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quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Escravo - Capitulo Nove - Uma Pitada de Veneno

                                                                            TIOL



Capitulo Nove – Uma Pitada de Veneno




Cheguei ao jardim bocejando e olhando um jardineiro com cara de poucos amigos.

— Está atrasado – resmungou ele.

— Estou no horário – disse em meio a um bocejo.

Erim revirou os olhos e apontou para trás dele, dei uma olhada vendo o escravo loiro que Tiol comprara a noite.

— Oi! – disse para ele.

O menino me olhou com os olhos azuis tristes e cansados.

— Eu queria agradecer. Mestre Yaci me disse que foi você quem pediu para seu mestre me comprar – ele fez uma reverencia – Obrigado.

— Sem problemas. Você está bem?

— Sim, estou.

Mas ele não parecia. Tão pálido e magro que parecia que ia se quebrar.

— Yaci foi, hum, gentil?

— Mestre Yaci é um bom mestre – ele ficou vermelho – Ele não me tocou, disse que tenho que me recuperar.

— E você está precisando – resmungou Erim com a sua tesoura – Agora vá para o seu quarto e deixe esse preguiçoso trabalhar. Vocês podem conversar depois, afinal são visinhos.

Sorri para o menino e acompanhei o jardineiro.

— Erim você teria matado ele?

— Não – disse ele e se virou para mim tão rápido que quase cai – Se o que vou dizer sair da sua boca eu ti levo para a sala dos jogos todas as noites, entendeu?

— Certo.

— Esse é um castigo muito comum e a sala dos jogos do palácio é usada pelos nobres para que seus escravos sejam torturados e mortos. O príncipe Yaci me deu ordens para que o veneno nunca fosse administrado. O que eu coloco neles é um tipo de toxina que causa dor e um coma, mas não mata. Com o tratamento adequado a pessoa volta bem. Depois eles são levados para o norte, uma província que pertence ao rei consorte.

— Eles têm uma chance – disse baixinho pensando na raiva que sentira de Yaci à noite.

— Não julgue os príncipes pelo que vê de Tiol. Ele já foi melhor, mas aceitou mudar para o que vemos hoje. Aqui dizemos que sua responsabilidade, seu castigo.

Soube mais tarde que era o mesmo que dizer: Aqui na terra se faz aqui se paga. Bem, no caso de Tiol acho que não era mais certo.

Ajudei Erim com as rosas negras que precisavam de uma pode perto de uma cerca viva muito fechada e o jardineiro já falava em desbastar ela. Revirando os olhos continuei a retirar os galhos com a luva grossa quando senti uma picada como se fosse uma abelha.

— Merda! – retirei a mão do meio das folhas olhando para o que parecia um pequeno lagarto roxo – Você me mordeu?! – o bichinho sibilou para mim e fugiu.

Meu dia estava começando bem! Não dormira a noite e agora um lagarto roxo me mordia. Maravilha!

— O que você tanto resmunga? – Erim me olhou feio e voltei a retirar os galhos do meio das roseiras.

— Nada.

Voltamos ao serviço. Finalmente ao meio dia paramos e fomos almoçar na cozinha do castelo junto com o menino loiro que finalmente me disse o seu nome: Iam Kent. Natural das colônias interiores como eu e vendido pela mãe para escravocratas há cerca de cinco nos. O conde Trak’n havia comprado ele no mesmo local onde eu estivera.

— Ele não era um bom mestre – resmungou o menino baixo olhando com medo para Erim.

— Acha mesmo que eu aceito o que aquele monte de banha faz com seus escravos? – o jardineiro parecia ofendido – Escravos do sexo são para dar e receber prazer e não para mutilação.

— Pensei que isso era crime aqui! – disse para ele coçando a mordida do lagarto roxo.

— E é. O conde tem poder e dinheiro e é amigo intimo do imperador.

As cozinheiras pareciam ter levado um susto ao ouvir Erim falar do imperador de modo com tanto desprezo.

— Cuidado – Iam tremia – Ele é como o conde. Às vezes ele ia até o castelo para torturar os escravos mais novos. Quando ele terminava eles estavam tão feridos que não podiam sobreviver. O conde mandava matá-los.

Empurrei o prato com o estomago revirado. Eu podia ter sido comprado por aquele sádico?

— Você teve sorte – Erim se virou para Iam – Os escravos de Trak’n não duram mais que dois ou três anos.

— Ele me mantinha para uso de seus filhos. Assim ele não me machucava muito, seu filho mais velho não gostava de sangue.

Eu estava ficando ainda mais enjoado com aquilo.

— A gente não pode mudar de assunto? – resmunguei.

— Que tal esporte? – Erim me olhou quase rindo.

— Que esporte? – resmunguei – O esporte de flagelar o escravo?

— Futebol.

— Futebol?! – enrolei a lingua no inglês – Você está falando daquele esporte da Terra? Vinte e dois homens correndo atrás de uma bola?

— Exato. Praticamos esse esporte aqui desde que o conhecemos dos humanos há quinhentos anos e finalmente o meu time está chegando à primeira divisão.

— Isso é piada?

— Piada o meu time esta chegando lá?

