Capitulo 29 – A Promessa de Belém
Já fazia uma semana que estávamos ali,
presos naquela torre. Tiol não havia falado comigo depois que acordou, era como
se não houvesse mais nada dentro dele. Preferia que ele estivesse gritando,
berrando, qualquer coisa menos aquele silêncio.
Quando ele melhorou ficou horas
encostado na janela sentindo a luz do sol. Sua visão não voltara e mesmo que eu
esbravejasse que um médico o atendesse ninguém me dava ouvidos.
Eu também não vi mais o imperador. Eu podia
ver os caças e naves do governo cortando o céu, mas era apenas isso que eu via.
Nada chegava até nós e eu não sei se queria saber de algo.
Acho que um pouco da esperança havia
me deixado também. Eu não via modo de fugir dali ou de que alguma ajuda
chegasse até mesmo, ainda mais se todos estivessem mortos.
“Não! Isso não é possível! Vou
acreditar até o último instante que eles estão vivos”!
Olhei para Tiol que estava em pé perto
da janela com o rosto voltado para os raios avermelhados do poente. Seu bonito
rosto estava cicatrizando e sabia que os aurifenses não costumam ter
cicatrizes, então ele ia voltar a ser lindo, mas dentro dele algo havia se
quebrado, talvez para sempre.
— Tiol se você conversar talvez ajude –
eu já havia perdido a conta de quantas vezes havia dito isso e também de
quantas ele havia me ignorado – Droga eu sei o que eles fizeram como você...
— O mesmo que eu fiz como você – ele respondeu
com a voz rouca – O mesmo que fiz com tantos outros.
Fiquei surpreso por ele me responder.
— E acha que ficar assim vai mudar
isso?
— Então me diga como mudo isso? –
havia raiva em sua voz.
Bom, ele estava reagindo.
— Não dá para voltar no tempo Tiol e
desfazer, mas o que vai fazer daqui para frente é o que conta.
— E o que vou fazer? – ele se voltou
para mim, os olhos cheios de raiva e mágoa – O que posso fazer preso aqui? –
voltou para a janela – Acho que esse é o meu castigo.
— Existe um ditado muito velho na
Terra: “Errar é humano...”
— Eu sou aurifense.
— Então vamos adaptar: “Errar é parte
da vida e perdoar também”! Acho que você não depende que cada pessoa que você fez
mal ti perdoe, acho que você precisa se perdoar.
— Eu não quero.
— Idiota teimoso! – gritei para ele –
Droga Tiol vai desistir? Depois de tudo vai simplesmente ficar ai até virar uma
múmia? Temos que dar um jeito de sair daqui e achar todo mundo...
— Eles estão mortos Andrew!
— Não! Não! Não! Não! E não! Eu não
aceito eu não acredito – fui até ele e espetei seu peito com meu dedo indicador
– E você também deveria saber dentro desse seu coração.
— Acho que o teimoso aqui é você – ele
deu um leve sorriso e eu quase chutei ele.
— Seu idiota! Imbecil! Não me dê outro
susto desses ou eu mato voc...
Eu não consegui completar a frase.
Tiol me segurou com força e começou a me beijar. Tenho eu dizer que me derreti
como um idiota nos braços dele, mas havia um grande alivio dentro de mim, ele
havia voltado e todo o resto dava-se um jeito.
— Posso ver você – ele murmurou de
encontro ao meu ouvido.
Afastei-me um pouco dele e olhei para
os olhos vermelhos e quase dei um pulo ao ver lágrimas escorrendo.
— Tiol...
— Ainda está embaçada, mas eu posso
ver você! Esses olhos verdes que vivem me desafiando, esses cabelos dourados...
— Castanhos – resmunguei um pouco
contrariado com a descrição romanesca dele.
— Pra mim sempre foram dourados. Você chamava
tanto a atenção no leilão de escravos que havia me esquecido o que estava
fazendo ali, que apenas queria alguém para dar de presente ao meu pai, mas
quando você me olhou com tanta superioridade eu sabia que tinha que tê-lo.
