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sexta-feira, 23 de março de 2012

Rumo ao Paraiso - Capitulo 1

Capitulo Um



Laércio estava se segurando para não rir da mulher diante dele. Ela estava com os lábios franzidos e olhar frio, mas o efeito era atrapalhado pela gosma verde e fedorenta que escorria de seu cabelo e roupas.

— Uma coisa eu te digo seu Laércio – ela colocou as mãos na cintura – Seus filhos tem parte com o diabo. Eu vou embora! Não fico aqui nem mais um dia!

— Dona Margarida eu sinto muito.

— O senhor tem que dar juízo a seus filhos isso sim! – ela tentou fazer uma saída triunfal, mas escorregou quase caindo.

Assim que ela fechou a porta ele não conseguiu se segurar e começou a rir. Sabia que não deveria estar rindo das travessuras de seus filhos com a babá, mas a cara da mulher toda cheia de gosma era hilária demais.

— O senhor não devia dar corda – uma senhora idosa entrou com uma bandeja de café – Seus meninos estão ficando grandes para isso.

— Ela tinha uma cara tão séria Aninha que eu não pude resistir.

— Você já se deu conta que agora você é quem vai tomar conta deles?

— Amo meus filhos, mas eu não tenho o pique deles. Sabe onde é que eles andam para que eu dê o castigo que merecem?

— Regina desceu para a colônia, deve ter ido falar com a Isa. Jonathan está nos jardins ajudando o jardineiro e a dupla dinâmica Samara e Kauan estão empoleirados no pomar com o Zeca e o Berto.

— Agora devem estar bem mansos, não é?

— Sei que não gosta de castigá-los, mas esses são uma das consequências de ser pai. É sua função saber o que é melhor para eles.

Laércio sabia que Aninha estava certa. Levantou batendo no ombro da mulher que conhecia há mais de vinte anos e foi atrás dos filhos.



O touro negro de meia tonelada bufava no cercado feitos de ripas de madeira grossas e olhava para os homens do outro lado como se calculasse com ele ia chifrá-los.

— Eu juro que esse boi não gosta da gente – resmungou Leonardo, um vaqueiro de pele curtida do sol e estatura baixa.

— Concordo com você – Marcos Roberto era um rapaz alto, de olhos azuis se destacando no rosto cor de canela.

— Se vocês deixassem o Midnight em paz ele não ia ter vontade de matá-los – Márcio era administrador da fazenda. Era um homem de quase dois metros de altura, de constituição forte, com cabelos castanhos e olhos negros.

Do lado dele vinha outro funcionário da fazenda. Alberto era advogado, mas se vestia com as mesmas roupas despojadas dos outros e seu inseparável chapéu Stetson. Era um homem de pele também morena, com os olhos verdes e cabelos castanhos encaracolados. As mulheres costumavam se virar na rua para olhá-lo, mas ele fazia questão de dizer que estava comprometido. Berto era gay e tinha um companheiro há oito anos.

O touro parecia que percebera que estavam falando dele. Deu um passo para trás e investiu contra a cerca de madeira com tudo. A estrutura inteira estremeceu e Marcos e Leo deram um pulo para trás.

— Eu não sei como tem gente que desafia um bicho desse no rodeio – Leo olhou com aversão para o animal.

Midnight nunca havia deixado um peão em cima de seu lombo mais que oito segundos. Por isso mesmo a cada rodeio que o touro participava um numero grande de peões estava disposto a tentar a sorte. Havia um premio de cem mil reais para quem ficasse em cima dele oito segundos e isso era mais um incentivo para tentarem a sorte.

A fazenda Paraíso era conhecida por ter uma tropa de touros de rodeio respeitada no Brasil e na América do Sul. A fazenda também tinha uma grande produção agrícola de café, milho e soja. Alem disso havia uma imensa reserva legal de matas intocadas atraindo dezenas de visitantes todos os fins de semana.

