Capitulo Quatro
Foi apenas um resmungo, mas foi o bastante para acordar Fabian. Ainda tonto de sono ele saiu do calor das cobertas indo para o lado do berço onde seu filho havia acordado e resmungava balançando os pequenos punhos.
— Bom dia Gabriel – disse ele pegando o pequeno filho e levando até a sua cama ao perceber que ele precisava trocar a fralda.
Antes de ser pai ele pensava que não era capaz de fazer isso sem vomitar, mas depois de tantos meses ele já nem mais ligava. Com o bebê no colo desceu para a cozinha esquentar leite para ele e enquanto o leite amornava em uma panela, ele olhou o céu escuro pelos vidros da janela da cozinha.
O relógio marcava quatro e cinqüenta da manhã, mesmo assim lá fora estava cheio de sons. Vacas mugiam, pessoas conversavam passando na gente da casa, um galo cantou de modo estridente ao longe, cachorros latiam alegres e havia o som de milhares de pássaros chilreando por todo o lado.
Sentou em uma cadeira dando o mama para o menino que sorvia com avidez o leite ouvindo o barulho do chuveiro no andar de cima. Seu irmão acordava para mais um dia de trabalho assim como aquelas pessoas lá fora. A vida na fazenda começava cedo. Em São Paulo também se tinha que acordar as vezes até mais cedo para chegar na hora no trabalho, enfrentado transito engarrafado ou transporte público super lotado.
Ali não havia a correria ou a poluição. O ar cheirava a terra, mato e flores que ele podia sentir mesmo dentro da casa.
O céu começou a ficar levemente roxo com veios rosas quando o menino se deu por satisfeito. Ele colocou-o no ombro para arrotar e Márcio desceu as escadas vestindo jeans, botas de cano alto, camisa de flanela e jaqueta jeans. Seus cabelos estavam levemente úmidos e ele sorriu ao ver o irmão ali.
— Bom dia! Acordaram cedo!
— O Gabriel sempre mama nessa hora. Nunca vi ninguém mais pontual. Gostaria que eu fizesse o café?
— Na verdade eu tomo café com os peões no refeitório deles – ele piscou um olho – A Aninha é uma rabugenta, mas faz um pão de queijo como ninguém. Vou lá buscar para você, ta frio demais para sair com o pequeno.
Ele pegou uma garrafa térmica no armário e abriu a porta para o ar frio da manhã.
O bebê finalmente dormia e ele o levou de volta ao berço descendo quando Márcio chegava com a garrafa e um recipiente de plástico grande.
Eles arrumaram a mesa e seu irmão destapou o pote percebendo que ele tinha trazido bolos, pães caseiros e pães de queijo para um batalhão.
— Acho que a Aninha ta achando que você precisa engordar! – Mário riu.
— Eu acho que estou ótimo, mas se continuar a comer a comida dela vou engordar mesmo – respondeu o outro revirando os olhos ao mastigar um pedaço de bolo da fubá.
— Não elogia não ou ela vai ficar insuportável!
— Ela é uma graça – olhou Márcio – Você e seu patrão tem uma relação estranha, eu não esperava isso de um patrão e um empregado.
— Laércio trata cada um de nós como parte de sua família, Fabian. Ele participa de todas as festas de aniversário, dá presentes a todos, é convidado para as festas de formatura e para ser padrinho de muitos bebês que nascem nas famílias dos moradores.
— Ele é muito rico?
— Está entre os vinte mais ricos do mundo.
Fabian quase engasgou.
— Ual!
— Isso tudo era do avô dele. Seu Antonio foi vaqueiro no pantanal e conseguiu comprar terras aqui quando isso era um sertão. Foi ganhando dinheiro com gado e café, construindo seu império de terras que ele foi conquistando. Ele tinha uma única filha e ela se casou com um comerciante rico da capital contra a vontade dele e foi embora brigada, nunca mais voltando. Laércio cresceu na capital, longe das suas raízes no interior, mas quando contou aos pais que era bissexual aos catorze anos e seus pais não aceitaram. Ele fugiu de casa com a roupa do corpo e pedindo carona chegou até a fazenda de um avô que ele não conhecia. Seu Antonio era um homem sério e por vezes conservador, mas aceitou o neto e sua opção sexual nunca tentando mudar isso. Pelo que sei os pais de Laércio nunca mais tentaram entrar em contato com ele, mas se quer saber a minha opinião ele não perdeu nada. Seu Antonio tinha o maior orgulho do homem que havia virado o neto.
— De pais ignorantes eu entendo – disse Fabian triste.
