Beijos
Capitulo 34 – Sobre a Dor e a Vida
O tiro ecoou pelo ambiente cavernoso
fazendo todos encolherem as armas, inclusive Adamas que afastou a sua de Tiol
olhando com desprezo para as pessoas que haviam chegado.
— Boa noite pai – disse Yaci com o
rosto contorcido de raiva – Vejo que não mudou nada.
— Ora, ora, se não é o meu amado filho
herdeiro – o imperador ria debochado.
Em torno de Yaci havia vários homens
bem armados que logo desarmavam os soldados e ajudavam Tiol a se libertar. Ele
correu até mim.
— Você está bem? – ele segurou o meu
rosto que já devia estar com uma feia contusão.
— Estou – mas eu não estava.
Meu corpo doía e eu me sentia mais
cansado como nunca na minha vida. O que mais queria nesse momento era que tudo
isso acabasse de vez e pudéssemos recomeçar, mas pelo olhar de Yaci eu vi que
finalmente estávamos diante da luta final que ia decidir o destino de Aurifen.
— Acabo meu pai – disse Yaci
aproximando-se de do Imperador – Estamos atacando o que resta das forças suas
lá em cima. Você perdeu.
— E você acha que é um Imperador? Acha
que isso o legitima para o trono? Ou vai tomar o poder como eu fiz.
Yaci deu um sorriso frio para o pai e
jogou para ele uma espada.
— Eu vou merecer o império aurifense.
— O filhote acha que vence de mim? –
Adamas riu girando a espada como um homem experiente – Então venha e me mostre
o que sabe.
As espadas bateram uma na outra e o
som doía nos meus ouvidos. Soldados e revolucionários observavam atentos
sabendo que fosse lá o que fosse o resultado o império estava esfacelado e a
revolução vencera. Era hora de depor as armas e recomeçar.
Yaci girou o corpo e bateu na espada
do pai, mas Adamas parou o golpe do filho facilmente.
— Você sempre foi impaciente Yaci – o
imperador ria.
A expressão do filho era fria enquanto
o embati acontecia.
Tiol estava sentado no chão comigo
apertando-me nos braços. Ele tremia, eu sentia isso. Ali era seu irmão e seu
pai em uma luta que todos sabíamos no que ia dar: em morte. Um dos dois não ia
sair vivo dali. Por mais que eu queria ver o imperador morto e enterrado ver
seu próprio filho fazer isso era terrível e me deixava com náuseas.
Eu não entendia muito de esgrima, mas
Adamas e Yaci tinham o estilo muito parecido, mas o príncipe era mais rápido
pulando dos golpes do pai e atacando com mais rapidez que foi ficando cada vez
mais visível com o passar dos minutos.
As espadas eram grandes e pesadas, com
certeza não eram para embates tão longos.
O rosto de Adamas estava vincado pela
raiva e pelo cansaço, Yaci estava cada vez mais frio e batendo na espada do pai
com determinação.
O imperador fez um gesto mais longo e
por um segundo Yaci foi pego desprevenido e a espada do imperador afundou no
seu braço fazendo sangue escorrer por sua blusa e a todos gritarmos de raiva e
medo, mas esse foi o momento que Adamas baixou a guarda, rindo triunfante.
Yaci segurou a arma com a sua mão
esquerda e fez um arco com uma rapidez que nem nós vimos até que a cabeça do
imperador caiu no chão rolando e seu corpo tombava em meio a espasmos e sangue.
Foi uma cena que nunca mais saiu da
minha mente, às vezes eu tenho pesadelos com ela.
Yaci caiu de joelhos perto do corpo do
pai e começou a chorar e a gritar colocando para fora uma dor que era quase
física, que dilacerava sua alma.
Ele havia morto o seu pai, aquele que
lhe dera a vida, que o criara e, mesmo ele sendo o monstro que se tornara, ele
era, fora, seu pai.
Tiol chorava com o rosto escondido nos
meus cabelos e deixei que uma lagrima escorresse por meu rosto pela dor
daqueles príncipes e por cada aurifense.
~~***~~~
O que aconteceu depois é um borrão em
minha memória. Estava cansado e me sentindo muito mau e acho que desmaiei
patético, eu sei, mas tentem estarem grávidos em enfrentar uma guerra.
A verdade é que eu acordei em uma cama
que ficava em uma enfermaria sem janelas, mas com um ambiente bem iluminado.
Tinham varias camas com pessoas
correndo de um lado para outro junto com médicos e enfermeiros humanos e
aurifenses.
