravos fugitivos acharam esse local e vivem aqui.

— Deve ser muito velho – disse olhando em volta – As bombas nucleares não existem a... mil anos?

— Elas foram consideradas obsoletas há oitocentos anos – disse um fugitivo aurifen perto de mim.

Ele era da minha altura e parecia tão jovem quanto eu.

— Você era um professor? – Tiol olhou para ele – Ainda tenho dificuldades para ver, mas eu lembro de você.

— Você não parava quieto – o professor deu um pequeno sorriso – Se não fosse o senhor Abrahan ficar ali eu não conseguia te ensinar nada.

— Você não é muito novo para ser professor dele? – perguntei pasmo.

— Aurifenses são assim – ele deu um sorriso para mim – Parecemos sempre tão jovens, mas carregamos os anos dentro de nós.

— Precisamos ir – disse Aaran olhando para as escadas – Ainda podemos ser encontrados.   

Andamos por um dos corredores e fomos pegando varias bifurcações, escadas e túneis laterais até eu estar totalmente perdido e cansado. Finalmente paramos diante de uma imensa porta dupla de aço.

Aaran foi até um painel de controle e digitou algo, mas a porta não abriu ainda, foi necessário que ele chegasse perto de um sensor que leu sua retina e assim a porta começou a abrir com um rangido.

O ambiente atrás da porta era bem iluminado e ao entrarmos paramos estáticos diante daquilo.

A caverna devia ter mais de sessenta metros de altura e comprimento não podia ser identificado, ultrapassava fácil dois quilômetros. De largura eram em torno de quinhentos metros e uma cidade se erguia ali.

Casas feitas de madeira seguiam um padrão como em uma cidade. As ruas aram largas e varias pessoas transitavam ali assim como pequenos carros elétricos. Estruturas que pareciam estufas se erguiam a cada cem metros e holofotes potentes no teto iluminava tudo a ponto de parecer dia ali dentro.

— Nós a chamamos de Belém – disse um humano chegando perto de nós.

Eram alto como Tiol e tinha o mesmo porte militar. O rosto era bonito com belos olhos castanhos e uma barba rala. Os cabelos negros estavam presos em uma grande rabo de cavalo.

— Bairon! – Aaran deu um pulo e correu para os braços do outro – Eu estva louco de saudades!

— Não só de saudades – ele olhou o mestiço – Trazer eles aqui foi muito perigoso.

— Não fazer nada seria pior – Aaran se afastou contrariado – Bairon esse é Tiol, príncipe de Aurifen e seu companheiro Andrew.

Desde quando eu sou companheiro dele?

— Príncipe?! Aqui não há príncipes ou princesas meu senhor. Eu sou o chefe daqui.

— Já deu para perceber – resmunguei para ele.    

— O que você quer dizer garoto humano?

— Não somos seus inimigos para você nos hostilizar. Tiol é príncipe deste mundo e merece respeito, além do fato que não viemos aqui disputar o seu poder, saiba disso, mas ele pode ser muito curto se não trabalharmos em conjunto contra o Imperador. Por isso “poderoso chefão” baixa a bola!

Claro eu nunca conseguia ficar de boca fechada. Tiol do meu lado tentava não rir e eu dei-lhe um empurrão, mas Bairon deu uma gostosa gargalhada.

— Gostei de você.

— Bairon! – Aaran deu um tapa no ombro dele – Você já tem dono!

— E eu também – disse olhando Tiol que me observava com um leve sorriso.

— Bem vamos – Bairon começou a descer – Vou acomodar vocês.

Enquanto descíamos Bairon contava que ele e os pais foram os primeiros habitantes dali. Como católicos praticantes haviam dado o nome da cidade onde a tradição católica da Terra dizia ter nascido o filho de Deus, Jesus Cristo.

~~***~~

As casas eram bem construídas e com o interior também e madeira. Bairon acomodou a mim e Tiol na casa dele enquanto distribuía os outros pelas outras casas.

Eu cai na cama cansado demais até para pensar, mas Tiol estava cansado de não ter noticias, enquanto eu roncava (eu não ronco! Isso é calunia desse príncipe de meia pataca!) ele desceu para a sala onde Bairon de Aaran estavam sentados aos beijos, bem na verdade eles estavam quase se fodendo no sofá.

— Hum! – Tiol pigarreou constrangido e Aaran deu um pulo do colo do outro.

— Tiol... Príncipe Tiol.

— Me desculpe Aaran, Bairon, mas eu preciso de algumas informações.

— Eu imaginava – Bairon puxou Aaran para o colo – Sente-se príncipe. O que quer saber?

— Aqui tem alguma noticia da revolução?

— Sabemos que os líderes estão desaparecidos em um ataque em uma ilha.

— Ouvi pelos corredores – disse Aaran – que o imperador não achou corpos nas ruínas da ilha, mas ele diz que matou a todos para o alto escalão de comando.

— Eu não sei de sua família Tiol, lamento – disse Bairon – Mas parece que os ataques não pararam, como não temos relação com qualquer célula da revolução não posso te dizer mais que isso, mas as coisas lá em cima não estão boas – ele olhou o teto da casa – Mailt esta em ruínas.

— A capital econômica!

— Não há mais economia. Tudo entrou e colapso há algumas semanas e a fome está começando a virar uma praga nos países menores, mesmo aqui no continente principal. Há muitos feridos e os hospitais já não recebem verbas para atender a população e os mortos são tantos que estão pelas ruas.

— Pela Deusa!

— Seu pai está fazendo um bom serviço destruindo o nosso mundo.

— Ele já não tem o mundo sob controle – Tiol mordia uma unha – Se unificarmos as células da revolução derrubaremos ele.

— Você está disposto a governar? – Bairon o olhou de modo frio – Você pode ser o único herdeiro.

— Eu sou a pior escolha Bairon, mas até uma nova família subir ao poder sim, eu estaria disposto por Aurifen e por todo o povo.

— Será que o terrível filho caçula do imperador mudou? – Bairon destilava sarcasmo.

— Bairon! – Aaran disse escandalizado.

— Tudo bem – Tiol sorriu – Eu mereço isso e muito mais, todavia nesse momento não é mais eu ou você Bairon, mas cada um desse mundo que precisa de ajuda. Enquanto estamos aqui discutindo pessoas estão morrendo nos conflitos, de fome ou mesmo das doenças que vão aparecer. O tempo acabou!

— Muito bem! – Bairon se levantou – Acho que posso confiar em você.

Tiol e Bairon apertaram as mão selando um acordo para seguir em frente com a batalha contra o imperador.

— Por Aurifen – disse Tiol.

— Pela liberdade – disse Bairon.

E esse acordo ficou conhecido nos livros históricos de “A Promessa de Belém”.   

        

Um comentário:

  1. Eu não consigo não me emocionar a cada capítulo que leio. Mais uma vez, de novo, novamente:

    P-A-R-A-B-E-N-S!

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