— E você conseguiu – resmunguei tentando
sair dos seus braços, mas ele me apertou.
— Não Andrew, eu não consegui. Desde o
primeiro segundo você foi meu dono e precisei passar por muita coisa para
perceber isso.
— E finalmente revelou-se? – eu tentei
parecer sarcástico, mas minha voz estava tremula.
— Acho que eu finalmente pude ver a
verdade.
— Trocadilho idiota!
Ele tocou no meu rosto como se me
visse pela primeira vez e acho que teríamos uma cena romântica a lá novela das
nove se a porta não fosse aberta.
— Meus senhores – era um escravo
mestiço que de vez em quando nos trazia comida – O Imperador teve que ir até a
capital econômica Mailt e deve demorar, está tudo pronto para a fuga de vocês.
— Fuga?! – olhei confuso para o rapaz.
— Venham não há tempo!
Olhei Tiol que deu um leve aceno com a
cabeça e seguimos o mestiço.
No corredor haviam guardas desmaiados
por todo o lado.
— O que aconteceu? – perguntou Tiol
que segurava a minha mão enquanto corríamos pelos corredores e escadas.
— As cozinheiras colocaram soníferos fortes
dentro da comida e da bebida. Não podíamos fazer isso enquanto o imperador
estivesse aqui com seu estado maior, havia muita gente.
Estávamos indo para o porão onde havia
um caminhão fechado e do lado de fora uma dezena de pessoas.
— Aqueles que estão do lado do senhor meu
príncipe – disse o rapaz.
— Qual o seu nome? – perguntou Tiol.
— Aaran.
— Aaran quanto tempo acha que temos?
— Quinze minutos antes que a troca da
guarda venha da cidade. Há um trem parado na linha que fica na floresta. Podemos
nos esconder no vagão de carga e ele vai aportar em uma linha subterrânea de
Mailt.
— Parece que você tem tudo preparado –
disse pasmo.
— Não podemos mais deixar Adamas com o
nosso mundo – disse Aaran com o queixo levantado – Vamos lutar até o ultimo
homem por Aurifen!
— Vamos! – disse Tiol em tom de ordem.
Todos entraram no caminhão. Eu fui na
caçamba com os empregados do castelo e Tiol foi na frente com Aaran. O príncipe
conhecia bem os caminhos na mata e ia mostrar o mudo mais rápido de chegar.
Olhei para aquelas pessoas a minha
volta. Eram aurifenses, mestiços e humanos partindo. Todos com o semblante
cansado, mas com um brilho resoluto nos olhos.
A viagem não durou mais que cinco
minutos.
— Desçam! – Aaran abriu a porta e cada
um desceu, eu ia pular para o chão quando Tio segurou a minha cintura me pondo
no chão.
— Cuidado – disse ele.
O idiota aqui ficou vermelho como um
tomate e um pequeno calor tomou conta do meu coração.
Olhei para o lado dando com um trem elétrico.
Devia ter uns cem metros de comprimento de cem metros com grandes vagões
fechados. O condutor inclinou-se diante de Tiol.
— Meu príncipe devemos partir logo
para chegarmos a Mailt.
— Obrigado.
Entramos em um vagão que tinha pilhas
de sacos com grãos e atrás destes um espaço que podíamos nos enfiar.
Tensos e com medo sentimos o trem
começar a andar e ganhar velocidade. Não havia janelas e estávamos no escuro,
assim não dava para ver aonde íamos. Eu não sabia se podíamos confiar naqueles
pessoas, mas não tínhamos outra opção e também resolvi acreditar que existem
pessoas boas nesse universo.
De repente o trem começou a parar. Tenso
apertei a mão de Tiol que estava do meu lado e ele responde. A porta se abriu a
o condutor pôs a cara dentro sorrindo.
— Chegamos!