Meu filho chutou meu ventre e dei um
suspiro de alivio.
“Você é forte!” pensei enquanto
acariciava a minha barriga não querendo olhar para a movimentação de pessoas
indo e vindo e dos gemidos de dor das pessoas.
— Andrew? – alguém estava perto de mim
e quando levantei o olhar eu vi que era Abrahan.
— Abrahan! – gemi olhando para o seu
rosto cansado e com um doce sorriso.
— Meu filho – ele me apertou nos
braços e isso abriu os diques e eu chorei sem medo nos braços do homem que eu
considerava o meu pai.
— Calma, calma – ele murmurava para
mim enquanto acariciava as minhas costas.
— Eu senti saudades – ri para ele ao
nos separamos enquanto o doce aurifense enxugava as minhas lágrimas.
— Eu também meu querido – disse ele
tocando no meu ventre – E o meu neto?
— Acordado e chutando como um atacante
– como para provar isso o bebê deu um chute bem no local onde a mão de Abrahan
estava e os olhos dele se iluminaram.
— É maravilhoso sentir o meu neto
Andrew e saber que você e ele estão a salvo.
— E os outros?
— Tentando saber o que fazer – ele
sentou na cama segurando a minha mão – Não sobrou muito do nosso mundo e se não
fosse Aurilien não teríamos nem o que comer. Estamos na Oghman transportando
feridos para a lua onde serão tratados. Conseguimos colocar mil pessoas aqui
dentro e essa é a nossa décima viagem.
— Estou na bendita nave pirata? – eu
explodi de raiva – Eu prefiro ficar em Aurifen!
— Andrew todos nós erramos, mas os
piratas salvaram o nosso mundo e estão salvando vidas aqui. Porque não pode
perdoar e seguir em frente? Não fez isso com Tiol?
Com raiva de mim mesmo fiz um beicinho
de desgosto e Abrahan deu um leve sorriso acariciando os meus cabelos.
— Você é uma pessoa incrível filho e
sei que vai fazer isso.
Fiquei vermelho com o elogio dele, mas
meu coração palpitava cada vez que ele usava a palavra filho comigo.
— O dorminhoco esta acordado – Erim
apareceu sorrindo para mim e colocando a mão no ombro de Abrahan – Tudo bem meu
amor?
— Sim – o antigo consorte real tocou
na mão no seu ombro com um carinho doce – Ele já esta implicando por estar aqui
então esta bem.
— Eu não sou implicante – eu tentei me
defender, mas Erim levantou uma sobrancelha – Talvez um pouquinho.
Eles riram e eu me senti melhor.
— Estamos indo para a lua? –
perguntei.
— Sim – Erim acariciava os cabelos de
Abrahan como se não pudesse se manter longe dele – Estamos levando as pessoas
para os hospitais de lá. a maioria são da capital. Algumas cidades de médio
porte conseguiram sobreviver e estamos contando coma infraestrutura delas para
atendermos os feridos. Alem disso deixaremos você e Itieu lá para que...
— Que? – eu nem deixei ele terminar –
Eu não vou ficar na lua!
— Olha Andrew Tiol...
— Não importa o que esse príncipe
disse! Eu vou voltar para Aurifen nem que seja a pé!
— Eu disse que ele não ia aceitar –
Valdi apareceu com Itieu no colo me olhando com os seus grandes olhos vermelhos.
— Itieu – eu sorri para ele.
O menino escapou do colo de Valdi e
correu para o meu onde empoleirou e começou a chorar e tremer.
— Calma – eu o apertei nos meus braços
grato por sentir o seu cheiro novamente – Estamos juntos de novo.
O menino me olhou por entre as
lagrimas.
— Não vai embora mais não é?
— Não.
— Eu quero o papai – ele gemeu e eu
percebi que ele queria Tiol, aquele saco de merda.
— Eu e Itieu voltamos para o planeta –
eu sentenciei.
Eles não me convenceram e logo estava
voltando para Aurifen com Itieu do meu lado.
Na lua eu havia pedido para Valdi
comprar um ursinho de pelúcia, na verdade era um animal parecido com um gato,
mas bastava. Eu dera para o menino para que ele não se sentisse tão sozinho e
agora ele apertava o bichinho sentado do meu lado, já que a minha barriga
impedia-o de sentar no meu colo.
Eu fazia um carinho em seus cabelos e
ele parecia muito melhor, menos pálido e mais sorridente.
Paremos em uma área limpa que servia
de espaço porto, já que o que existia fora destruído.
