Mauro
Capitulo III
Mauro estremeceu olhando para o
rosto raivoso do enteado de sua mãe.
— Não sei o que temos que
conversar. Você já me julgou e me condenou.
— Eu amo a minha mãe e não quero
que ela se machuque mais do que já o fez. Quero fazer um trato com você. Fique
aqui e faça algo de bom nessa vida conhecendo ela e deixando que ela perca um
pouco desse sentimento de culpa idiota que ela tem.
O outro respirou fundo e sentou
na cama tentando manter distancia do outro.
— Olha eu não quis me meter na
sua família, foi um acidente eu ter vindo aqui. Vou dar um jeito de ir embora
logo.
— Você não entendeu moleque – ele
aproximou-se dele como uma montanha, os olhos dourados cheios de fúria – Você
vai ficar aqui e conhecer a Sacha e ser o melhor filho possível para ela ou vou
atrás do seu pai e contar onde você está.
— Você é louco? Que direito tem
de mandar na minha vida?
— O direito que você deu ao fazer
o que fez com ela. Eu não acredito na sua versão de bonzinho, pode apostar
nisso. Sacha quer que você fique e vai. Tem um pequeno apartamento em cima das
baias dos cavalos, não vou ficar na mesma casa que você. É bom para a sua
segurança que você nunca conte a ninguém essa conversa.
— Seu idiota, imbecil! – ele
estava vermelho da raiva com as palavras do outro – Eu não sou algum cachorro
para você tratar assim.
— Os meus cachorros são melhores
que você. Esteja avisado. Se sair um centímetro da linha ou for embora vou
mandar o seu pai atrás de você e nem pense em fugir, vou estar de olho.
Quando Valentim saiu do quarto Mauro
tremia de fúria. Quem aquele arremedo de cowboy pensava que era para tratá-lo
assim? Ele não tinha culpa com o que acontecera, fora tão vitima quanto a sua
mãe, agora era acusado de uma forma tão crua que o deixava com vergonha mesmo
não tendo culpa.
Só de pensar que seu pai podia
encontrá-lo estremecia. Devia ser mais valente e enfrentar Luiz Gustavo, mas
Mauro ainda tinha vivo na memória à arma apontada para si.
Respirando fundo ele se levantou
não sabendo como sair da chantagem de Valentim. Ele podia contar aos outros,
mas repudiava a possibilidade de causar uma briga entre eles como já havia
causado quando chegara.
Talvez o melhor fosse mesmo ficar
ali e tentar não causar confusão. Quem sabe ele conseguisse um emprego e uma
forma de ter sua vida de volta. Pelo menos seus itens pessoais e seus
documentos.
Lentamente ele desceu para a sala
onde as pessoas se levantavam da grande mesa.
— Pensei que ia dormir mais Mauro
– Dalton sorriu para ele.
— Obrigado por ter me deixado
descansar e pela roupa.
— Filho precisamos conversar –
disse Sacha chegando perto dele.
— Hum... sim eu gostaria de falar
com a senhora.
— Precisamos ir – disse Wagner
puxando Godofredo que ia fazer uma observação sarcástica – Kaila!
A menina olhou contrariada para o
pai e o acompanhou para fora. Dalton disse um bom dia, beijou a mãe e disse que
ia dormir um pouco, pois passara a noite em claro dirigindo e antes de sair
desarrumou os longos cabelos de Mauro.
— Tchau baixinho.
Mauro olhou vermelho para ele,
mas sorriu surpreendido com aquele carinho.
— Sente Mauro e como algo – pediu
a sua mãe apontando para a mesa farta.
O estomago dele roncou de fome.
Sentou e se serviu de pão feito em casa e café.
— Mauro sei que tudo isso foi
muito inesperado para você e acredite que para todos nós. Percebi que não quer
falar sobre o que o fez fugir machucado e vou respeitar seu silencio. Gostaria que
ficasse conosco filho...
— Bem... mãe – Mauro extremamente
constrangido pediu – Eu ia pedir se não posso ficar até conseguir algo – ele se
sentia como se estivesse pedindo esmola – Talvez estejam precisando de alguém
para ajudar na fazenda...
— Mauro você nem precisa pedir
meu filho, mas quanto ao trabalho não precisa se preocupar...