Estávamos dentro de uma estação de
carga cavernosa onde haviam muitos trens indo e vindo, pessoas correndo de um
lado para outro e vagões sendo carregados. Em meio aquela confusão passávamos despercebidos.
— Por aqui – disse Aaran – Estive na
cidade algumas vezes e sei onde podemos nos esconder.
Fomos para o fundo da estação tentando
nos esconder nas sombras e entramos em um corredor de serviço. Uma escada velha
de metal descia cada vez mais. As paredes eram de pedra com luzes presas a elas
e o ar úmido, o som dos nossos passos era a única coisa que se ouvia.
Assim que descemos nos deparamos com
uma sala de onde saiam vários corredores parecendo muito antigos.
— Aqui era um abrigo anti atômico dos
tempos antigos – disse Aaran – Alguns escravos fugitivos acharam esse local e
vivem aqui.
— Deve ser muito velho – disse olhando
em volta – As bombas nucleares não existem a... mil anos?
— Elas foram consideradas obsoletas há
oitocentos anos – disse um fugitivo aurifen perto de mim.
Ele era da minha altura e parecia tão
jovem quanto eu.
— Você era um professor? – Tiol olhou
para ele – Ainda tenho dificuldades para ver, mas eu lembro de você.
— Você não parava quieto – o professor
deu um pequeno sorriso – Se não fosse o senhor Abrahan ficar ali eu não
conseguia te ensinar nada.
— Você não é muito novo para ser
professor dele? – perguntei pasmo.
— Aurifenses são assim – ele deu um
sorriso para mim – Parecemos sempre tão jovens, mas carregamos os anos dentro
de nós.
— Precisamos ir – disse Aaran olhando
para as escadas – Ainda podemos ser encontrados.
Andamos por um dos corredores e fomos
pegando varias bifurcações, escadas e túneis laterais até eu estar totalmente perdido
e cansado. Finalmente paramos diante de uma imensa porta dupla de aço.
Aaran foi até um painel de controle e
digitou algo, mas a porta não abriu ainda, foi necessário que ele chegasse
perto de um sensor que leu sua retina e assim a porta começou a abrir com um
rangido.
O ambiente atrás da porta era bem
iluminado e ao entrarmos paramos estáticos diante daquilo.
A caverna devia ter mais de sessenta
metros de altura e comprimento não podia ser identificado, ultrapassava fácil
dois quilômetros. De largura eram em torno de quinhentos metros e uma cidade se
erguia ali.
Casas feitas de madeira seguiam um
padrão como em uma cidade. As ruas aram largas e varias pessoas transitavam ali
assim como pequenos carros elétricos. Estruturas que pareciam estufas se
erguiam a cada cem metros e holofotes potentes no teto iluminava tudo a ponto
de parecer dia ali dentro.
— Nós a chamamos de Belém – disse um
humano chegando perto de nós.
Eram alto como Tiol e tinha o mesmo
porte militar. O rosto era bonito com belos olhos castanhos e uma barba rala. Os
cabelos negros estavam presos em uma grande rabo de cavalo.
— Bairon! – Aaran deu um pulo e correu
para os braços do outro – Eu estva louco de saudades!
— Não só de saudades – ele olhou o
mestiço – Trazer eles aqui foi muito perigoso.
— Não fazer nada seria pior – Aaran se
afastou contrariado – Bairon esse é Tiol, príncipe de Aurifen e seu companheiro
Andrew.
Desde quando eu sou companheiro dele?
— Príncipe?! Aqui não há príncipes ou
princesas meu senhor. Eu sou o chefe daqui.
— Já deu para perceber – resmunguei
para ele.
— O que você quer dizer garoto humano?
— Não somos seus inimigos para você nos
hostilizar. Tiol é príncipe deste mundo e merece respeito, além do fato que não
viemos aqui disputar o seu poder, saiba disso, mas ele pode ser muito curto se
não trabalharmos em conjunto contra o Imperador. Por isso “poderoso chefão”
baixa a bola!