Sendo o chão de terra, as naves não
pousavam realmente; ficavam flutuando uns centímetros acima do solo, pois
afundariam ao tocá-lo.
Outras naves que sobreviveram também
iam e vinham lavando feridos e trazendo suprimentos.
Trailers foram colocados em toda a
volta da área servindo de central de comando e veículos circulavam por todo o
lado.
Descemos apenas nós. Os outros estavam
envolvidos em levar os feridos para a lua.
Segurando a mão de Itieu andamos em
meio à movimentação sendo saldados por todos que trabalhavam ali.
— Andrew! – alguém me abraçou e eu vi
que era Aaran.
— Aaran! Você está bem?
— Graças a Deusa – ele disse se
afastando – Eu e Bairon sobrevivemos a estamos ajudando no que podemos.
— Estou feliz que estejam bem, mas eu
preciso falar com Tiol, sabe onde eu o acho?
— Ali – ele apontou para um trailer
maior que os outros muito movimentado – É a central de comando.
— Obrigado Aaran.
Fui em direção indicada e entrei no
veiculo onde a movimentação era intensa. Ali dentro havia monitores de computador
transmitindo informações, enquanto Yaci e Tiol estavam sentados em torno de uma
pequena mesa redonda onde conversavam com outro senhor. Todos estavam com o
semblante cansado e olheiras escuras sob os olhos vermelhos.
— Pai! – Itieu deu um grito de alegria
e correu para Tiol que o segurou pasmo me olhando contrariado – Olha! – o menino
mostrou o gato de pelúcia – Papa deu ele pra mim. Eu amo ele!
Itieu conseguia ser fofo mesmo com
aquele idiota como pai.
— Ola garoto – Tiol sorriu dando um
beijo no rosto dele – Não era para vocês estarem com tio Valdi e o vovô?
— Eu quero ficar com você! – o menino
se agarrou a ele com os olhos marejados – Deixa pai!
— Claro. Você não quer sentar ali um
pouco enquanto falo com seu papa? – ele apontou para um pequeno sofá ali perto
onde o menino empoleirou e ficou conversando com o brinquedo.
— Ola Andrew – Yaci sorriu para mim e
se voltou para Tiol – Eu disse que você devia ter conversado com ele!
— O que você está fazendo aqui? – Tiol
estava bufando, mas eu o ignorei e sentei perto do novo imperador.
— Como eu ajudo Yaci? Sabe que sou bom
nas comunicações e acho que a Central de Informações ainda esta em pé, não?
— Sim Andrew. Vamos levar a base para
o prédio assim que terminarmos aqui, mas acho que você pode ir se inteirando da
situação. Vou mandar Aaran e Bairon com você, temos muitos descontentes por ai.
— Andrew!!
— O que é Tiol?
— Eu não mandei você ficar na lua?
— Eu não obedeço você. Não é meu dono.
— Pelo amor da Deusa, você está grávido
e não pode ficar andando de um lado para o outro.
— Ora vai pastar! Eu e o meu filho
sobrevivemos a uma guerra, a explosões e seqüestros e um monte de merda para
agora você ficar chilicando quando eu só vou mexer com computadores.
— Você sabe que passou por muito
estresse e isso não é bom para o meu filho!
— Até onde eu sei você não fez esse
filho sozinho, assim o filho é nosso seu príncipe idiota!
— Humano irresponsável!
— Agora chega os dois! – Yaci disse em
tom contrariado – Por mais que eu esteja achando engraçadinho os dois eu não
tenho tempo para isso. Tiol Andrew vai para a Central coordenar as comunicações
e você fica comigo e não quero ouvir mais nada.
Eu fiz um bico contrariado e Tiol
bufava, mas sentou-se à mesa percebendo que era hora de trabalharmos pelo mundo
de Aurifen e não discutirmos.
Assim eu e Itieu partimos para a
Central de Informações, único prédio inteiro na capital.
Trabalhamos dia e noite levantando os
custos da reconstrução, perdas de vidas, economia e toda uma serie de coisas
com cifras imensas.
Estávamos todos cansados a ponto da
exaustão e depois de duas semanas eu estava me sentindo mal demais para
continuar com aquilo. Estava cansado o tempo todo, irritado e cheio de desejos
idiotas que Tiol satisfazia depois de alguns gritos meus.
Sei que fui um porre naquela época,
mas foram dias difíceis e dolorosos.
A cada dia o numero de mortos subia e
eu via Yaci definhando, não só pelo estado que seu mundo ficara, mas porque Ian
não acordava. Ele continuava em como apesar dos esforços dos médicos.