— Mãe eu não posso viver de
caridade do seu marido. Se não tiver algo aqui talvez um vizinho.
— Não seria caridade Mauro, mas
saiba que sempre tem algo para fazer aqui e que um par de mãos a mais é sempre
bom.
— Será que vocês tem um alojamento
ou algo assim onde eu possa ficar? – Mauro mordeu os lábios constrangido com
aquilo, mas não queria entrar em mais atrito com Valentim.
— Alojamento?! Mauro a casa é bem
grande e tem quartos vagos.
— Mãe, por favor – ele segurou a
mão dela em cima da mesa – Eu me sentiria melhor assim.
— Eu não gosto disso menino, mas
tem um antigo apartamento em cima da estrebaria onde vivia o segurança da
fazenda até quando ele se casou e mudou para uma casa aqui perto.
— Parece ótimo para mim,
obrigado.
Sacha ainda parecia contrariada,
mas para ter o filho perto de si faria qualquer vontade dele.
— Tenho algumas roupas antigas de
Dalton guardadas que nunca lembrava de doar, acho que pode ajudar até irmos à
cidade e vou pedir para arrumar o apartamento. Enquanto isso quero que coma e
descanse – ela tocou em um ferimento na sua testa – Como queria ter impedido
isso.
— Esqueci. Você não conseguiria
mesmo se estivesse ali.
Aquela era uma verdade que mãe e
filho compartilhavam. Ambos conheciam a brutalidade de Luiz Gustavo na carne.
~~***~~
Depois de comer o café Sacha o
levou para um quarto vago onde deitou se sentindo cansado e com dor na cabeça e
no rosto onde recebera as pancadas. Seu corpo doía pelo estresse e sua mente em
turbilhão não ajudava nada.
Ele puxou a coberta quase
cobrindo a cabeça e deixou com que um sono agitado o levasse.
Acordou quando o sol da tarde já
se punha deixando tudo em um tom rosado. Levantou e foi até a janela olhando
para baixo onde um pequeno jardim de rosas se estendia até um pequeno lago. Mais
alem ele viu pastos e os campos de soja que se estendiam até perder de vista. À
sua direita o morro se levantava majestoso com suas arvores e araucárias.
Desceu para a sala a encontrando
vazia e resolveu ir até a cozinha ver se achava algo para comer. Encontrou uma
senhora idosa e uma moça.
— Ola! – a moça lhe sorriu – Você
deve ser Mauro, eu sou Maria Eduarda, mas pode me chamar de Duda e essa...
— Acho que eu posso me apresentar
moleca! – retrucou a velha senhora de cara feia.
Ela era pequena, com o rosto
coberto por uma rede de rugas, os olhos eram muito parecidos com os de Wagner e
Valentim, dourados, cheios de vida. O cabelo branco estava amarrado em um coque
alto e ela se vestia com um vestido florido.
— Meu nome é Lucia menino e pode
me chamar de dona Lúcia.
Mauro teve vontade de rir dela,
parada ali perto dele com as mãos na magra cintura.
— Prazer Duda, dona Lúcia.
— Bom, bom – a velha senhora
voltou para o fogão.
— Com fome? – perguntou Duda com
delicadeza.
Era uma moça de uns trinta anos,
cabelos negros como a noite, olhos castanhos escuros, rosto redondo e um pouco
mais alta que ele. Seu sorriso era doce e calmo.
— Sim eu perdi o almoço.
— Perdeu porque estava dormindo
demais – resmungou Lucia.
Duda revirou os olhos e pediu
para que ele sentasse a mesa enquanto buscava algo.
Ele observou a grande cozinha que
tinha as paredes de revestimento claro, chão de piso branco, armários pretos e
brancos nas paredes, um fogão a gás e um a lenha que estava aceso naquela hora
e onde panelas borbulhavam com um cheiro de dar água na boca. A mesa no centro
era de madeira e parecia muita velha.
Duda apareceu com um sanduíche e
um copo de suco.
— Acho que isso ajuda até o
jantar.
— Obrigado.
— Sacha terminou de limpar o
apartamento acima da estrebaria e levamos algumas coisas para lá para que se
sinta confortável. Você vai gostar, é pequeno, mas arrumado.
— Vocês estão sendo muito gentis
comigo.