Claro eu nunca conseguia ficar de boca
fechada. Tiol do meu lado tentava não rir e eu dei-lhe um empurrão, mas Bairon
deu uma gostosa gargalhada.
— Gostei de você.
— Bairon! – Aaran deu um tapa no ombro
dele – Você já tem dono!
— E eu também – disse olhando Tiol que
me observava com um leve sorriso.
— Bem vamos – Bairon começou a descer –
Vou acomodar vocês.
Enquanto descíamos Bairon contava que
ele e os pais foram os primeiros habitantes dali. Como católicos praticantes
haviam dado o nome da cidade onde a tradição católica da Terra dizia ter
nascido o filho de Deus, Jesus Cristo.
~~***~~
As casas eram bem construídas e com o
interior também e madeira. Bairon acomodou a mim e Tiol na casa dele enquanto distribuía
os outros pelas outras casas.
Eu cai na cama cansado demais até para
pensar, mas Tiol estava cansado de não ter noticias, enquanto eu roncava (eu
não ronco! Isso é calunia desse príncipe de meia pataca!) ele desceu para a
sala onde Bairon de Aaran estavam sentados aos beijos, bem na verdade eles
estavam quase se fodendo no sofá.
— Hum! – Tiol pigarreou constrangido e
Aaran deu um pulo do colo do outro.
— Tiol... Príncipe Tiol.
— Me desculpe Aaran, Bairon, mas eu
preciso de algumas informações.
— Eu imaginava – Bairon puxou Aaran
para o colo – Sente-se príncipe. O que quer saber?
— Aqui tem alguma noticia da
revolução?
— Sabemos que os líderes estão
desaparecidos em um ataque em uma ilha.
— Ouvi pelos corredores – disse Aaran –
que o imperador não achou corpos nas ruínas da ilha, mas ele diz que matou a
todos para o alto escalão de comando.
— Eu não sei de sua família Tiol,
lamento – disse Bairon – Mas parece que os ataques não pararam, como não temos
relação com qualquer célula da revolução não posso te dizer mais que isso, mas
as coisas lá em cima não estão boas – ele olhou o teto da casa – Mailt esta em ruínas.
— A capital econômica!
— Não há mais economia. Tudo entrou e
colapso há algumas semanas e a fome está começando a virar uma praga nos países
menores, mesmo aqui no continente principal. Há muitos feridos e os hospitais
já não recebem verbas para atender a população e os mortos são tantos que estão
pelas ruas.
— Pela Deusa!
— Seu pai está fazendo um bom serviço
destruindo o nosso mundo.
— Ele já não tem o mundo sob controle –
Tiol mordia uma unha – Se unificarmos as células da revolução derrubaremos ele.
— Você está disposto a governar? –
Bairon o olhou de modo frio – Você pode ser o único herdeiro.
— Eu sou a pior escolha Bairon, mas
até uma nova família subir ao poder sim, eu estaria disposto por Aurifen e por
todo o povo.
— Será que o terrível filho caçula do
imperador mudou? – Bairon destilava sarcasmo.
— Bairon! – Aaran disse escandalizado.
— Tudo bem – Tiol sorriu – Eu mereço
isso e muito mais, todavia nesse momento não é mais eu ou você Bairon, mas cada
um desse mundo que precisa de ajuda. Enquanto estamos aqui discutindo pessoas
estão morrendo nos conflitos, de fome ou mesmo das doenças que vão aparecer. O tempo
acabou!
— Muito bem! – Bairon se levantou –
Acho que posso confiar em você.
Tiol e Bairon apertaram as mão selando
um acordo para seguir em frente com a batalha contra o imperador.
— Por Aurifen – disse Tiol.
— Pela liberdade – disse Bairon.
E esse acordo ficou conhecido nos
livros históricos de “A Promessa de Belém”.
Eu não consigo não me emocionar a cada capítulo que leio. Mais uma vez, de novo, novamente:
ResponderExcluirP-A-R-A-B-E-N-S!