O castelo e a vila não haviam sido
atingidos e por isso fixamos residência ali.
Sabia que logo eu entraria em trabalho
de parto e a única coisa que podia fazer naqueles dias era me sentar em uma
cadeira perto da cama de Ian e conversar com ele.
Abrahan arrastava Yaci de vez em
quando para ver o garoto, mas eram apena por alguns segundos e ele logo ia embora
com lagrimas nos olhos cansados.
— Seu marido é um idiota – eu bufei
para ele – Eu sei que você quer ele por perto, mas ele consegue ser mais cabeça
dura que Tiol.
— Ola – Valdi colocou a cabeça dentro
do quarto com um bebê nos braços e Ana logo atrás.
Eu pouco via Ana ou a sua família que
estavam ajudando um país ao norte onde Tiesis agora era governador por ordem de
Yaci.
— Ana! – eu sorri para ela e a moça me
abraçou de lado por causa da minha barriga e me beijou no rosto.
— Como você está?
— Cansado e gigante – resmunguei voltando
a sentar e olhando Valdi que tinha um brilho nos olhos ao olhar para Volgan, um
bebê humano, filho adotivo de Frey e Gwidion, mas agora de Valdi também.
Eu via-o e os outros dois pelos
corredores. As crianças davam um ar alegre a toda a tristeza que vivíamos e
Itieu agora era inseparável amigo dos dois pestinhas.
Sabia que Valdi logo ia se mudar para
Aurilien, a lua, onde Gwidion era governador e se preparava para instalar um
entreposto comercial que ia render muito a lua e ao mundo de Aurifen. Mas eu ia
fazer o possível para que Itieu estivesse sempre em contato com seus amigos e
eu também não ia deixar de visitar Valdi.
Por fim eu percebi que ter raiva dos
ex-piratas era idiotice e comecei a pelo menos ter uma conversa civilizada com
eles.
— Ian – Valdi beijou a testa do outro
e Volgan resmungou em seu sono.
Era um belo bebê humano com cabelos
muito negros e pele branca.
— Como vocês estão? – perguntei para
Ana que acariciava os meus cabelos em uma caricia que estava me dando sono.
— Estamos indo bem. Tiesis esta
conseguindo bastante ajuda para reerguer o país e Karl o está ajudando. Finalmente
Marc esta em uma escola.
— Fico feliz por você Ana.
— Acho que vamos ficar bem Andrew, vai
ver.
Eu esperava que sim, mas não tinha
tanta certeza com relação a Ian e Yaci. A cada dia as chances de sobrevivência de
Ian eram mais e mais pequenas e isso acontecia também com o fraco ser que ele
carregava no ventre.
O dia estava acabando quando voltei
para o meu quarto. Minhas costas doíam a ponto de começar a mancar e eu queria
me deitar.
Encontrei Tiol e Itieu brincando no
nosso quarto.
Como um bobo eu sorri para os homens
da minha vida.
— Papa! – Itieu pulou e abraçou a
minha barriga – Oi irmãozinho!
— O que você estão fazendo?
— Jogando futebol virtual – Tiol me
mostrou a placa de vídeo game 3D no meio do quarto – Logo vamos lá fora jogar
com uma bola de verdade. O que acha Itieu?
— Eeeba pai! – os dois rolaram pelo
chão rindo e eu só pude sentar na cama com um leve gemido que não escapou de
Tiol.
— Que tal procurar Owen e Brit para
brincarem?
— Tá! – ele estalou um beijo em Tiol e
depois em mim e correu para a porta.
— Queria ter essa energia – gemi mexendo
as costas.
Tiol colocou a mão na base da minha
coluna e começou uma massagem relaxante.
— Sabia que você está lindo? – ele disse
sorrindo para mim.
— Mentiroso – retruquei de olhos
fechados e ficando relaxado nos braços dele.
— Não, é verdade. Sempre foi o homem
mais bonito que já vi Andrew.
Ele parou e eu abri os meus olhos só
para ver ele ajoelhado na minha frente com uma cara determinada.
— Tiol?
— Andrew antes de qualquer coisa eu
quero que me perdoe por tudo que fiz, mas saiba que eu amei você desde o
primeiro momento que o vi e mesmo de uma forma torta eu tentei mostrar isso –
ele segurou a minha mão me deixando cada vez mais pasmo e tremulo – Andrew eu o
amo alem de minha própria vida – ele levantou os olhos para mim – Gostaria de
ser o meu companheiro?
Nenhum comentário:
Postar um comentário