— Fabian – Márcio passou a mão no cabelo do irmão – Agora você está começando sua nova vida. Descanse esses dias e conheça a fazenda – levantou e pegou o chapéu – Vai haver muito tempo para que você pense no futuro, mas não se esqueça, você está em casa.
Lara de Rebelo e Rosar olhou para a casa de fazenda pintada de branco sorrindo pela primeira vez em muito tempo.
Havia investido ali todo o dinheiro que sua mãe havia deixado assim como do marido morto, mas deste ele não queria lembrar.
Criada em uma fazenda do interior do estado de Santa Catarina ele sempre quisera voltar para o campo, mas o marido dominador odiava qualquer coisa ligada ao meio rural. Quando Alonzo morreu em um acidente de carro há um ano ela começou a colar os cacos de sua vida.
Seus pais estavam mortos, Alonzo não tinha família. Ela estava sozinha para tomar as rédeas de sua vida e fazer o que quiser, mas assim como a liberdade trazia coisas boas com ela havia também a incerteza de estar fazendo o certo, de não estar jogando no lixo o dinheiro que tinha.
Ao parar o jipe Land Hover que havia comprado em um ataque de extravagância na porta da sua nova casa, percebeu que fizera o certo. Cortara todas as amarras com aquela vida que tivera ao lado do seu marido. Era hora de esquecer todo o pesadelo e seguir em frente.
Ela ainda era jovem com apenas vinte e oito anos. Longos cabelos loiros dourados e intensos olhos verdes. Seu corpo era cheio de curvas que seu marido odiava, vivia dizendo que ela estava gorda e por vezes a trancava no quarto só com água. Ele dizia que assim era melhor que i spar.
Bateu a porta do jipe com mais força que o necessário. Não ia mais pensar nisso. Ela se recusava a deixar as lembranças naquele louco destruírem a sua vida. Estava recomeçando e isso incluía novas lembranças que ela ia construir. Sabia que sempre haveria aquele lugar escuro dentro de sua mente onde as lembranças de sete anos vivendo com um maldito louco como Alonzo iam estar, o que ela podia fazer era não deixar com que isso regesse a sua vida.
Deixando as malas no carro andou até a casa em estilo colonial com as paredes pintadas de brancos e as janelas amplas azuis. A base era da casa era feita de pedras e a casa era cercada de uma ampla varanda cheia de samambaias e poltronas. A casa era cercada por um grande gramado bem aparado com vários canteiros de rosas de várias cores. Havia também uma piscina que não era visível naquela parte.
Ela mandara reformar tudo e concertar tudo. Haviam agora instalações modernas para o inicio da produção de leite que ele ia destinar a produção de queijos mineiros, ricota e queijo árabe, muito usado e procurado na região.
Os galpões estavam um pouco afastados e eram o curral, seu bezerreiro onde os bezerros iam ficar, a sala de ordenha, a fabrica de queijo e um barracão maior onde ficavam tratores e implementos agrícolas. Havia também a casa do caseiro, a o administrador e outra de um casal que cuidava da fazenda.
Ao longe viam-se as vacas pastando no pato seco, mas logo que a chuva da primavera caísse eles iam ficar verdes novamente. Enquanto isso a alimentação ia ser reforçada com o capim colonial e ração para que a produção de leite não se perdesse.
A porta de madeira da casa foi aberta por uma senhora gordinha e de pele morena que sorriu para ela.
Maria do Rosário Silva fora sua empregada e uma das únicas amigas em São Paulo, quando resolvera recomeçar a sua vida havia convidado Maria, seu marido Jorge e sua filha Marta para morarem na fazenda o que fora prontamente aceito pela família que a ajudara nos tempos difíceis.
— Bem vinda Lara – disse a senhora beijando o rosto da moça – Eu já estava preocupada com você nessa estrada.
— Sabe que eu sou boa motorista Maria – ele sorriu e devolveu o beijo – Como vão as coisas?
— Tá tudo bem – eles entraram na varanda de pisos cerâmicos e colunas de sustentação de madeira.
O interior da casa era também pintado de branco, com o chão de madeira recém envernizado. A sala tinha sofás em tons pasteis com poltronas floridas, mesas antigas e cristaleiras. Havia a um canto uma grande mesa de dez lugares que estava jogada na casa e que fora reformada. Os lustres no teto eram antigos, mas depois de uma limpeza tudo brilhava. Havia cheiro de cera e limpeza no ar que era aquecido pelo sol que entreva das janelas abertas para a brisa da manhã.
Elas foram até a cozinha enorme com paredes revestidas de pisos brancos, com um grande fogão a lenha de um lado onde labaredas lambiam as panelas que borbulhavam. Outra parte da cozinha era mais moderna, com armários pretos com detalhes brancos, eletrodomésticos e uma mesa de granito onde estava posto um grande café com bolinhos de chuva ainda quentes.