Nesse momento o celular de Márcio tocou e ele atendeu sem nem mesmo olhar o numero:

— Alo?

— Márcio? – por um momento ele não reconheceu a voz tremula, mas de repente percebeu de quem era.

— Fabian? É você? – ele deu um grande sorriso. Fazia cinco anos que ele não tinha contato com seu irmão caçula.

— Sim – sua voz era triste e rouca e isso preocupou Márcio.

— Fabian o que está acontecendo? – ele se afastou do grupo de rapazes indo para perto de uma árvore ali perto.

— Márcio eu preciso de sua ajuda – ele falava rápido como se fosse perder a coragem a qualquer momento – O pai...

— Ele ti fez algo? Me fala!

— Foram só alguns arranhões, mas ele tentou bater no Gabriel.

— Gabriel?

— Meu filho, Márcio. Você é tio.

— Você casou irmãozinho? – Márcio sabia que o irmão era gay, coisa que eles escondiam bem do pai.

— Não. A mãe dele era a Irma. Lembra dela?

— Era a sua melhor amiga, não?

— É. Ficamos uma noite e ela engravidou, mas morreu no parto.

— Sinto muito Fabian, mas onde você está? Não pode ficar com o pai! Melhor eu vou ai em São Paulo ti buscar. Procure um hotel e eu pago...

— Calma! – na voz de Fabian havia um sorriso – Na verdade eu estou na rodoviária da cidade de Altinópolis.

— Graças a Deus! – suspirou Márcio – Calma ai que estou indo ti buscar ai a gente conversa com calma.

— Obrigado irmão.

— Não precisa agradecer, vai ser bom ter a minha família por perto – ele desligou o telefone e correu para os outros – Pessoal eu tenho que ir até a cidade buscar meu irmão que chegou da capital. Se o Laércio perguntar de mim avisem que tive uma emergência.

— Está tudo bem com seu irmão? – perguntou Alberto preocupado.

— É isso que vou ver Beto – ele desceu correndo para pegar as chaves da sua caminhoneta que estava em casa.



Fabian estava tão aliviado que sua mão tremia quando desligou o telefone. Era um alivio saber que ele podia contar com seu irmão, que não ia ficar na rua com Gabriel.

O bebê ajeitou no cesto, mas não acordou. Ele o cobriu melhor estremecendo no ar frio da noite que chegava. Ele não tivera tempo de pegar blusas quando saíra correndo de casa, só o moletom que vestia o que não era muito para o inverno.

Seu estômago voltou a reclamar e ele se sentiu subitamente cansado como se um grande peso fosse retirado de suas costas. Esfregou o rosto onde havia uma barba rala. Ele odiava aparecer na frente de Márcio como um mendigo, mas não via outro jeito.

Com vinte e seis anos ele podia ser considerado um rapaz bonito, apesar de seu corpo magro. Seus olhos eram castanhos atrás dos óculos com aro de metal, tinha sobrancelhas bem desenhadas em um rosto em forma de coração. Ele era de estatura mediana, mas sempre quisera ser mais alto.

Quando tinha treze anos havia descoberto que também gostava de olhar os garotos mais que as garotas e aos catorze havia tido uma paquera com um amiguinho de escola, mas o medo de ser descoberto pelo pai homofóbico o fezele sair do namoro.

Apenas seu irmão e sua melhor amiga Irma sabia de sua preferência sexual. Ele se considerava um covarde por ficar no armário com medo do pai e da violência que se espalhava como uma praga pela cidade de São Paulo. Havia visto jovens gays apanhando por apenas andarem de mãos dadas e até mesmo um pai e um filho por estarem em um show de rock abraçados, curtindo a banda que era a paixão de um e de outro.

Ele tinha medo da violência, medo da dor. Diante do mundo que era a favela ele havia aprendido a ter medo e que esse medo podia mantê-lo vivo em algumas situações. Revidar não era o melhor caminho sabendo que ele estaria só contra muitos.