— Fazer o que, né? – disse Lucia
enquanto mexia as panelas.
— Não liga para ela – disse Duda
olhando para Mauro e sorrindo – É a idade afetando os miolos dela.
Lucia lançou um olhar feroz para
a moça e apontou a colher de pau para ela, mas Duda bocejou.
— Que tal vir comigo conhecer o
lugar?
Aliviado ele acompanhou ela.
— Sabe Lucia é uma boa pessoa,
acida, mas boa. Ela adora jogos de palavras e se quer seu respeito ganhe uma
briga de boca com ela.
Saíram para a tarde que chegava
um pouco fria e com cheiro de chuva. Nuvens escuras se levantavam ao norte.
Desceram uma estrada de chão
cheia de cascalho para uma estrebaria feita de madeira. As baias estavam cheias
com belos cavalos que batiam as patas no chão cheio de palha. Eram cavalos
estranhos como ele nunca tinha visto ao vivo, apenas nos filmes.
Eram malhados, brancos com marrom
na sua maioria, alguns mesmo totalmente brancos.
— Kaila chama eles de um nome
engraçado, americano acho: paint horse.
— Eles são lindos – disse Mauro
que não era muito de ficar perto de animais.
A fazenda do seu pai era composta
por um punhado de terras arrendadas e o resto eram imensas plantações
comerciais de cana de açúcar e soja. Sua casa sempre fora um local insípido onde
nem mesmo os jardins floresciam.
Subiram por uma escada de madeira
para o andar de cima onde havia uma porta também de madeira. Ao abrir deram com
uma pequena sala conjugada com uma minúscula cozinha, mas tudo era muito
organizado. Haviam duas poltronas em frente a uma TV em cima de um pequeno
rack, uma mesa de granito com quatro cadeiras, um armário embutido na cozinha,
um fogão de duas bocas, uma pia do lado deste, uma geladeira e um microondas.
Havia uma porta que devia dar
para o quarto e uma grande janela com uma cortina clara esvoaçante na brisa.
— Aqui é o quarto – Duda abriu
uma porta para um pequeno quarto com uma cama de solteiro, um armário, um baú e
outra porta aberta onde ele via um banheiro de piso claro.
Em cima da colcha de retalhos da
cama haviam pilhas arrumadas de roupas, no chão um par de botas, um tênis e
chinelos. Haviam também artigos de higiene como escova de dente, pasta, pentes
e um jogo de xampu e condicionador.
— Sua mãe não sabia o seu numero,
mas ela achava que as roupas e os calçados iam servir.
Mauro tocou nas pilhas de roupas
emocionado. Ele já havia se esquecido o que era um carinho de mãe, o que era
uma preocupação sincera.
— Preciso agradecer a ela.
— O jantar é as sete. Ai você agradece.
Ela se despediu e o deixou só.
Não sabendo muito o que fazer
arrumou suas coisas no quarto e andou até a sala sentando em uma poltrona e
ligou a TV para se distrair.
As quinze para sete vestiu uma
camisa de mangas longas xadrez, uma calça jeans preta e as botas que eram bem
usadas, mas confortáveis e foi até a casa que tinha a porta aberta depois de
Kaila sair correndo atrás de Godofredo.
— Não se atreva a tocar na minha
aranha de novo tiol – ela gritava possessa.
— Kaila! – Valentim quase
tropeçou em Mauro e o olhou com desprezo antes de ir atrás da irmã e do tio que
corriam pela estrada.
— Mauro – Wagner puxou ele para
dentro – Saia do frio e deixe eles se matarem.
— Boa noite senhor.
— Por favor, só Wagner, senhor me
fez sentir mais velho do que sou.
— Claro Wagner.
— Sabia que você podia ter ficado
na casa menino.
— Me desculpe o trabalho que dei,
mas eu acho que assim sua família vai se sentir mais à vontade e eu também.
— Se isso te faz feliz. Venha comer.
Entraram na sala indo para a mesa
onde estava sua mãe que lhe sorria, dona Lucia com cara de poucos amigos,
Dalton e um rapaz que devia ser um pouco mais novo que ele.
— Ola – disse o menino se
levantando a apertando à mão de Mauro – Acho que não fomos apresentados já que
eu estava dormindo, meu nome é Bruno e sou o caçula dessa família de loucos.