— Não o futebol!

— Não. Até onde sei é um esporte bem sério.

Alem da coceira da mordida de um réptil agora minha mão coçava de vontade de dar uns tapas em Erim Gnare!

Iam deu uma pequena risada e levou as mãos á boca como se isso fosse um grande erro.

— Não se acanhe – resmunguei para ele – Esse ai adora tirar uma com a minha cara!

— Ele tem medo – disse o jardineiro colocando a mão no ombro do garoto – Alguns mestres impedem que seus escravos riam ou sorriam com punições severas para quem transgredir a lei.

— Acho que vou vomitar – resmunguei levantando da mesa correndo e indo para um dos banheiros que ficavam no corredor.

Deus eu odiava vomitar, mas depois de tudo o que ouvira me dava arrepios o pensamento de ter caído na mão daquele conde.

Voltei pálido e ainda mais enjoado.

— Um morto vivo não é de muito ajuda pra mim! – Erim me olhou com as mãos na cintura – Vá se deitar! Iam pode fazer companhia para o inútil?

— Eu não sou inútil? – protestei, mas ele já tinha saído.

— Gostaria que eu ficasse com você? – perguntou Iam com a sua voz calma.

— Claro, vamos conversar um pouco.

Voltamos para a ala do castelo onde ficava o nosso quarto, mas eu não conversei. Acho que ficar sem dormir, beber e vomitar não era uma boa mistura. Assim que deitei dormi. Acordei duas horas depois pior do que dormira.

Sentei na cama olhando para Iam que lia perto da janela.

— Ola! – disse para ele.

O menino deu um pulo e deixou o livro cair.

— Andrew me desculpe por mexer em suas coisas! Eu não via um livro desde que fui vendido.

— Tá tudo bem – tentei acalmar ele – Não são meus, são do castelo e você pode ler quando quiser. Eu sou meio burro, mas acho que Tiol acha que pode me tornar inteligente – ri para ele.

— Eu não acho que você é burro – respondeu ele pegando o livro e colocando no colo – Você enfrentou um príncipe aurifense para me salvar, até mesmo foi obrigado a fazer sexo com o conde e por mim? Ninguém nunca fez nada por mim e você um desconhecido fez o que fez. Eu nunca vou poder agradecer o suficiente.

— Esquece. Eu não posso fazer muito, mas acho que o pouco que puder, se ajudar alguém, vai valer a pena.

Iam seu um pequeno sorriso e voltamos a conversar. Ele mostrou que conhecia algo do mundo onde era escravo e evitou falar do seu antigo dono.

Era o meio da tarde quando Tiol invadiu o meu quarto.

— O que está fazendo no quarto Andrew?

Iam ficou de joelhos, mas Tiol teria que me matar para fazer algo assim.

— Boa tarde para você também, mestre Tiol – respondi com sarcasmo para ele.

O príncipe lançou seu olhar frio para o menino.

— Saia!

Pobre Iam, saiu aos tropeços do meu quarto e me deixou fervendo de raiva de Tiol.

— Deixe o menino em paz! Você não sabe como foi a vida dele.

— O que vai acabar sendo a sua se não segurar a língua! Se continuar assim eu juro que ti vendo para o conde!

— Antes eu me mato – respondi para ele levantando da cama e ficando de queixo erguido – O que eu tenho a perder? A vida? Essa vida?

— Você está me irritando ao ponto de saturação Andrew!

— É mesmo? O que vai fazer? Me torturar? Me estuprar? Todas as alternativas anteriores? Você já fez! – gritei para ele olhando-o em seus olhos.

— O que deu em você? – Tiol segurou o meu rosto de forma brusca – Você é um impertinente, mas não é assim!

— É mesmo? – eu destilava sarcasmo e estava gostando – Como você sabe que não sou assim? Heim, principezinho?

Comecei a rir de forma um tanto psicótica e pouco liguei para isso. Estava sentindo uma estranha sensação de euforia, de que eu podia fazer o que quiser quando quiser.

— Me respeite! – Tiol perdeu a paciência e tentou me empurrar, mas não ia ser assim agora.

Segurei seu braço no ar. O ar de assombro dele me fez rir ainda mais. Claro que ele estava pasmo, aurifenses são muito mais fortes que humanos.

— Tá precisando de vitaminas Tiol.

— E você de um médico – ele foi saindo, mas segurei seu braço e o joguei na cama.

— Nananinanão... – balancei o dedo para ele – Vai ficar quietinho ai.

— Andrew veja o que está fazendo!

— Eu?! Eu estou me vingando, o que acha que estou fazendo?

— Você não vai fazer nada. Se algo acontecer comigo meu pai vai saber!

— É mesmo? Porque você não vai correndo falar com o papai? Vai se esconder debaixo da cama dele! E fica lá! Quem sabe para de envergonhar sua família com esse seu comportamento.

— Você não tem o direito de falar nada para mim! – ele estava ficando descontrolado e eu estava adorando.

— Direito? Eu não tenho direito a nada, não é? E ai? O que me importa então?

Sim havia algo estranho comigo, eu podia sentir isso, mas a sensação de euforia era tão boa que pouco me lixava.

