A rua estava muito escura e suja. Nada
se via naquele beco que não fosse velhos papéis voando ao sabor do vento da
noite. Até mesmo as estrelas não estavam aparecendo em um céu cor de chumbo da
cidade de Ribeirão Preto.
A rua era um atalho perigoso, ele
sabia disso, mas estava tão cansado e com tanta vontade de chegar em casa que
nem se preocupou com as montanhas de lixo de restos de materiais de construção.
Acelerou o passo, mas parou de repente
achando que tinha ouvido algo. Olhou em volta e nada vendo continuou o seu
caminho balançando a cabeça contrariado.
O jogo do seu time ia começar logo e
ele ali achando que estava vendo fantasmas.
Ficou tão entretido com o doce pensamento
do Corinthias ser campeão da Libertadores da América que não ouviu os passos atrás
dele, passos delicados, quase imperceptíveis...
Capitulo I
Roberto de Souza Almeida olhou para área
isolada com a fita preta a amarela cheia de curiosos e reportes que pareciam
ter faro para essas coisas. Pulou a fita indo para junto do policial da técnica.
O corpo de rapaz estava deitado em um
beco, não muito longe da calçada. Deitado em uma poça do seu sangue o garoto
loiro, que não deveria ter mais que vinte anos olhava o mundo com as órbitas
vazias. O assassino em algum momento de sadismo havia arrancado os olhos da
vitima.
— O cara é bom – disse o técnico – Fez
uma incisão perfeita para a retirada dos olhos.
— O sangue veio da onde?
— Ele o esfaqueou no coração por entre
as costelas, não sem antes cortar seus pulsos – ele apontou para os braços do
rapaz – Imagino que ele tenha usado algo para impedi-lo de gritar, afinal o
menino sangrou ainda vivo.
— Acharam a identificação?
— Marcos Vinicius Carvalho, morador na
rua Vilela, na Vila Carvalho. Não é muito longe daqui.
— Ele deveria estar indo para casa –
Ronaldo Braz chegou até eles.
Braz era um tipo alto e musculoso. Os cabelos
castanhos estavam cortados curtos e o rosto tinha uma longa cicatriz que ia do
canto do olho direito até a orelha. Estava com o ar sério o que era difícil ver
no investigador brincalhão.
— É comum usar isso como atalho.
— Bem não levaram nada dele a não ser
os olhos. Celular e carteira no bolso, aliança de prata e pulseira de ouro. Tudo
certinho.
O técnico fechou o bloco de notas e se
afastou.
— Porque será que estou começando a
ficar com dor de cabeça? – resmungou Almeida voltando a olhar em volta.
— Isso ai não é boa coisa Robert – era
muito raro Braz chamá-lo pelo primeiro nome – Buscamos nos arredores e não
achamos os olhos e pelo que vemos o assassino os levou.
— Mais alguma coisa em volta?
— Nada. Tudo limpo.
— Vizinhos?
— Cegos, surdos e na sua maioria
mudos.
— Quem pode condená-los – Almeida olhou
para as casas velhas e descascadas da rua com mato crescendo por entre as
pedras do calçamento – O local é conhecido por ser barra pesada.
— Vamos remover o corpo para o Cemel e
você fica com os reportes – Braz apontou para o aglomeramento de pessoas
contidas pelos policiais.
Almeida fez uma cara contrariada
olhando para o grupo e as câmeras.
— Porque eu?
— Porque eu não estou com paciência!
Braz foi para junto dos outros
policiais e Almeida enfrentar a maratona com os reportes que como sempre queriam
mais do que ele podia dar e por muitas vezes induzindo-o a falar aquilo que não
queria.
Assim que chegou a delegacia seu chefe
resmungou para ele e o mandou entrar em sua sala onde Braz já estava tomando
café.
— Isso está virando um circo! – resmungou
o delegado Moura.
— Vai ficar pior se eles descobrirem
que já aconteceu antes – disse Braz.
— O que? – Almeida se virou para ele.
— Eu me lembro de seis vitimas em
Bertioga há dez anos – foi Moura que respondeu.
Luiz Moura era um homem de estatura
mediana, com os cabelos negros ficando grisalhos e os olhos negros já com uma
rede de rugas em volta.
— O mesmo modus operanti. Matava as
vitimas com uma incisão precisa no coração depois de cortar os seus pulsos. Levava
apenas os olhos...