— Muito prazer Bruno.
— Da onde esse menino saiu
exatamente? – perguntou dona Lucia olhando para Mauro só faltando rosnar.
— Mãe eu já conversei com você! –
Wagner parecia contrariado – Deixe o menino em paz, o que ele menos precisa é
do seu sarcasmo.
— Eu não sou sarcástica seu filho
desnaturado! Eu devia ter ido para um asilo onde ia ser melhor tratada!
— Tenho ótimos endereços mãe.
— Devem ter ti trocado na
maternidade! Não tem como você ser meu filho.
— Eu concordo mãe e um exame de
DNA pode nos ajudar enormemente.
Lucia bufou e voltou a comer.
— Coma Mauro – sem que ele
percebesse sua mãe tinha feito o seu prato – Você quase não comeu o dia todo.
Vermelho pela atenção ele pegou o
prato e pôs-se a comer quando Kaila, Godofredo e Valentim entraram.
— Será que os três podem parar e
jantar agora? – perguntou Wagner contrariado.
Eles sentaram e Valentim lançava
olhares de desprezo para Mauro que tinha vontade de jogar o copo de suco na
cabeça dele.
“Como alguém pode ser tão
nojento, burro, imbecil, pateta, bonito” ela quase engasgou ao pensar assim. Claro
que o cara era bonito, ele não era cego ou idiota. Dalton também era bonito com
aquele seu jeito doce e sorriso fácil. Era uma família de pessoas bonitas,
mesmo as mulheres ele tinha que admitir. Kaila tinha cabelos longos, lisos e
castanhos brilhantes, os olhos eram de um lindo tom de chocolate e seu corpo
era magro, mas com boas curvas. Sua mãe sempre fora linda e ele tinha que
admitir que ela continuava, mesmo dona Lucia mantinha resquícios dessa beleza.
— Me diga Mauro você sabe algo
sobre fazendas? – perguntou Wagner para ele.
— Não muito senhor, mas posso
aprender. Em casa eu costumava trabalhar no escritório do meu pai, mas não
havia muita coisa mesmo já que boa parte das terras eram arrendadas.
— Podemos por ele junto com os
peões para arrumar as cercas – disse Valentim olhando para ele com um estranho
sorriso de lado.
— Eles estão arrumando as cercas
Valentim – disse sua mãe contrariada – É um trabalho muito pesado para ele.
— Acho que ele não pode opinar
muito e se algumas cercas são demais para ele imagine o resto. Talvez ele não
seja capaz de fazer nada.
O sangue subiu à cabeça de Mauro.
Ele pensava que não podia odiar o outro mais, todavia agora ele superou a faze
da raiva para a fase do ódio.
— Mãe eu estou pronto para fazer
qualquer trabalho. Posso muito bem ajudar com as cercas.
— Então estamos comb...
— Valentim – havia uma frieza na
voz de Wagner que até Mauro estremeceu – Acho que sou eu quem coordena os
trabalhadores e não me ouvi dizendo para onde ele vai.
— Desculpe pai – ele parecia
envergonhado – Mas é o único trabalho disponível e toda ajuda é bem vinda.
— S... Wagner eu poderia tentar? –
Mauro olhou para o homem – Talvez seja de alguma ajuda.
Ele tinha que fazer o outro mudar
de ideia ou Valentim podia cumprir a sua promessa e avisar o seu pai.
— Vamos tentar Mauro, mas se
perceber que não consegue quero que me fale. Não se sinta mal por isso, afinal
é um trabalho duro.
— Obrigado.
Jantaram em silencio e Mauro
percebeu que sua mãe não gostara nada do que ele ia fazer, mas não tinha opção.
Com Valentim em cima dele era melhor assim.
Terminado o jantar ele rejeitou a
sobremesa e voltou para a estrebaria sobre um céu coberto de estrelas.
Cansado ele sentou e resolveu
dormir porque teria que acordar às cinco da manhã se queria acompanhar os
outros na lida. Encontrara um velho despertador e o programou para as cinco e
desligou a luz deitando.
Como a sua vida podia mudar tanto
em vinte e quatro horas? Havia escapado do pai para as garras de Valentim que
não tinha escrúpulos de atormentar a sua vida o enchendo de ameaças.
O que iria acontecer de agora em
diante?