— Achei que o meu dia ia ser uma merda, ate fui mordido por um lagarto roxo, tem cabimento? – meu corpo oscilou como se tivesse bebido uns dez coquiteis – Mas olhar para essa sua cara de bobo...

— Lagarto? No jardim?

— Onde mais? Dentro da geladeira? Não muda de assunto... eu quero falar...

— Maldito idiota! – Tiol estava gritando e eu estava ficando com dor de cabeça – Você foi mordido por uma cira!

— Bonito nome para uma coisa feia – disse cambaleando e caindo na cama – Oooops! O chão está se mexendo!

— A cira é um dos lagartos mais venenosos de Aurifen! Ele é letal para os humanos se demorar para tomar o soro!

— E daí? – comecei a rir – Bou morrer? Há! Há! Vou morrer – comecei a cantar.

Deve ter sido a cena mais patética da minha vida. Eu ali, envenenado e morrendo, cantando feito um bêbado em final de noite.

Tiol começou a xingar e eu a rir ainda mais. Quando ele tentou me pegar no colo dei-lhe um chute no nariz.

— Seu desgraçado! – Tiol começou a sangrar.

— Quebrei seu nariz? Lamento, meu pé escapou – rolei na cama rindo.

Sem paciência o príncipe me jogou no ombro saindo do quarto.

— Eu não vou perder o dinheiro que investi em você!

— Dinheiro? É só isso que eu sou? – meus olhos encheram de lágrimas e comecei a chorar feito um idiota – Você não liga para mim? Ninguém liga para mim!

Eu já não estava chorando, mas gritando como se Tiol estivesse me arrancando um braço comigo ainda vivo.

— O que você fez com ele? – era a voz de Abrahan em um tom preocupado.

— Me ajuda! – disse com a voz pastosa – Seu filho é um homem mal. Ele mata pessoas na sala dos jogos, mata sim. Ele tortura com prazer, só pela dor.

— Esse idiota for mordido por uma cira!

— Cira lagarto roxo – cantarolei – Abrahan canta comigo? Cira lagarto roxo.

— Leve ele para a enfermaria agora Tiol!

— Eu to tentando! – ele voltou a andar e Abrahan foi conosco.

— Oi Abrahan – disse alegre para ele – Amo você. Queria ter você como meu pai, sabe? Tenho inveja desse monte de merda do seu filho, imagina? Eu com inveja de um príncipe aurifense. Eca! To ficando louco! – voltei a chorar e depois a rir.

Não posso dizer que foi ruim. Eu estava livre, nada me prendia. Era como se algo dentro de mim se rompesse e você pudesse ser... você! Sentia os sentimentos com uma grande intensidade e isso era tão bom. Medo e dor, raiva e alegria, euforia e tristeza. Eu ia a extremos e voltava e a única coisa que me interessava era essa montanha russa de sentimentos. Naquele momento se alguém tivesse tentado me matar eu teria rido e adorado.

Mais tarde soube que o largatinho roxo de nome cira mexia com o sistema nervoso. Não me perguntem nada técnico, mas o que eu sei é que a pessoa fica livre de qualquer inibição, mas depois de algumas horas o veneno vai paralisar seus órgão aos poucos até a pessoa morrer de ataque cardíaco ou insuficiência respiratória.

Depois de algum tempo eu apaguei e acordei sentindo que o meu corpo estava se esfacelando, célula por célula.

Deus! Eu preferia ter ficado com o veneno se aquilo era a cura!

Eu acho que gritei, sei lá! Tudo é apenas um borrão na minha mente e quando eu pude entender as coisas a minha volta me vi em um quarto branco de hospital com um medico aurifense olhando o meu soro e Abrahan sentado perto de mim.

— Tudo isso foi por causa de um lagarto roxo? – resmungou parecendo um sapo coachando.

— Bem vindo ao mundo dos vivos Andrew – disse Abrahan sorrindo e tocando em minha testa – Mais um pouquinho e o soro não ia fazer efeito.

— Como é que eu ia saber que o bicho era venenoso? Se tivesse a mais leve ideia tinha jogado ele na cama do Tiol.

— Acho que você já me irritou bastante hoje – Tiol também estava ali.

— O que será que o pobre escravo fez?

Os lábios de Tiol crisparam, mas Abrahan começou a rir de nós me dando em beijo na testa e olhando com um carinho para o filho que ele não merecia.

— Vocês juntos são uma gracinha.

— Pelos deuses papa. Esse escravo é o pior negocio que eu já fiz.

— A recíproca é verdadeira – disse para ele.

Acho que ainda havia veneno em mim, mas logo esquecemos as brincadeiras. A ultima pessoa que eu queria ver no mundo entrou pela porta.

— Boa noite meu amor – disse o imperador olhando para um pálido Abrahan.  











2 comentários:

  1. Boa noite!

    Estou adorando mas o imperador tinha que aparecer agora?!

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  2. ADOREI, ESTA FICANDO CADA DIA MELHOR.
    OBRIGADO POR COMPARTIR SEU LIBRO.
    BEIJOS PARA TI E ESPERO ANSIOSA O PRÓXIMO CAPITULO.

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