— Agora estou lembrado – resmungou Alameida
– Ainda estava no colegial.
— Assim você eu me sinto velho –
resmungou Braz que era oito anos mais velho que o amigo de vinte e sete anos.
— Dá para os dois deixarem de
bravatas? – Moura resmungou – Se isso não for uma dublê do assassino de
Bertioga acho que acabamos de nos deparar com aquele bendito colecionador de
olhos!
Assim que o ônibus chegou a plataforma
os passageiros que vinham da capital paulista foram descendo e pegando as suas
malas.
Um casal chamava a atenção. Era uma
moça e um rapaz jovens em torno dos vinte de dois anos, ambos com longos
cabelos loiros e cheios de cachos, corpos magros e bem formados. O rapaz
mostrava uma feia lesão no olho direito e procurava esconder com os cabelos
compridos.
— Não fica assim – a moça tocou no
rosto triste dele.
— Ele tinha que fazer isso – o outro
pegou duas malas e entregou outra para a moça – Como vou aparecer segunda para
o trabalho?
— A gente explica Lucas! O Editor
chefe é boa pessoa e vai entender.
Lucas olhou para a irmã e deu um leve
sorriso.
— Pelo menos eu consegui impedir que
ele fizesse algo com você, acho que não sou tão inútil.
A moça deu um tapa na cabeça do outro.
— Irmão idiota!
— Inocense! Assim você me mata!
— Deus não é tão bondoso.
— Que? – com os dois discutindo bobagens
subiram a rampa que da acesso a sala de espera da rodoviária de Ribeirão Preto
e usando a escada rolante desceram para o saguão sempre tão cheio e
movimentado.
Á frente da rodoviária havia uma
movimentada avenida e mais alem o mar de prédios do centro da cidade. O céu
estava nublado e era um dia frio em uma cidade conhecida por seu calor.
— Está com o endereço da pensão? –
perguntou Lucas para a irmã.
— Tá na minha cabeça – respondeu ela com
ar superior – Sabe que eu tenho memória fotográfica!
— Você também podia vir como boca com zíper
também – Lucas olhou feio para ela e a irmã mostrou a língua.
Foram dirigindo-se para o ponto de
taxi onde havia apenas um taxi parado, mas um rapaz passou por eles correndo e
entrou apressado.
— Desculpas – disse ele dirigindo um
sorriso sexi para Lucas – Estou com pressa.
— E eu estou cansado! – Lucas olhou
para o belo homem que tinha passado a sua frente.
Era alto, com a cabeça quase tocando o
teto do carro. Cabelos negros e despenteados e belos olhos verdes que o olhavam
maliciosos.
— Desculpa guri. Motorista vamos!
Lucas teve vontade de esganar o outro,
mas ele já ia longe e Inocense estava rindo perto dele.
— O que? – virou para a irmã.
— Nada. É que você estava engraçado
brigando. É sempre tão quieto e serio...
— É a convivência com você!
— Há! Há! Muito engraçado!
Eles teriam continuado a discutir se
não fosse a chegada de um taxi. Colocaram as malas no porta malas e a moça deu
a direção ao motorista e logo estava engajada com está em uma conversa animada,
não era á toa que ela era uma boa repórter.
Lucas encostou a cabeça no banco e
ficou pensando em sua vida na capital. Moravam em um velho prédio caindo aos
pedaços. Tinham um irmão mais velho, mas Samuel era um viciado em drogas
agressivo que via em Lucas seu saco de pancadas. Sua mãe era uma pessoa amarga
que não deixava de demonstrar o seu desgosto pelos filhos gêmeos,
principalmente ao saber que Lucas era gay.
O rapaz ainda estremecia ao pensar na
surra que levara do seu pai aos quinze anos quando fora pego aos beijos com um
vizinho.
Seu pai era um homem forte, mesmo
sendo alcoólatra e conseguira quebrar seu braço em dois lugares e o deixar uma
semana internado.
Desde então ele preferira se manter no
armário, como seus amigos diziam.
Inocense era outra conversa. Era uma
moça decidida e pronta para a briga. Ele colocara o irmão debaixo da asa e com
isso sua mãe dizia sarcasticamente que ela ia pegar a “doença” dele, mas
Inocense fazia pouco caso.