Olhou algumas pessoas passando na rua. Suas roupas estavam sujas de terra assim como seus velhos chapéus de palha. Carregavam mochilas puídas e grandes garrafas térmicas para água. Deveriam estar vindo dos seus trabalhos nas fazendas que era a fonte de emprego da maioria das pessoas dali, ele imaginou, pois não viu nem uma indústria.

Eles lhe lançaram um olhar curioso, mas continuaram seu caminho até sumir em uma esquina.

Finalmente o sol se pôs e as postes começaram a ascender lançando uma luz amarela à volta. As casas que ele podia ver ao longe também tinham as luzes ligadas o que deu uma sensação de saudade em seu peito. Ele vivia em uma favela, mas aquele havia sido sempre seu lar. Ia sentir falta da conversa das pessoas a sua volta, da risada escandalosa da vizinha, de Irma.

Sua amiga havia morrido no parto. Sua pressão alta havia levado a melhor sobre ela na mesa da cesárea.

Quando soubera na sala de espera do hospital ele se sentira terrivelmente culpado. Se não estivesse tão bêbado na festa ou pelo menos usado um preservativo sua amiga não teria ficado grávida e morrido. Todavia tudo isso desaparece da sua cabeça ao olhar seu filho, um pequeno pedaço de gente lutando para viver na incubadora.

Durante um mês ele estivera ali, dia e noite esperando que seu pequeno Gabriel sobrevivesse e fosse para casa com ele.

Finalmente pode ter seu filho nos braços e ir para casa onde seu pai estava esperando para jogar na cara dele que não ia sustentá-lo e ao seu filho. Fabian sabia disso e sabia que havia um emprego esperando por ele que ele sempre se recusara, mas agora, por seu menino ele ia fazer.

De repente o som de pneus parando ali perto o tirou de seus devaneios e ele viu seu irmão pulando de uma caminhoneta S-10 azul cobalto com um intrincado FP entrelaçado em um logotipo na porta.

Era a primeira vez que ele via o seu irmão depois de quase dez anos afastados. Márcio estava com algumas rugas em torno dos olhos e sua pele mais morena.

— Fabian! – ele correu a abraçou apertado o irmão mais novo que sorriu em meio as lágrimas – Irmãozinho como é bom ti ver!

— Senti saudades também Márcio.

Seu irmão mais velho o afastou olhando para o olho roxo de Fabian e o lábio rachado.

— Você tem certeza que está bem? Posso te levar a um pronto socorro daqui.

— Eu estou bem sim. Eu bato na cabeça dele antes que fosse mais longe – apontou para o cesto – Que tal conhecer seu sobrinho?

Encantado Márcio olhou para o menino que dormia tão tranquilamente naquele velho moisés se encantando ao ver traços do Fabian nele, como o formato do rosto e as sobrancelhas.

— Ele é lindo Fabian.

— É a única coisa que me restou irmão.

— Nada disso. Você tem a mim também e uma casa para onde ir. Eu nunca gostei de ficar sozinho e eu deveria ter ido buscar você há mais tempo.

— Você sabe que eu sempre tive esperança que o pai largasse a bebida e a droga, por isso eu continuei com ele. Sei que é idiotice por que ele nunca quisera parar.

— Vamos pra casa para que você possa tomar um banho e um descanso. Imagino que esteja com fome – ele disse enquanto pegava as malas do irmão e este o cesto.

— Estou morrendo de fome irmão.

— Logo, logo a gente ta em casa – ele colocou as coisas na caçamba e abriu a porta do passageiro para Fabian entrar com o moisés – Você vai adorar o Paraíso!

2 comentários:

  1. oie,adorei!!!
    Parabéns...estou aguardando a continuação...
    verifique o titulo que diz cap 2 pq é cap.1...bjoas
    Giselle

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  2. Adorei !!parabéns, mais uma historia que nos deixa ansioos para a continuação!!

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