— Você fez bolinhos de chuva? – Lara abraçou a amiga – Como sabia que eu estava louca de saudade dos seus bolinhos?
— Uma mãe sempre sabe sobre os seus filhos.
— Cê não vai me fazer chorar, não é? – mas já haviam lágrimas nos olhos da moça ao abraçar a senhora.
— Não é essa a minha intenção filha. A coisa que mais quero é vê-la feliz finalmente.
— Então vamos começar agora! Vamos aos bolinhos!
Laércio havia ido a cidade buscar as vacinas que havia encomendado na loja de produtos agrícolas da cidade e enquanto observava as sementes de tomate cereja em uma prateleira ouvia os fazendeiros a sua volta.
— Soube que uma moleca da cidade comprou a fazenda do seu Célio? – perguntava um senhor alto e magro com um chapéu furado.
Ele era dono de uma grande fazenda de café, mas se vestia de uma maneira com roupas velhas e rasgadas.
Seu companheiro de fofocas era um outro fazendeiro com grandes bigodes, botas cobertas de bosta de vaca e cheirando a chiqueiro.
— Outra aventureira que acha que pode tocar uma fazenda. Não deve passar de uma puta da cidade grande.
Revirando os olhos ele pegou alguns pacotes de sementes de tomate para dar para Lucas usar em sua amada horta e foi rumo ao caixa. Um senhor sério e negro que Laércio conhecia há muitos anos.
— Bom dia seu Teo.
— Bom dia menino. Suas vacinas chegaram – lançou um olhar reprovador para os dois que olhavam as mercadorias com desdém – Eles se acharam outro coitado para fofocar.
— Estão falando da moça que comprou a fazenda perto de minha. Não sei muito, só que ela vai fazer queijo e já contratou empregados. É sempre bom ter alguém disposto a investir na cidade.
— Graças a Deus os jovens fazem isso, por que se dependesse desses fazendeiros velhos...
Ele deixou a frase no ar enquanto pegava o cartão de Laércio que percebera que os fazendeiros o olhavam de lado. Chegava a ser engraçado depois de tantos anos ele ainda ser motivo de chacota daqueles senhores que ainda não haviam percebido que a época dos coronéis havia acabado. Eles desaprovavam seu jeito de cuidar dos negócios e de tratar seus empregados como parte da família e mais que isso eles não suportavam o fato dele sair com homens.
— Deixe eles – resmungou seu Teo entregando suas coisas em uma sacola – O tempo passou, mas esses homens ainda não se deram conta. Quando perceberem isso vai ser tarde demais.
Laércio sorriu para o amigo e de despediu saindo da loja e indo para a sua caminhoneta parada no meio fio.
Rumou para a sua fazenda deixando de lado os fazendeiros para pensar em seu problema imediato, uma baba para os seus filhos. Eles eram já eram grandes, mas eles tinham a tendência de conseguir arranjar problemas o tempo todo e isso o deixava de cabelos brancos. Precisava de alguém em quem confiar e que fosse de pulso firme com eles.
Parou perto de casa e ao sair da caminhonete foi atacado por Anúbis que pulou em seu peito lambendo seu rosto como um louco.
— Anúbis para! – infelizmente o cachorro nunca havia obedecido a ele e só parou a sessão de lambidas para correr atrás de Sekmet que aparecera ali para se esfregar na suas pernas.
Olhou a corrida dos dois pela fazenda e balançou a cabeça. Nem ia tentar gritar com eles.
Ia entrar quando ouviu Samara chamando-o.
— Pai! – ele olhou para cima e quase teve um ataque cardíaco.
Sua filha estava no galho mais alto de um imenso pé de jatobás que ficava perto da sua entrada de carros. Ela acenava para ele a dez metros de altura.
— Samara minha filha, desce daí.
— Dá para ver toda a fazenda daqui pai!
— Do sótão também Samara! Desce daí!
Ante o tom autoritário do pai ele fez um bico e foi descendo pelos galhos com desenvoltura e quando chegou ao chão Laércio respirou aliviado.
— Samara o que foi que eu falei sobre subir em árvores?
— É perigoso eu posso cair e me machucar.
— E por que você estava em cima do pé de jatobá?
— Eu gosto de subir em árvores pai, eu não caio.
— Mas e se um dia cair de se machucar? Eu ia ficar muito triste e preocupado.
— Eu sei.
— Então tenha mais cuidado.
— Tá certo – ela saiu chutando pedras no caminho.
Ele precisava de ajuda e com urgência!
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