Ela era hetero, mas sua vida era
dedicada a sua carreira de repórter investigativa e ao irmão gêmeo, tanto que
ao receber uma oferta de trabalho de uma famosa revista de Ribeirão Preto ela
colocara como condição de que eles tivessem uma colocação para o irmão formado
em administração.
Depois de algumas conversas Lucas
havia conseguido o posto de secretario do diretor e dono da revista, Israel
Mendes. Diziam que o homem era conhecido por seu temperamento explosivo e seus
gritos com seus secretários, mas Inocense preferira omitir essa parte para o
irmão.
Quando contara em casa que estava indo
embora com o irmão seu pai ficara muito contrariado, preocupado com a fonte de
dinheiro para as suas bebedeiras.
Como resultado batera em Lucas e os
colocara fora de casa durante a noite fria de inverno. Eles foram para uma
pensão barata e estavam felizes por estarem juntos.
Iam começar uma nova vida. Talvez logo
pudessem alugar um apartamento e terem a sua casa.
— Lucas! – Inocense estalou os dedos
na frente do seu rosto – Acorda! Chegamos!
Eles haviam parado na frente de uma
grande casa com um jardim de rosas na frente. Havia uma pequena placa em cima
da porta:
POUSADA
RIOS
Desceram e retiraram a bagagem pagando
o taxis e entrando na recepção da pousada onde um rapaz digitava em um
computador do outro lado de um balcão.
— Bom dia – disse Inocense sorrindo
para o outro.
— Bom dia! – na verdade ele parecia
jovem, mas deveria estar passando dos trinta anos com cabelos castanhos curtos
e olhos azuis gentis atrás de lentes grossas de um óculos que teimava em
escorregar do seu nariz.
— Meu nome é Inocense Alves eu acho
que a revista Ribeirão Hoje fez uma reserva para mim e meu irmão.
— Fez sim – ele retirou uma ficha de
uma gaveta e colocou em cima da mesa – Por favor, preencha a fixa.
Enquanto a irmã escrevia, Lucas ficou
olhando para a recepção bem arrumada com pequenas poltronas de estampa florida,
uma mesa com uma garrafa de café e um pote de biscoitos. As janelas tinham
cortinas de renda e o chão, tapetes de sisal bem limpos. Havia uma porta a
direita e uma escadaria de madeira que ia para o próximo andar.
— Sua pousada é muito bem arrumada –
disse ele para o outro.
— Obrigado – ele ficou vermelho – Meu nome
é Gustavo Rios, sou proprietário, balconista, garçom, um pouco de tudo.
Gustavo ajudou eles até o quarto que
ficava em um longo corredor cheio de portas de madeira e eles explicou que
todos os quartos estavam ocupados e que eles tiveram sorte por ter aberto
aquela vaga.
Ele abriu a ultima porta do lado
direito dando para um quarto amplo, com duas camas de solteiro, dois
guarda-roupas pequenos, duas poltronas e uma escrivaninha. Havia uma porta que
ele explicou ser o banheiro. As paredes eram pintadas de um tom amarelo claro,
o chão de taco brilhava. Um ar condicionado estava acima da janela que dava
para o jardim dos fundos.
— Vocês vão ter que dividir o quarto –
disse Gustavo colocando as malas a um canto.
— Sem problemas – respondeu a moça –
Se ele me encher tranco ele no banheiro.
— Inocense! – resmungou Lucas.
— Que? Eu posso ti jogar porta a fora também!
— Deus eu joguei pedra na cruz!
— Você deveria estar agradecendo aos
deuses por ter uma irmã linda, educada, culta...
— Desbocada, narcisista, chata...
— Bem boa estadia – disse o rapaz
saindo de fininho.
— Viu só – disse Lucas – Espantou o
coitado!
— Eu?! Quem espantou foi você com essa
cara de bobo.
Lucas lançou um olhar feio para a irmã
que estava rindo e foi sentar na cama.
— Acha que vamos ser felizes aqui? –
perguntou ele olhando para a irmã que sentou do lado dele em um pulo e o
abraçou.
— Ei! Vamos começar uma nova vida! Aposte
que vamos conseguir tudo que quisermos se ficarmos juntos.
— Amo você irmãzinha!
— Também ti amo irmãozinho!
Eles estavam dispostos a deixar suas
tristezas para trás e ter uma vida melhor.
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